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Pecado Original

Gilberto R. Cunha
Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS. 

Tudo começou quando aquela serpente trouxe uma maçã e disse: "provem-na". Era início dos anos 70, ele se chamava Adão, ela Eva e viviam felizes no paraíso que, por um desses percalços do destino, ficava no sul do Brasil. Pelo jeito, gostaram tanto da fruta que passaram a plantar pomares e colocaram o país na relação dos produtores de maçã. Só pode ser assim que alguns acreditam ter iniciado o cultivo comercial dessa fruteira no Brasil. Pois, pela óptica dos adoradores do culto ao deus Mercado (há controvérsias se não é ao astrólogo do 0900), que só vêem falta de capacidade competitiva na agricultura brasileira, frente aos outros países, os argumentos não seriam diferentes do lugar-comum: "Produzir maçãs no Brasil? Impossível. Além do mais, a Argentina já produz e bem. Não dá para competir com as manzanas argentinas.", afirmariam convictos.

Na verdade, não foi nada disso. O cultivo comercial de macieira começou efetivamente no sul do Brasil, no início dos anos 70. A primeira festa nacional da maça foi realizada em Veranópolis, em maio de 1973. O impulso foi dado na forma de incentivos fiscais, no contexto de uma política, hoje meio fora de moda, de substituição de importações. Na época, começou sendo cultivada por pequenos e grandes produtores, além de empresas do setor agrícola e de outros setores da economia. Passaram-se os anos, quase 30, e a macieira se firmou comercialmente no país, com o predomínio, hoje, de médios e grandes produtores. Para chegar a esse ponto, o emprego de tecnologia foi determinante. Investimento nos pomares, câmaras frias e packing house para beneficiamento e comercialização, associados à supervisão do trabalho por pessoal técnico especializado e mão-de-obra treinada viabilizaram a cultura no Brasil. Estimativas dão conta que a produção brasileira deverá ser da ordem de 900 mil toneladas, no ano 2000. Desta produção, 573 mil toneladas deverão ser destinadas ao consumo in natura, 295 mil toneladas para a indústria e 32 mil toneladas terão o destino da exportação (Fonte: João Bernardi. In: Anais da V Reunião Técnica de Fruticultura, Veranópolis, maio de 1998). Pelos números, uma cultura, sem dúvida, consolidada. Embora também haja importação de maçãs pelo Brasil, a parcela maior do consumo é de fruta nacional.

Usei o exemplo do cultivo de maças somente para fazer um contraponto com as discussões e a multiplicidade de opiniões relacionadas com a cultura de trigo no Brasil. Muitas delas desfavoráveis, nos colocando quase sempre em posição de inferioridade competitiva com outros países. O argumento simples, que a macieira não tem problemas, não vale. Na área agronômica são bem conhecidos os males causados por doenças (sarna e podridão amarga dos frutos, principalmente), por pragas (mosca das frutas), riscos climáticos (granizo), etc.. E há também os consumidores, exigindo qualidade de fruto. A competitividade da maçã brasileira deu-se, certamente, via o emprego de tecnologia. Voltando ao trigo, a ninguém cabe duvidar que o Brasil dispõe de clima e solo adequados, além de tecnologia própria e produtores experientes (ainda) para produzir muito mais trigo do que indicam as nossas estatísticas. O mais comum é se dar destaque às nossas limitações para a produção de trigo, frente aos pontos positivos de outros países produtores. Comparações assim são viciadas. Não teríamos capacidade competitiva para nada, quando feitas nesses moldes. A conclusão seria inequívoca, para o nosso destino: "tomar água de coco na beira da praia, aproveitando as delícias de se viver em um país tropical." Evidentemente, pela óptica preconceituosa do determinismo geográfico, vigente no século passado.

Quando o assunto é a produção de trigo no Brasil, pelo que parece, o nosso pecado original foi o intervencionismo burocrático do passado, hoje contraposto a uma das peças básicas do programa econômico governamental: a abertura comercial. Comparativamente aos anos dourados, ficará sempre a sensação de que não dá para produzir. Apelar para argumentos baseados em concorrência desleal, destruição de empregos, direcionamento de investimentos para setores estratégicos, como a produção de alimentos, e outros do gênero não tem conseguido mudar a história da triticultura brasileira, nos anos 90. Essa lógica, baseada em barreiras alfandegárias, linhas especiais de crédito/preços subsidiado e outras medidas do gênero, parecem indefensáveis pelo prisma das teorias que dão sustentação à internacionalização da economia. E, pelo que parece, sensibiliza muito os discursos políticos e pouco as ações concretas. Particularmente, aquelas que dependem de relações controladas pelos mercados.

A regra econômica vigente nesse final dos anos 90 é a busca da eficiência produtiva num ambiente de competição acirrada. E na agricultura não é diferente. Os recursos orçamentários para garantir o segmento produtor tornaram-se escassos. O jeito é abrir espaço no mercado. E, para isso, devem ser envolvidos todos os componentes da cadeia do complexo agroindustrial do trigo no Brasil. Pois, com a abertura econômica, diante da liberdade de importação por parte da iniciativa privada, a tentativa de administrar os preços de uma commodity, em que o país não é formador de preço, não tem sido efetiva.

Produzir trigo no Brasil é possível sim. Do contrário esta cultura não estaria por aqui desde os primórdios do descobrimento. E lá se vão quase quinhentos anos de trigo no Brasil. Buscar a competitividade longe do protecionismo estatal é o grande desafio desse fim de século. A solução existe, passa pelo uso da tecnologia gerada pelas instituições de pesquisa, cujo nível de utilização deve ser o adequado para atingir as expectativas de ganho do produtor na safra de inverno, frente as suas outras oportunidades. Não plantar no inverno ou dar-se ao luxo de fazer gastos com culturas apenas para cobertura do solo é um privilégio para poucos. O período da safra de inverno, cada vez mais, tem que ser visto como capaz de agregar renda à propriedade.

O que não dá para aceitar, e é muito pior que o nosso pecado original, é que, em defesa da opção de abertura ao exterior, estabelecida pela política macro-econômica governamental, sejam usados argumentos que nos colocam sempre em posição de inferioridade relativa quanto à capacidade de produzir trigo. O componente subjetivo dessas colocações, embora não exclusivo, tem, com certeza, a sua influência sobre a decisão dos agricultores na hora de plantar. Destacando-se ainda, que o "El Dourado" das comparações, a Argentina, é sempre colocada como o país das maravilha para se produzir trigo. Não é bem assim. A Argentina é um país com tradição na triticultura, sem qualquer dúvida. No entanto, tanto lá como aqui, nas lavouras que não se usa tecnologia, os rendimentos são baixíssimos. O primeiro passo, para nós, é acreditar na nossa capacidade, pois se o Brasil não tem vocação agrícola (terras, clima que proporciona duas safras por ano, gente com capacidade e vontade para trabalhar, tecnologia própria, etc.), como pode aparentar algumas opiniões sobre o tema, não será na corrida espacial que vamos nos destacar.


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