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La Niña e o Ad Petendam Pluviam

Gilberto R. Cunha
Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS.

Quando o fenômeno La Niña começou, a partir de outubro de 1998, a dar o ar da sua graça, reduzindo as chuvas no sul do Brasil e os veículos de comunicação passaram a dar destaque aos prejuízos causados pela seca (perdas na agricultura, problemas no abastecimento urbano, prefeitos decretando estados de emergência e de calamidade pública, entre outras desgraças do gênero); muita gente pensou que, nessas ocasiões, a única saída é pedir chuvas aos céus. E pelo que parece, em 1999, a serem consideradas as notícias que tem sido divulgadas, tipo: "Prevista estiagem a partir de outubro", jornal Zero Hora, página 32, 10 de julho de 1999, entre outros; a ameaça de uma nova adversidade climática pode estar de volta ao Sul do Brasil.

Para os crentes na divindade, quando o assunto é pedir chuvas, nada melhor que invocar, do Missal Romano-Orações Diversas, ao Ad Petendam Pluviam. Ou seja, para pedir chuva, em bom latim, começar orando, na coleta: "Deus in quo vivimus, movemur et sumus: pluviam nobis tribue congruentem: ut, praesentibus subsidiis sufficienter adjuti, sempiterna fiducialis appetamus. Per Dominum nostrum Jesum Christum." Para os mortais comuns, entre os quais me incluo: "Oh Deus, em ti vivemos, nos movemos e estamos: concede-nos a chuva necessária, para que recebendo a ajuda precisa na necessidade, com maior confiança esperemos os bens eternos. Pelo Nosso Senhor Jesus Cristo".

E continuar, na secreta: "Oblatis quaesumus, Domine, placare muneribus: et opportunum nobis tribue pluviae sufficientis auxilium. Per Dominum nostrum Jesum Christum. Isto é: "Com as oferendas, aplacaste Senhor, te rogamos e enviai a desejada ajuda de suficiente chuva. Pelo Nosso Senhor Jesus Cristo".

E, finalmente, no pós-comunhão: "Da nobis, quasumus, Domine Pluviam salutarem: et aridam terrae faciem fluentis coelestibus dignantei infunde. Per Dominum nostrum Jesum Christum." Traduzindo: "Te rogamos Senhor nos envia uma saudável chuva e tem a bondade de irrigar a face da terra com torrentes celestiais. Pelo Nosso Senhor Jesus Cristo."

É evidente que todo homem precisa ter alguma crença. A nossa insignificância diante da grandiosidade do universo não pode ser explicada totalmente pela chamada racionalidade científica. E quando o assunto é clima, pedir ajuda a Deus não faz mal algum. Embora, apenas implorar pelo auxílio do Criador não basta. Mirem-se no exemplo dos habitantes do Nordeste do Brasil. As procissões, rezas, crendices, sacrifícios e oferendas aos santos e milagreiros, se funcionassem , já teriam transformado aquela Região do País num verdadeiro Oásis. Provavelmente, ajudam, e muito, parte da população a suportar a condição de extrema miséria em que vive. Além de rezas, faltam ações com perspectivas de longo prazo, mudanças estruturais e conjunturais. Exemplos de sucesso econômico e social podem ser encontrados em locais tão ou mais secos até que o Nordeste. É o caso da Califórnia, nos Estados Unidos, Israel e algumas regiões da Espanha, apenas para citar alguns.

É inegável o avanço alcançado nas ciências atmosféricas na área das chamadas previsões climáticas. Ou seja, na indicação do comportamento das variáveis climáticas de uma região, em relação aos valores considerados normais (médias de períodos de 30 anos de observações sistemáticas), em certas épocas do ano. Particularmente para aquelas regiões em que há indicadores de variabilidade climática conhecidos. Afortunadamente, este é o caso do Sul do Brasil, com base nas fases do fenômeno El Niño- Oscilação do Sul (ENSO): El Niño (fase quente) e La Niña (fase fria). Em geral, com El Niño trazendo excesso de chuva e La Niña, por sua vez, falta de chuva. Também são conhecidas as duas épocas em que há uma relação mais forte entre o regime de chuvas e as fases do fenômeno ENSO: primavera-começo do verão e outono-começo do inverno. Os recentes episódios do El Niño de 1997 e da La Niña de 1998 reforçam esta informação.

