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A Menina Veneno e a Soja

Gilberto R. Cunha
Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS. 

Não são os passos na escada e sim os murmúrios do mar que, provavelmente, avisam que ela vai chegar. Tampouco há um abat-jour cor de carne, um lençol azul ou cortinas de seda. No máximo, as águas geladas do Oceano Pacífico. Já deu para perceber que não se trata da protagonista principal da música "Menina Veneno", sucesso dos anos 80, que levou o cantor anglo-brasileiro Ritchie a ocupar os primeiros lugares nas listas dos melhores de venda com o disco Vôo de Coração. E sim de La Niña ou, como queiram, em português, A Menina, fenômeno responsável pela redução nas quantidades de chuva no Sul do Brasil.

Qualquer semelhança entre La Niña, "A Menina Veneno da Meteorologia", e a personagem da música do Ritchie talvez não seja apenas mais uma mera coincidência. La Niña, tal qual a garota da música, é, ao mesmo tempo, fonte de prazer e de preocupação. Que o digam os triticultores do Sul do Brasil. Em 1999, por obra e graça de La Niña, as condições de tempo seco e as temperaturas mais baixas no período de inverno e de primavera foram determinantes para a obtenção de altos rendimentos e grãos de boa qualidade. Alguns produtores, informalmente e sem a publicidade que dão às frustrações, consideraram 1999 a safra da década. Afortunadamente se plantou pouco trigo neste ano, estima-se em 391 mil hectares a área cultivada no RS. Desempenho similar foi observado em cevada e em triticale. Passada a euforia com o trigo e com os outros cereais de inverno, La Niña, nesse momento, preocupa os que plantam soja no Sul do País.

Entre as causas conhecidas de variabilidade na quantidade de chuvas na Região Sul do Brasil está o fenômeno El Niño-Oscilação do Sul (ENOS) e suas duas fases: El Niño (fase quente) e La Niña (fase fria). O ENOS se caracteriza por anomalias no padrão de temperatura da superfície do Oceano Pacífico tropical que ocorrem simultaneamente com anomalias no padrão de pressão atmosférica em Darwin (Norte da Austrália) e no Taiti . A chamada fase quente ou El Niño é caracterizada pela elevação acima do normal da temperatura da superfície das águas da região leste do Pacífico tropical junto com a ocorrência de pressões atmosféricas abaixo do normal no Taiti e acima do normal em Darwin. Na fase fria ou La Niña o comportamento dessas variáveis (temperatura da superfície do oceano e pressão atmosférica) é o inverso. O ENOS afeta a circulação geral da atmosfera e com isso determina anomalias meteorológicas, principalmente no regime de chuvas, em várias regiões do Globo.

No Sul do Brasil, a fase quente do ENOS (El Niño), contribui, na maioria das vezes, para a ocorrência de precipitação pluvial acima da média climatológica e a fase fria (La Niña) é responsável por precipitação pluvial abaixo da mesma. El Niño e La Niña afetam as chuvas durante quase todo o tempo que o fenômeno ENOS está ocorrendo. Porém, há dois períodos bem destacados, mais ou menos coincidentes para as duas fases, que essa influência é mais clara. São eles: primavera no ano de início do evento (outubro e novembro principalmente) e fim do outono no ano seguinte ( fim de abril, maio e junho).

A relação existente entre chuva e rendimento de soja nas condições climáticas do Rio Grande do Sul é bastante conhecida. Estudos experimentais comprovaram que rendimentos acima da média são obtidos quando a precipitação pluvial supera a evapotranspiração máxima da cultura (consumo de água sem limitação hídrica no solo), principalmente no período após a floração. O mapeamento de perda de rendimento potencial em soja por deficiência hídrica no RS, elaborado pela Embrapa Trigo, mostrou que, na maioria dos anos, sempre há algum nível de perda de potencial de rendimento por falta de chuva. A magnitude da perda é variável conforme a região. De modo geral, é maior na metade Sul e na parte Oeste do Estado.

