Novembro, 2009
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Passo Fundo, RS
Manejo para controle de contaminantes na pós-colheita de trigo

Os principais sistemas de gestão da qualidade na fase de pós-colheita de trigo são: as boas práticas/APPCC, a ISO 22000 - Sistemas de Gestão da Segurança de Alimentos; e o manejo integrado de pragas. Esses sistemas objetivam garantir a produção de alimentos seguros através da identificação, do monitoramento, do manejo adequado e de rastreabilidade de contaminantes em todas as etapas. Essas normas são baseadas em protocolos reconhecidos internacionalmente, que possibilitam implementar sistemas de rastreabilidade e de certificação, permitindo a comercialização de produtos com qualidade e que atendam as demandas de mercado.

Boas práticas, sistema APPCC e ISO 22000 - Sistemas de Gestão da Segurança de Alimentos

As boas práticas abrangem um conjunto de medidas que deve ser adotado pelas indústrias de alimentos a fim de garantir a qualidade sanitária e a conformidade dos produtos alimentícios com os regulamentos técnicos. Os Procedimentos Operacionais Padrão – POP's - são utilizados pelas processadoras de alimentos para alcançar a meta global de manter as boas práticas na produção de alimentos. Dentre os procedimentos operacionais, os mais relevantes para a indústria alimentícia são: de instalações; de controle de fornecedores; de equipamentos; de limpeza e higienização; de higiene pessoal; de controle de produtos químicos; de controle de pragas; de rastreamento e recolhimento; e de destinação de resíduos (ORGANIZAÇÃO..., 2001). Para cada procedimento são definidos os objetivos, a aplicação, a responsabilidade, os procedimentos, as observações e os registros para monitoramento. Na Tabela 7 é apresentado um exemplo de procedimento de monitoramento da operação de secagem de grãos. As boas práticas são pré-requisito para a implementação do sistema Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC).

O sistema APPCC foi desenvolvido com o objetivo de garantir a produção de alimentos seguros, através da identificação e da prevenção dos perigos relacionados à inocuidade (ORGANIZAÇÃO..., 2001). O sistema APPCC é dinâmico, centrado na identificação de perigos durante o processo, estabelecendo um plano para sua prevenção, eliminação ou redução para níveis aceitáveis, minimizando as falhas que ocorrem quando são retiradas amostras de produtos finais para avaliar a qualidade (FAO, 2003).

O Sistema APPCC baseia-se na aplicação de sete princípios aceitos internacionalmente, publicados em detalhe pela Comissão do Codex (2003): análise de perigos e medidas preventivas; identificação de pontos críticos de controle (PCC); estabelecimento de limites críticos; estabelecimento de procedimentos de monitoramento; estabelecimento de medidas corretivas; estabelecimento de procedimentos de verificação; e estabelecimento de procedimentos de registro (CODEX..., 2003). No Brasil, a legislação sanitária federal regulamenta as boas práticas e o sistema APPCC através de portarias que determinam sua adoção pelas indústrias atuantes na produção/industrialização, fracionamento, armazenamento e transportes de alimentos industrializados (ANVISA, 2003b).

A ISO 22000 objetiva normalizar e harmonizar internacionalmente a questão da segurança de alimentos. A norma ISO 22000 especifica requisitos para o sistema de gestão da segurança de alimentos, no qual a cadeia produtiva precisa demonstrar sua habilidade em controlar os perigos, com o objetivo de garantir que o alimento esteja seguro no momento do consumo (FROST, 2005). A ISO 22000, por meio de requisitos auditáveis, combina o plano APPCC com programas de pré-requisitos (boas práticas), que são procedimentos ou instruções específicos para cada cadeia produtiva, que objetivam manter o ambiente higiênico, adequado para a produção, definem formas de manuseio e a oferta de produtos finais seguros. A ISO 22000 é alinhada com os requerimentos da ISO 9001:2000 – Sistemas de Gestão da Qualidade. Essa compatibilidade facilita a junção ou execução integrada das normas. No Brasil, a ISO 22000:2005 foi traduzida pela ABNT e regulamentada através da norma ABNT NBR ISO 22000:2006.

