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O olhar oblíquo de La Niña

Gilberto R. Cunha
Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS. 

Nunca houve uma mulher com um olhar tão misterioso como Capitu. Isso mesmo, aquela personagem do romance Dom Casmurro, escrito por Machado de Assis, publicado em dezembro de 1899, cujo olhar oblíquo, cheio de incertezas e de ambigüidade, sugeria quase tudo e revelava muito pouco. E que, além de ter feito Bentinho desistir de tornar-se padre, levou-o, torturado pelo ciúme e pela dúvida da infidelidade, a ficar cada vez mais amargo, solitário e casmurro.

Eis que, quase cem anos depois, surge La Niña. Tão intrigante, misteriosa e ameaçadora, com seus impactos econômicos e sociais, quanto Capitu. Todavia, não se trata de uma personagem de um romance. É um fenômeno natural que tem sido objeto de artigos em publicações científicas, tema de reportagens em revistas de divulgação, matérias em jornais, em rádio, em televisão e, até mesmo, servido de assunto para conversa de mesa de bar.

Tanto na literatura científica quanto nos veículos de comunicação de massa, o fenômeno La Niña é referido por muitos nomes diferentes. O mais popular é, sem dúvida, La Niña. Porém, quem se dedicar a leituras um pouco além das páginas dos jornais brasileiros vai se deparar com nomes distintos para o mesmo fenômeno. Por exemplo: inverso do El Niño, oposto do El Niño, outro lado do El Niño, versão fria do El Niño, anti-El Niño, não El Niño, contrapartida fria do El Niño, irmã do El Niño, o gêmeo menos conhecido do El Niño, outro extremo do ciclo ENSO, A Menina, El Viejo, fase fria, episódio frio, estação com a superfície do mar fria, resfriamento anômalo, corrente anormal de águas frias e anormalidade fria.

Um fato notório nos vários nomes de La Niña é que este fenômeno parece não possuir personalidade própria. É sempre relacionado de forma oposta ao El Niño. Quase todos sugerem como referência para La Niña o fenômeno El Niño e não a temperatura normal da superfície das águas do Oceano Pacífico equatorial, como é feito quando o episódio em pauta é El Niño. Também fica evidente, quando o assunto é La Niña, a onipresença de El Niño no contexto. Seja para explicar o fenômeno El Niño-Oscilação do Sul e suas duas fases, uma quente (El Niño) e outra fria (La Niña), ou apenas para destacar impactos climáticos opostos. O inverso não é verdadeiro. El Niño justifica-se sozinho, sem a necessidade de contraponto com La Niña.

Na verdade, La Niña é um resfriamento extremo das águas superficiais do Oceano Pacífico equatorial, por um período longo de tempo, na sua porção central e leste (costa oeste da América do Sul). Mas não é um resfriamento qualquer e em se tratando de uma região de águas oceânicas geladas, chegou a ser visto por alguns como um extremo do caso normal. E via a ligação da superfície do Oceano Pacífico com a atmosfera, acaba causando mudanças no padrão de circulação geral da atmosfera e exercendo uma influência à distância (teleconexão atmosférica) em várias partes do mundo. E se não quantitativamente, pelo menos qualitativamente, causa impactos climáticos opostos aos relacionados com El Niño. Vindo deste fato, provavelmente, a sua associação freqüente com El Niño.

Nunca se falou e se escreveu tanto sobre La Niña como nos dois últimos anos. Nos veículos de comunicação tem predominado o enfoque de contraposição com El Niño. E associado a isto, as notícias têm passado, para o público geral, uma visão de simetria linear do mundo. O seja, El Niño e La Niña vistos como imagens de espelho. E, na realidade, não existe essa simetria perpetrada pelo senso comum em termos de impactos climáticos e muito menos em se tratando de impactos econômicos e sociais associados. De qualquer forma, os veículos de comunicação cumprem um papel importante em educar a população sobre o fenômeno La Niña. Evidentemente tratam de assuntos que são notícias e não necessariamente coisas boas. Além de que, a informação tem que ser dada de forma que possa ser captada por alguém com escolaridade de nível primário, por exemplo. E, neste caso, a visão de linearidade oposta, tipo imagem de espelho, isto é, iguais porém invertidas, é mais simples e fácil de ser entendida.

Outro ponto importante é o fato de que o conhecimento sobre o fenômeno El Niño-Oscilação do Sul, portanto envolvendo El Niño e La Niña, evoluiu verdadeiramente dos anos 80 para cá. E neste período ocorreram muito mais El Niños do que La Niñas, praticamente o dobro. Por isso, El Niño e seus impactos no clima global são muito mais conhecidos do que La Niña e seus impactos associados. Há também que se considerar, tanto para El Niño como para La Niña, que os eventos não se repetem sempre iguais, como a generalização da informação e a idéia de linearidade subjacente podem deixar transparecer. Em algumas situações de eventos fracos, por exemplo, as condições locais e regionais podem ser determinantes mais fortes do comportamento das variáveis meteorológicas. Assim, tem que ficar claro que previsão do fenômeno e projeção de impactos, econômicos e sociais, são duas coisas independentes e muito diferentes.

El Niño e La Niña são, hoje, nomes familiares para a maioria da população, no mundo todo. Isso graças ao papel desempenhado pelos veículos de comunicação na divulgação dos eventos. São fontes naturais de variabilidade no sistema climático global. E, quanto mais for conhecido sobre o fenômeno El Niño-Oscilação do Sul, a sociedade pode ser melhor preparada para enfrentar os impactos adversos e aproveitar os efeitos benéficos, que também existem, nos casos extremos. Ou seja, transformar o progresso do conhecimento científico efetivamente em benefício da sociedade que lhe financia. A confiabilidade e a credibilidade das chamadas previsões climáticas aumentou muito, diante da consistência dos modelos que prognosticaram o início do El Niño de 1997-1998 (um dos mais fortes deste século) e o seu fim seguido pelo desenvolvimento de um evento La Niña, a partir da segunda metade de 1998.

Os usuários de previsões climáticas ainda necessitam ser conscientizados sobre o valor da inclusão da informação no seu processo de decisão. Apesar de todas as incertezas ainda existentes, isto já é algo factível para algumas regiões do mundo. E entre essas está o Sul do Brasil.

La Niña, o "fantasma meteorológico" que apavora os agricultores gaúchos no momento, e seus pontos de incerteza têm uma complexidade científica que pode ser comparada a complexidade psicológica de Capitu, personagem símbolo da fase realista de Machado de Assis. Todavia, frente a Capitu, La Niña é apenas uma enigmática adolescente ao redor de 15 anos. O termo foi cunhado e popularizado por George Philander, em meados dos anos 80, para indicar a condição oposta de El Niño na temperatura da superfície das águas do Oceano Pacífico equatorial. Mostrando, com isso, que ainda há muito para se conhecer sobre a chamada fase fria do fenômeno El Niño-Oscilação do Sul.


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