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ISSN 1517-4964
Dezembro, 2001
Passo Fundo, RS
     

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O processo de previsão meteorológica e suas aplicações na agricultura

Gilberto R. Cunha1


Não é fácil entender o significado de uma boa previsão meteorológica. Tampouco aceitar que uma boa previsão pode não ter valor. Tome-se como exemplo uma série de acontecimentos ligados a alguns eventos meteorológicos e/ou climáticos extremos, que comumente ocorrem no Brasil, envolvendo desde a morte de pessoas, destruição de casas, quedas de barreiras e de pontes em muitas rodovias, além de sérios prejuízos para a agricultura. E acrescente-se o grande esforço mundial de precaução e de alerta para os impactos das anomalias climáticas possíveis de terem sido causadas pelo fenômeno El Niño de 1997/1998, e seus resultados, para as coisas começarem a fazer sentido.

Assim sendo: qualquer previsão meteorológica, diferentemente do que pode achar a maioria da população, não é apenas um produto qualquer, mas sim um processo. Numa previsão de tempo (weather forecast) ou numa previsão de clima (climate forecast), pelo menos três componentes podem ser claramente identificados. O primeiro deles diz respeito à previsão propriamente dita, e envolve a estrutura dos serviços meteorológicos operacionais, desde o sistema de observação da atmosfera até os métodos empregados para elaborar as previsões. O segundo é a etapa de comunicação das previsões. Que quase nunca escapa do modelo clássico, tipo: "quem diz o quê, para quem, como e com qual objetivo". O terceiro, e não por isso menos importante, está atrelado ao uso da previsão como ferramenta de suporte à tomada de decisões. E, sob a ótica dos benefícios sociais das previsões meteorológicas, esses três subprocessos devem ser sempre vistos como parte do processo maior de previsão, ocorrendo paralelamente e estando intimamente relacionados. Em resumo, para que os recursos investidos em ciência e tecnologia na área de previsões meteorológicas revertam de forma positiva para a sociedade, é necessário que haja equilíbrio e êxito nas três etapas do processo de previsão.

Não há um critério único para se definir o que venha a ser uma boa previsão meteorológica. Certamente, não podem ser esquecidos os aspectos relacionados com decisões políticas importantes voltadas à proteção de vidas e de propriedades, envolvendo os eventos extremos ligados ao tempo e ao clima. Por isso, na avaliação de qualquer previsão meteorológica, pelo menos dois aspectos devem ser considerados: o índice de acerto e o valor da previsão. O primeiro refere-se ao sucesso científico da previsão propriamente, e o segundo, aos benefícios econômicos associados a previsão, divulgação e decisões tomadas a partir da própria previsão.

Também não é apenas comparando as previsões meteorológicas divulgadas com os eventos de fato ocorridos que se avalia um processo de previsão como eficiente ou não. A estrutura para esse tipo de análise é mais sofisticada do que pode parecer à primeira vista, devendo ser entendida, pelo menos conceitualmente, antes de se fazer qualquer juízo de valor. Quase sempre, a comunidade científica ligada às ciências atmosféricas confere maior peso aos critérios técnicos que dão suporte ao índice de acerto da previsão. Os cientistas sociais costumam se preocupar mais com a comunicação e a decodificação das mensagens de previsão. E os políticos, ligados ao poder executivo principalmente, avaliam, e muito, os aspectos econômicos compreendidos nas previsões e as possíveis conseqüências das ações tomadas a partir das mesmas. De tudo isso resulta a tendência que se tem, muitas vezes, de ver o processo de previsão parcialmente, como uma série de partes independentes, mais do que um processo de decisões inter-relacionadas.

Apesar de todo o crescimento científico da capacidade preditiva em meteorologia, ainda há problemas com previsões não bem compreendidas, mal divulgadas ou mal usadas. Às vezes, envolvendo todos estes aspectos ao mesmo tempo. Uma previsão tecnicamente boa, mas mal comunicada e/ou mal usada, pode resultar de fato em custos, mais do que em benefícios, para a sociedade. Também pode haver o caso de uma previsão que não seja tecnicamente tão boa, mas sendo bem comunicada, e seus indicativos bem usados, pode ter resultados positivos para a sociedade. Em resumo: apresentar elevado índice de acerto não é condição suficiente para que uma previsão tenha valor. E o contrário também pode ser verdadeiro (mesmo não sendo uma boa previsão, pode ter valor). Em termos de situação de contingência, quatro casos podem ser encontrados: (1) previsão com elevado índice de acerto e com valor, (2) previsão com índice de acerto não tão elevado e com valor, (3) previsão com elevado índice de acerto e sem valor e (4) previsão com baixo índice de acerto e sem valor. É claro que a situação ideal é a (1). Todo o esforço de avanços no processo de previsão meteorológica busca sempre melhorar os índices de acerto e que seus resultados tenham valor para a sociedade. Ou seja, uma previsão tecnicamente correta e que possa afetar alguma decisão que leve a benefícios derivados.