Especificamente para o controle de Fusarium, que pode desenvolver micotoxinas no caso do trigo, podem ser adotadas estratégias como o uso de fungicidas sob condições de moderada pressão de infecção, sendo esta limitada pelo alto custo, baixa eficiência, além da carência de informações sobre os fatores que favorecem o desenvolvimento da infecção e o momento mais adequado para a aplicação. Quanto ao controle genético, a incorporação de genes de resistência à doença em materiais com boas características agronômicas e tecnológicas, tem sido difícil pelos métodos tradicionais e poucas cultivares apresentam moderada resistência (DEL PONTE et al., 2009). No recebimento na unidade armazenadora deverá ser realizada rápida e eficiente secagem dos grãos, estabelecendo monitoramento sistemático, através de métodos eficazes e rápidos, que permitam orientar o manejo e logística dos lotes no recebimento na unidade armazenadora (FAO, 2003). Outras alternativas como métodos físicos, biológicos e químicos para adsorção de micotoxinas e a separação dos grãos por gravidade e por peneiras estão sendo estudados, entretanto ainda não estão sendo aplicados efetivamente em escala comercial (NAKAJIMA, 2007).

Além destas estratégias de manejo e de controle de contaminantes, torna-se fundamental estabelecer um programa de monitoramento dos níveis de resíduos, através de laboratórios e equipamentos adequados, além da capacitação dos agentes em toda a cadeia produtiva, visando utilizar adequadamente os agroquímicos e prevenir os problemas de resíduos, que atualmente, constituem-se uma das principais barreiras do comércio internacional aos grãos brasileiros.

Manejo integrado de pragas

O Manejo Integrado de Pragas na Unidade Armazenadora de Grãos consiste em uma série de medidas que devem ser adotadas pelos armazenadores para evitar danos causados por pragas. Essa técnica descrita em Lorini (2005), compreende várias etapas:

Mudança de comportamento dos armazenadores: é a fase inicial e mais importante de todo o processo, no qual todas as pessoas responsáveis que atuam na unidade armazenadora de grãos têm de estar envolvidas. Nessa fase, o objetivo é conscientizar sobre a importância de pragas no armazenamento e danos diretos e indiretos que estas podem ocasionar.

Conhecimento da unidade armazenadora de grãos: deve ser conhecida em todos os detalhes, por operadores e administradores, desde a chegada do produto até a expedição, após o período de armazenamento. Devem ser identificados e previstos os pontos de entrada e abrigo de pragas dentro da unidade armazenadora. Nessa fase também deve ser levantado o histórico do controle de pragas na unidade armazenadora nos anos anteriores.

Medidas de limpeza e higienização da unidade armazenadora: o uso adequado dessas medidas definirá o maior sucesso da meta preconizada. O uso de equipamentos de limpeza simples, como, por exemplo, vassouras, escovas e aspiradores de pó em moegas, túneis, passarelas, secadores, fitas transportadoras, eixos sem-fim, máquinas de limpeza, elevadores, e nas demais instalações da unidade armazenadora é fundamental para o controle destes insetos. A eliminação total de focos de infestação dentro da unidade, como resíduos de grãos, poeiras, sobras de classificação e sobras de grãos, permite o armazenamento sadio. Após a limpeza, o tratamento periódico de toda a estrutura armazenadora, com inseticidas protetores de longa duração, é uma necessidade para evitar reinfestação de insetos nesses armazéns.

Correta identificação de pragas: as pragas que atacam os diferentes tipos de grãos devem ser identificadas taxonomicamente, pois dessa identificação dependem as medidas de controle a serem tomadas para evitar sua potencialidade de destruição de grãos. No grupo de besouros, as espécies que causam maior prejuízo são Rhyzopertha dominica, Sitophilus oryzae, S. zeamais e Tribolium castaneum, e, no de traças, Sitotroga cerealella é a de maior importância.