Os boletins especiais do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC-INPE), InfoClima, e do Climate Prediction Center (NCEP-NOAA), Enso Diagnostics Advisory, têm sistematicamente indicado que o evento La Niña de 1998 ainda se faz presente em 1999, embora com intensidade considerada de moderada a fraca. E deverá continuar atuando até o começo do ano 2000. Pelo menos é o que indicam os modelos oceânicos do NCEP e do Centro Europeu (ECMWF).

Com base no exposto, em termos de perspectivas climáticas para o Sul do Brasil, espera-se precipitações ligeiramente abaixo da média no trimestre julho-agosto-setembro. A continuar o evento La Niña, na estação de crescimento das culturas de verão na safra 1999-2000, não há indicação de sobra de água ou, no mínimo, não deverá ocorrer excessos de chuva tipo o verificado na safra de verão 1997-1998. Portanto, mais uma vez, questões climáticas voltaram a fazer parte das preocupações do dia-a-dia dos agricultores do Sul do Brasil. E nessa situação, o melhor que se tem a fazer é buscar informações e dimensionar, junto com o segmento de assistência técnica local, as melhores alternativas para se reduzir os riscos de natureza climática, que são inerentes à atividade agrícola.

De qualquer modo, La Niña não é um fenômeno para ser amando ou odiado, simplesmente. Faz parte da variabilidade natural do nosso clima e é bem provável que teremos de conviver com ele para o todo e sempre. Tampouco La Niña traz somente prejuízos à agricultura sul-brasileira. Esse é o caso dos cereais de inverno, cujo principal é o trigo, que nos chamados anos de La Niña e naqueles considerados neutros (nem El Niño e nem La Niña) tem seus aspectos quantitativos e qualitativos de rendimento favorecidos. E isso se deve à ocorrência de temperaturas relativamente mais baixas no período de inverno e principalmente à menor quantidade de chuva na época da primavera. É na primavera que se dá o período de enchimento dos grãos, maturação e colheita do trigo no Sul do Brasil. Nessa época, excessos de chuva são extremamente prejudiciais ao trigo por favorecerem doenças da espiga e afetarem negativamente as características de qualidade dos grãos. Por isso, a safra de inverno de 1999, em função da continuidade do evento La Niña, mesmo com intensidade moderada a fraca, se configura como favorável ao trigo, pelo menos sob o ponto de vista climático. Também é oportuno destacar que se está tratando com probabilidades. Ou seja, em termos de chances. Não é uma questão absoluta. De qualquer forma há que se ter em mente que o rendimento de uma cultura não é determinado exclusivamente pelo clima, embora seja inegável a sua grande influência. O resultado final da lavoura, em termos de rendimento de grãos, vai depender e muito do nível tecnológico utilizado. E o desempenho econômico da atividade vai estar relacionado também com as circunstâncias de mercado, no momento da comercialização da safra.

Com relação à safra de verão 1999-2000, vale aguardar por informações adicionais sobre a evolução do fenômeno La Niña no segundo semestre de 1999 e seus impactos associados no clima do Sul do Brasil. De qualquer modo já há um indicativo: de que não deverá sobrar água, novamente. Com base nisso, recomendações sobre estratégias de manejo de culturas voltadas a reduzir os riscos climáticos devem novamente ser consideradas pelos segmentos assistência técnica e produtor rural. De forma genérica: diversificar épocas de semeadura, plantar cultivares de ciclos diferentes, optar por culturas mais resistentes ao estresse hídrico, plantar quando há umidade no solo suficiente para garantir o estabelecimento da cultura, usar sistemas que conservam a umidade no solo (plantio direto na palha em relação ao convencional), fazer uma semeadura um pouco mais profunda, entre outras. Acima de tudo, definir o nível tecnológico a ser empregado a partir de riscos climáticos conhecidos e fazer uma lavoura tecnicamente assistida, tomando as decisões de manejo no momento oportuno.

Mais do que nunca a sabedoria popular, expressa no "Colocar todos os ovos na mesma cesta é uma estratégia arriscada", parece ser a tônica do momento. O quê para nós sempre foi visto como um velho ditado, valeu a Harry Markowitz, pela demonstração matemática do mesmo, o Prêmio Nobel, em 1952. Coisas de americanos, pensarão alguns. Só que a demonstração do porquê a diversificação do risco é o melhor negócio para um investidor ou gerente de empresa desencadeou o movimento intelectual que revolucionou Wall Street, as finanças corporativas e as decisões empresarias em todo o mundo. (Ao dr. Gerardo Arias, pelo auxílio nas lides com o latim do Ad Petendam Pluviam, os agradecimentos do signatário).


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