Voltando à questão apresentada no começo deste documento, para fins de exemplo apenas, toma-se dois casos. O primeiro deles, na escala das previsões de tempo, diz respeito à população de Bom Jesus, cidade mais afetada pelos temporais que aconteceram, em julho de 2001, no RS. Trata-se do caso em que uma previsão tecnicamente muito boa, pois havia um alerta do serviço meteorológico para o Sul do Brasil, indicando que a passagem de uma frente fria associada a um centro de baixa pressão poderia causar ventos fortes no estado, não teve valor. Pois não foi possível, a partir desse alerta, tomar alguma decisão que minimizasse os danos materiais causados e evitasse as mortes ocorridas. Talvez sem o alerta a situação tivesse sido pior. Na área de previsões de clima, cabe destacar que, apesar de todas as incertezas inerentes, em se tratando de produtos experimentais, portanto sem apresentar índices de acertos no mesmo nível dos produtos operacionais, os benefícios decorrentes dos alertas do fenômeno El Niño de 1997/1998 e suas possíveis anomalias climáticas foram muitos. Todo o esforço despendido em grupos de decisão, tanto na esfera governamental quanto na da iniciativa privada e toda a cobertura dada ao assunto pelos veículos de comunicação permitiram a definição de um conjunto de estratégias que minimizaram os impactos negativos da variabilidade climática associada ao fenômeno, e até mesmo possibilitaram melhor aproveitamento das condições favoráveis, particularmente na agricultura do Sul do Brasil.

No tocante à aplicação de previsões climáticas na agricultura, é imprescindível ter em mente que essas previsões são necessariamente probabilísticas, embora isso nem sempre seja tão evidente assim para os usuários. E até mesmo os textos dos boletins de previsão, divulgados pelos institutos meteorológicos, não trazem isso bem claro. Mas a coisa piora, e muito, quando entram na jogada os veículos de comunicação de massa, que quase sempre expressam suas previsões de forma categórica e não em termos probabilísticos. Quando muito dão idéia das incertezas de forma qualitativa, valendo-se de palavras e não de números. Por isso, nas decisões que envolvem uso de previsões climáticas, vale a sugestão, antes de qualquer coisa, de que se deve dominar o conceito de probabilidade, para não sofrer frustrações de expectativas.

Evidentemente, cabe a quem produz as previsões climáticas o dever de comunicá-las da forma mais adequada possível, deixando explícitas na linguagem as incertezas e as probabilidades dos acontecimentos, para que quem toma alguma decisão com base nelas tenha noção do que efetivamente pode esperar em termos de anomalias climáticas na estação em consideração.

O processo de previsão meteorológica envolvendo geração, comunicação e aplicações tem valor muito maior para a tomada de decisões do que a mera escolha de se sair de casa levando ou não um guarda-chuva, como supõem algumas pessoas. É informação, e o resultado, portanto o seu valor, depende do uso que dela se faz. Em tom de brincadeira, mas que serve muito bem para ilustrar o tema, Kenneth Arrow, meteorologista laureado com o Prêmio Nobel, costuma contar a experiência como previsor meteorológico na Força Aérea Americana, na Segunda Guerra Mundial, descrita por Glantz (2000). A um grupo de previsores, foi solicitado que se fizesse a previsão de tempo com um mês de antecedência. A conclusão do grupo foi de que essa previsão não seria mais precisa do que jogar uns dados e ver em que daria. Levaram isso aos seus superiores e pediram para ser dispensados do trabalho. A resposta que receberam foi a mais inusitada possível: "O comandante-geral sabe muito bem que essas previsões não são boas. Todavia, ele necessita delas para o planejamento das operações".

Relacionado ao assunto, sugere-se como leitura complementar Glantz (2001).


1Pesquisador da Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS. Bolsista da CNPq - PQ. E-mail: cunha@cnpt.embrapa.br


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