Conhecimento da resistência de pragas a inseticidas: a resistência de pragas a produtos químicos é uma realidade comum no mundo todo e cada vez mais deve ser considerada, de forma consciente, por todos os envolvidos no processo, uma vez que pode inviabilizar o uso de alguns produtos químicos disponíveis no mercado e provocar perdas de elevados investimentos de capital para a consecução dessas ações.

Potencial de destruição de cada espécie-praga: o verdadeiro dano e a consequente capacidade de destruição da massa de grãos por cada espécie-praga devem ser perfeitamente entendidos, pois determinam a urgência e a importância do controle visando a viabilidade de comercialização desses grãos armazenados.

Proteção da massa de grãos com inseticidas: depois de limpos e secos, e se houver armazenamento por períodos longos, os grãos podem ser tratados preventivamente com inseticidas protetores, de origem química ou natural. Esse tratamento visa garantir a eliminação de qualquer praga que venha a infestar o produto durante o período em que este estiver armazenado. O tratamento com inseticidas protetores de grãos deve ser realizado no momento de abastecer o armazém e pode ser feito na forma de pulverização na correia transportadora ou em outros pontos de movimentação de grãos, com emprego de inseticidas químicos líquidos ou mediante polvilhamento com inseticida pó inerte natural, na formulação pó seco. Este último inseticida é proveniente de algas diatomáceas fossilizadas, moídas em um pó seco de fina granulometria. Denominada terra de diatomácea, age no inseto por contato, causando morte por dessecação. Não é tóxico e mantém inalteradas as características alimentares dos grãos. É importante que haja perfeita mistura do produto com a massa de grãos. Também pode-se usar pulverização ou polvilhamento para proteção de grãos armazenados em sacaria, na dose registrada e indicada pelo fabricante. No caso de inseticidas químicos, para proteção de grãos contra as pragas S. oryzae e S. zeamais, indica-se o uso de inseticidas organofosforados, uma vez que tais produtos são específicos para essas espécies-praga. Já para R. dominica, os inseticidas indicados são os do grupo dos piretróides.

Tratamento curativo: sempre que houver presença de pragas na massa de grãos, deve-se fazer expurgo, usando produto à base de fosfina. Esse processo deve ser realizado em armazéns, em silos de concreto, em câmaras de expurgo, em porões de navios ou em vagões, sempre com vedação total, observando-se o período mínimo de exposição de cinco dias para controle de todas as fases da praga e a dose indicada do produto.

Monitoramento da massa de grãos: uma vez armazenados, os grãos devem ser monitorados durante todo o período em que permanecerem estocados. O acompanhamento da evolução de pragas que ocorrem na massa de grãos armazenados é de fundamental importância, pois permite detectar o início da infestação que poderá alterar a qualidade. Esse monitoramento tem por base um eficiente sistema de amostragem dos grãos para a determinação das pragas presentes, independentemente do método empregado. A medição de variáveis, como temperatura e umidade do grão, que influenciam na conservação do produto armazenado. Também são úteis para determinar a presença de pragas inconvenientes em estágio de infestação avançado. Deve ser registrado o início da infestação, para orientar a tomada de decisão por parte do armazenador, a fim de garantir a qualidade do grão.

Gerenciamento da unidade armazenadora: todas essas medidas devem ser tomadas através de atitudes gerenciais durante a permanência dos grãos no armazém, e não somente durante o recebimento do produto, permitindo, dessa forma, que todos os procedimentos interajam no processo, garantindo melhor qualidade de grão para comercialização e consumo.

