Embrapa Trigo
 
Junho, 2013
142
Passo Fundo, RS
Origem e usos

O principal centro de origem do centeio não é conhecido com precisão, mas acredita-se ser a região sudoeste da Ásia, essencialmente, a mesma área de origem do trigo, da cevada e da aveia (BUSHUK, 2001). A literatura menciona dois centros de origem: região da Anatólia e Cáucaso, a leste da Turquia e norte do Irã; e região norte do Afeganistão e a oeste do Irã (BAIER, 1994).

Inicialmente, a planta de centeio foi considerada invasora dos cultivos de trigo e de cevada. Sua domesticação deve ter ocorrido por volta de 3.000 a. C., no noroeste da Turquia, no noroeste do Irã e na Armênia, a partir de espécies selvagens. Segundo Leonard e Martin (1967), há duas teorias sobre a origem do centeio. Uma delas postula a descendência de Secale anatolicum, uma espécie selvagem encontra desde a Síria até o Irã e, a outra, como originário de Secale montanum, também uma espécie selvagem do sul da Europa e partes da Ásia.

Zohary e Hopf (2000) relatam que pequenas quantidades de centeio cultivado foram encontradas em uma série de sítios arqueológicos neolíticos da Turquia, como no sítio Can Hasan III, mas outros registros arqueológicos são praticamente ausentes até a Idade de Bronze da Europa Central. Os indícios mais antigos do uso doméstico do centeio datam do fim do período Epipaleolítico, em achados no sítio de Tel Abu Hureyra, no norte da Síria, no vale do Eufrates (ZOHARY; HOPF, 2000).

Como impureza no trigo e na cevada, o centeio foi disseminado pelo centro e norte da Europa e de lá se expandiu para outras partes do mundo (BAIER, 1994). O centeio era um grão popular entre os saxões e vikings. Os métodos iniciais de cultivos consistiam na semeadura conjunta de trigo e de centeio. Dependendo do tempo, uma cultura dominaria a outra. A farinha mista era conhecida como farinha "estivais" (ALL ABOUT..., 2013).

Acredita-se que a disseminação do centeio para o centro e norte da Europa ocorreu durante o primeiro milênio d.C. e a rota exata da migração é desconhecida, embora uma possível rota seja a partir do norte da Ásia Menor para a Rússia e, depois, para o oeste da Polônia e da Alemanha; e uma segunda via de migração tenha sido da Turquia por meio da península balcânica para o centro norte da Europa. De lá, o centeio gradualmente se espalhou por toda a Europa e acabou por ser trazido para a América do Norte e oeste da América do Sul pelos colonos europeus durante os séculos XVI e XVII. Durante esse mesmo período, gradualmente se espalhou pelo sul da Rússia e pela Sibéria. Durante os séculos XIX e XX, foi introduzido na Argentina, no sul do Brasil, no Uruguai, na Austrália e na África do Sul. (BUSHUK, 2001). Hoje, o centeio é cultivado em todo o mundo, mas sua produção concentra-se no hemisfério norte, entre os Montes Urais e o Mar Nórdico.

O centeio é usado, diretamente ou em pré-misturas, na fabricação de produtos forneados (pães e biscoitos, por exemplo) e também em mistura de cereais matinais e outros produtos dietéticos. Dentre os produtos alimentícios observados podemos citar: grãos integrais, grãos maltados, grãos pré-cozidos, farinha de centeio, farinha integral de centeio, mistura para pão de centeio, flocos de centeio, cereais matinais (granola, musli, etc.), macarrão de centeio, mistura de arroz-centeio, pão integral de massa fermentada ácida (“sourdough”), biscoito integral de centeio, dentre outros, especialmente, produtos regionais como a torta Karelian, da Finlândia, ou pães mistos: com 50% de farinha de trigo e 50% de centeio (“mischbrot”), com 51 a 98% de farinha de trigo (“weizenmischbrot”) e com 51 a 98% de farinha de centeio (“roggenmischbrot”), pão de centeio integral ou pão preto (“pumpernickel”) e pão ou cracker tipo sueco (“crisp bread”), comuns na Alemanha, ou a sopa de centeio azeda, na Polônia.