Os professores Moacir Berlato e Denise Fontana, da Faculdade de Agronomia da UFRGS, relacionaram a variabilidade interanual da precipitação pluvial com a variabilidade interanual do rendimento médio de grãos de soja do RS à luz do fenômeno El Niño-Oscilação do Sul. Encontraram que as precipitações dos trimestres Dezembro-Janeiro-Fevereiro (DJF) e Janeiro-Fevereiro-Março (JFM) são as que estão mais correlacionadas com o rendimento. Conforme o calendário agrícola médio da soja no Estado, nessa época do ano ocorrem os chamados períodos críticos da cultura em relação à falta de água. A maior correlação obtida foi para o trimestre JFM, período que concentra a floração e o enchimento de grãos, sabidamente dois períodos críticos da cultura em relação à água.

Quando fizeram a associação com a precipitação pluvial de dezembro a março (quatro meses), o coeficiente de correlação aumentou ainda mais, mostrando que a precipitação integrada nesse período é a responsável pela maior parte da variabilidade interanual dos rendimentos de soja no RS. Anos com baixos rendimentos coincidem com estiagens ocorridas do fim da primavera até o fim do verão (dezembro a março), como ocorreu nas safras de 1977/78, 1978/79, 1981/82, 1985/86, 1987/88 e 90/91. Ou seja, para cada dez safra de soja, praticamente três são prejudicadas por estiagem. Na grande estiagem de 1990/91 o rendimento médio da soja ficou em torno de 700 kg/ka, um dos mais baixos da história da cultura no Estado. A quebra foi de quase 3 milhões de toneladas de grãos. Mais da metade da produção inicialmente prevista. Por outro lado, os maiores rendimentos médios coincidiram com precipitação pluvial bem acima da média climatológica, como exemplo citam-se as safras de 1988/89, 1989/90, 1991/92, 1992/93, 1993/94 e 1994/95. Coincidentemente, nesse período, houve uma tendência de aumento da precipitação de dezembro a março. E a precipitação de dezembro a março explica quase 80 % da variação interanual dos rendimentos da soja no RS.

Desde 1975 ocorreram oito eventos El Niños. Em todos eles o rendimento médio estadual de soja foi superior a média do período. No último evento El Niño (1997/98) o rendimento médio foi de 2091 kg/ha, o melhor rendimento da história dessa cultura no RS. A resposta ao El Niño deve-se ao fato que a precipitação normal de verão é insuficiente para atender a demanda de água da soja (ao redor de 830 mm, nas condições do RS), limitando os seus rendimentos. Em anos de El Niño a possibilidade de grandes estiagens fica afastada e por isso, em geral, ocorrem os melhores rendimentos.

Os eventos La Niña, responsáveis por estiagens na Região Sul do Brasil, são, em princípio, prejudiciais à agricultura de verão. Ocorreram poucos eventos La Niña, de 1975 para cá: 1975/76, 1988/89, 1998/99 e 1999/2000. O de 1975/76 foi fraco e o de 1988/89 foi forte, mas causou estiagem de maio a agosto, com boas precipitações de dezembro a março. O de 1998/99 prejudicou a soja, principalmente pela estiagem que ocorreu a partir do fim de fevereiro e se manteve durante março de 1999, atingindo a cultura na sua fase crítica de enchimento de grãos. E a 1999/2000? Ainda é uma incógnita. Até o momento causou alguns transtornos para a semeadura de soja no mês de novembro, determinando a necessidade de replantio em algumas lavouras e, em outras, impedindo que a mesma fosse realizada, por falta de umidade no solo.

As grandes estiagens que ocorreram no RS, de novembro a março, não estiveram associadas com eventos La Niña. Outros mecanismos atmosféricos, além de La Niña, produziram essas estiagens e foram responsáveis por grandes quebras de safra de soja no Estado. Exemplo típico, safra de 1990/91. De qualquer forma, vale o alerta: "É ano de La Niña. O atual evento, mesmo considerado fraco por uns e moderado por outros, deverá permanecer atuando até abril de 2000. E em anos de La Niña não se espera que ocorram chuvas abundantes, como se verifica em anos de El Niño. Destaca-se ainda que, se os anos de La Niña não foram os piores em termos e rendimento de soja no RS, com certeza, também não foram os melhores. Por isso, sejamos comedidos em termos de expectativa de rendimento para a safra 1999-2000".


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