Outros contaminantes na fase de pós-colheita de trigo

A secagem de trigo é uma operação crítica na seqüência do processo de pós-colheita. Como consequência da secagem, podem ocorrer alterações significativas na qualidade do grão, como trincamento e quebra. A possibilidade de secagem propicia um melhor planejamento da colheita e o emprego mais eficiente de equipamentos de mão-de-obra, mantendo a qualidade do trigo colhido. De acordo com Martins et al. (2002), vários secadores comerciais apresentam incorreções no dimensionamento das fornalhas à lenha, principalmente no tocante ao volume e à área da grelha. Além do dimensionamento incorreto, segundo os autores, destacam-se também problemas associados a operação inadequada, uso de lenha verde ou úmida e a insuficiência de vazão do ventilador. Estes fatores ocasionam contaminações nos grãos com fumaça, tendo sido detectada inclusive a rejeição de animais ao consumo de rações produzidas com grãos contaminados. Além destes fatores, dependendo do tipo e da conservação da lenha, esta pode gerar a liberação de Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos (HPAs) (PORTELLA & EICHELBERGER, 2001). De acordo com Meire et al. (2007), os (HPAs) são considerados poluentes orgânicos e, alguns desses compostos, precursores de ações mutagênicas e tumorais em sistemas biológicos. Essa classe de substâncias tem sua origem na combustão incompleta da matéria orgânica regida principalmente por diferentes fatores físicos, como temperatura e pressão. O transporte se dá principalmente através de material particulado fino atmosférico, podendo atingir, desta forma, regiões distantes de sua origem. Para minimizar estes efeitos negativos, é importante manter limpos os cinzeiros abaixo da grelha, o abastecimento da fornalha deve ser feito sem altas variações de temperatura e a lenha deve ser homogênea mantendo temperatura na câmara de combustão em aproximadamente 600°C (MARTINS et al., 2002). Uma alternativa ao uso da lenha é o uso de gás liqüefeito de petróleo (GLP), em secadores cujas condições de queima são mais controladas, em relação ao uso da lenha.

Os ratos podem causar perdas significativas tanto pelo consumo de grãos, como pela contaminação através de excrementos e urina, favorecendo o desenvolvimento de fungos toxigênicos, além de transmitir doenças. Um desses roedores é capaz de consumir 10% do seu peso corpóreo e de contaminar cinco vezes a quantidade que consome (MATIAS et al., 2002). Além de transmitir doenças para humanos e animais, especialmente, a leptospirose, os ratos também comprometem a infraestrutura e os equipamentos da unidade armazenadora, gerando grandes prejuízos. O monitoramento e controle de ratos deve ser sistemático, adotando estratégias de controle conforme a espécie e a dinâmica populacional, devendo ser realizado por pessoal capacitado, pois a estratégia de controle deverá ser periodicamente modificada para ter controle efetivo. Os principais métodos de controle para roedores estão descritos em Matias et al. (2002).

Os pombos geram contaminações significativas quando não são controlados. A preocupação com os pombos não se limita somente aos danos materiais, mas a uma série de doenças que são provocadas pelos dejetos. O manejo e controle integrado dos pombos, evitando a sua proliferação através da redução do abrigo e fontes de alimentação é essencial para manter a higienização da unidade armazenadora. As principais alternativas para controle de pombos, barreiras físicas e uso de repelentes, são citadas em Nunes (2003) e em Figueiredo (2009).

Na Instrução Normativa n.º 109 (2006), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA, 2006), poderão ser obtidas informações adicionais sobre as estratégias de manejo de roedores e pombos nas unidades armazenadoras de grãos.

Dentre os contaminantes presentes na fase de pós-colheita de trigo podem ser citados também os resíduos de graxas e óleos, especialmente quando não é realizada manutenção e limpeza adequada de equipamentos, elevadores e correias nos silos armazenadores.

Além destes contaminantes, os grãos armazenados também podem conter matérias estranhas, impurezas e fragmentos metálicos provenientes de equipamentos com conservação inadequada. Estes contaminantes físicos devem ser eliminados nas etapas de pré-limpeza e limpeza de grãos.


 

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