O consumo do centeio tem forte vinculação com tradições culturais alimentares. O pão de centeio tradicional é um pão escuro e ácido comum em países como a Finlândia, a Polônia, a Bielorrússia, a Rússia, a Alemanha, a Suécia, a Dinamarca e os países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia). Na Suécia um terço do consumo de pão é de pão tipo forma, com cerca de 40% de farinha de centeio (RYE..., 2003). Na Alemanha, em 2011, 6,0% eram pães de centeio e 31,7% eram pães mistos de farinha de trigo e de centeio (THE GERMAN, 2011).

Segundo Baier (1994), a produção da farinha de centeio consome mais energia que a moagem de trigo, produz farinha mais escura e requer que o amassamento, a fermentação e o cozimento sejam mais lentos. Segundo Oelke et al. (1990), embora a farinha de centeio tenha baixo teor de glúten, a farinha possui proteínas que lhe conferem a capacidade para fazer um pão fermentado nutritivo. A adição de pequenas quantidades de farinha de centeio em produtos produzidos com farinha de trigo auxilia na absorção de água, o que melhora o volume e prolonga a vida de prateleira (BAIER, 1994).

Quantidades substanciais de grão de centeio também são utilizadas na produção de bebidas alcoólicas (BUSHUK, 2001) sendo, por exemplo, ingrediente de destaque na produção de alguns produtos tradicionais como o conhecido uísque canadense ou uísque de centeio, popular no Canadá e nos Estados Unidos da América (EUA); o gin, bebida de origem holandesa; e em cervejas, como a roggenbier, na Alemanha, a rye-P.A, nos Estados Unidos, a sahti, na Finlândia e a kvass, na Rússia e em países do leste europeu.

Na indústria de produtos não alimentares, a farinha de centeio é aproveitada por suas características adesivas, conferida pela secalina (NASCIMENTO JUNIOR; BAIER, 2006); pequenas quantidades de palha de centeio também são utilizadas no fabrico de papel e aglomerados de palha (BUSHUK, 2001).

Na indústria farmacêutica, a cravagem do centeio, estruturas arqueadas (esclerotos) oriundas da infecção do centeio pelo fungo Claviceps purpurea, dá origem a importantes alcalóides (ergotamina, ergometrina, metilergonovina, metil sergida, dihidroergotamina, bromocriptina, ergotoxina e LSD[3]) que possuem utilidades terapêuticas tais como: hemorragias pós-parto, enxaquecas e outras cefaleias de origem vascular, hipotensão ortostática, doença de Parkinson, patologias associadas à hiperprolactinémia e à senilidade (TAVEIRA; CRUZ, 2008). Algumas dessas substâncias produzidas pelo fungo Claviceps purpurea, conhecido como esporão ou cravagem do centeio que possuem alcalóides derivados da ergolina, são responsáveis pela intoxicação causada pela ingestão de produto contaminado, conhecida como ergotismo (envenenamento por Ergot, fogo de Santo Antônio, fogo sagrado, etc.). Durante a Idade Média houve muitos registros de epidemias de ergotismo na Europa. Segundo Taveira e Cruz (2008), a primeira epidemia a ser documentada ocorreu nos anos 944 e 945 na França com a morte de 20 mil pessoas e, na década de 1770, vários países desenvolveram legislações específicas para evitar a ocorrência do ergotismo. Somente no século XIX (1808), ocorreu o primeiro uso de um derivado da cravagem para fins medicinais, empregado como medicamento para apressar o parto, porém os perigos para criança e as incertezas da dosagem limitaram seu uso como medicamento hemostático, para parar hemorragia de pós-parto (HOFMANN, 1979).

Em termos de composição química, o centeio não difere muito dos demais cereais de inverno (Tabela 1), apresentando porcentagens similares de proteína, de lipídios, de fibra, de cinza e de carboidrato. No entanto, se diferencia por possuir maior teor de pentosanas (hemiceluloses ou glicoprotídeos), as quais, segundo Baier (1994), além de conferirem elevada viscosidade e serem responsáveis pela estrutura em pães de centeio dificultam ou retardam a digestão, atrasando a absorção de nutrientes e reduzindo a conversão alimentar. O cereal possui valor dietético porque é rico em fibras, em sais minerais, em aminoácidos essenciais e apresenta reduzido valor calórico. É indicada para diferentes dietas alimentares, o que incluem dietas para diabéticos, para hipertensos, e para pessoas preocupadas em manter a forma física (NYGREN et al., 1984).

Segundo Rye... (2003), uma dieta rica em centeio ajuda a reduzir problemas de constipação, previne o desenvolvimento de obesidade, reduz o nível de insulina e previne a diabetes, auxilia na redução do risco de doenças cardiovasculares e de câncer.

Na alimentação animal, o centeio pode ser utilizado na forma de volumoso ofertado ou em pastejo direto. Os grãos de centeio são semelhantes a outros cereais de inverno em termos de valor energético, seu valor nutritivo está em torno de 85 a 90% da energia dos grãos de milho e contêm mais proteína e nutrientes digeríveis do que os encontrados em aveia ou em cevada. Na mastigação, o centeio tende a formar uma massa pegajosa na boca do animal e pode ser tóxico se houver a presença de ergot (fungo Claviceps) (BUSHUK, 2001). Segundo Oelke et al. (1990), o centeio é mais satisfatoriamente utilizado quando misturado com outros cereais em proporção menor do que um terço, em virtude da palatabilidade e da elevada pegajosidade ao mastigar. As recentes melhorias na tecnologia de produção de alimentos para animais, em especial na utilização de várias enzimas para melhorar a palatabilidade, conduziu a um aumento substancial na percentagem de grãos de centeio nas misturas para alimentação animal (BUSHUK, 2001).

Como volumoso ofertado ou em pastejo direto, recomenda-se a combinação com outras espécies de leguminosas e gramíneas, como trevo e azevém para melhoria da proteína total e da palatabilidade (OELKE et al., 1990). Apesar do centeio ser uma cultura de pastagem menos palatável, seu pastejo é fácil e pode ser usado quando outras forragens verdes ainda não estão disponíveis.

No sul dos EUA, a produção bovina depende de centeio para forragem do outono à primavera, já que as espécies perenes de estação quente permanecem latentes (NEWELL; BUTLER, 2012). Segundo Oelke et al. (1990), menos de 50% do centeio semeado nos EUA é colhido para grão, sendo o restante utilizado como pasto, feno, ou como uma cultura de cobertura. Do total de grãos colhidos, cerca de metade do montante é usado para a alimentação animal ou para exportação, e o restante é usado para a produção de bebidas alcoólicas, alimentos e como sementes.

Experimentos realizados no Brasil por Fontaneli et al. (2009), para avaliar o rendimento e valor nutritivo da forragem precoce, da silagem e dos grãos do rebrote de 14 genótipos de seis espécies de cereais de inverno, evidenciaram que o centeio BRS Serrano foi superior para rendimento de forragem verde, silagem, total de forragem (forragem verde + silagem) e rendimento de grãos do rebrote. Além disso, para rendimento de grãos, o centeio não apresentou diferença das cultivares de trigo (BRS 277), de triticale (BRS 148 e BRS 203), de aveia (UPF 18) e de outra cultivar de centeio (BR 1).

A biomassa produzida pelo centeio é excelente cobertura de solo, contribuindo para conservar a matéria orgânica, reduzir perdas de solo e intensificar a retenção de água no solo. O centeio é conhecido por seus efeitos alelopáticos supressores em muitas ervas daninhas. Alguns autores comparam o efeito alelopático do centeio a tratamentos com herbicidas químicos (SHILLING et al. 1986; FUJI, 1996).


[3]Acrônimo alemão de lysergsäurediethylamid para a dietilamida do ácido lisérgico, não possui qualquer tipo atividade terapêutica, sendo uma das substâncias alucinógenas mais potentes.

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