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O dia que Laurindo errou o mate

Gilberto R. Cunha
Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS. 


Laurindo Flores, nos seus quase 70 janeiros, é um daqueles gaúchos cuja estampa, realçada pela melena de gavião mouro e pela pele curtida de sol e minuanos, não deixa qualquer dúvida quanto ao domínio das lides campeiras. Filho de peão de estância, seguiria o destino do pai. Desde piazito, vivendo em galpões, sabia preparar um mate como poucos. Conhecia o ponto certo da água pelo chiado da cambona. Nunca em sua vida, fazendo isso diariamente, errara no preparo do chimarrão. Mate frio, mate quente demais, mate entupido e tantos outros erros de gaúchos amadores eram palavras que não faziam parte do seu vocabulário. Epa, nunca não! Houve uma vez.

Tal e qual tudo na vida, sempre há uma primeira vez. Embora constrangido, ele lembra perfeitamente da ocasião em que, acompanhando o patrão, foi buscar um lote de terneiros lá para as bandas de São José dos Ausentes. Chegaram já noite alta e recostaram os pelegos no galpão. Antes do cantar do galo, Laurindo se levantou. Na fria madrugada da serra, tratou logo de fazer um bom fogo de chão. Abriu a caixa de mantimentos, pegou uma paleta de ovelha aberta no capricho e enfiou no espeto de laranjeira-do-mato. Na seqüência, enquanto tirava baforadas de um crioulo enrolado sem nenhuma pressa, começou o ritual do chimarrão. Ajeitou a erva na cuia com todo o cuidado, deixando um topete de fazer inveja a mate de barão. Colocou água na velha cambona preta de estimação, impregnada de picumã, e pôs no fogo. Mais algumas pitadas no palheiro e ouviu o familiar chiado da cambona que indicava a temperatura certa da água. Encheu a cuia e ao sorver o primeiro gole exclamou: "cosa de loco, tchê! O mate está frio". O velho Laurindo, pela primeira vez na vida, tinha se enganado com a temperatura da água do chimarrão.

Esta história é fictícia, evidentemente. Não convence ninguém. O estilo também não é dos melhores, eu sei. Misturei todo o vocabulário gauchesco que conhecia nos dois parágrafos anteriores e deu no que deu. No entanto, apesar dos pesares, o fato é muito real e pode acontecer com qualquer um não iniciado em física da atmosfera. Vejamos: Laurindo vivia em uma fazenda em Osório, cujos campos encontram-se praticamente ao nível do mar. E lá, por experiência, sabia que a temperatura certa da água era, nem mais nem menos, no primeiro chiado da cambona, quando mal e mal começara a ferver. Por sua vez, São José dos Ausentes, nos Campos de Cima da Serra, está arriba dos mil metros de altitude. E exatamente na diferença de altitude entre os dois locais reside o mistério não decifrado por Laurindo. Ou melhor, na relação entre a altitude e a pressão atmosférica e dessa última com o ponto de ebulição da água (temperatura que a água ferve).

Para entender o que se passou com Laurindo é necessário examinar a relação existente entre pressão de vapor e ebulição (fervura) da água. Tão pronto a água ferve, "bolhas" de vapor d’água se elevam para a superfície do líquido e escapam para o ar. No entanto, para que isso ocorra, a pressão de saturação de vapor d’água exercida pelas "bolhas" deve ser igual à pressão exercida pela atmosfera sobre a superfície da água. Caso contrário as "bolhas" entrariam em colapso. Desta forma, ebulição (fervura) ocorre quando a pressão de vapor das "bolhas" que escapam é, no mínimo, equivalente à pressão atmosférica total.

Também é importante destacar que a pressão de saturação do vapor d’água é diretamente proporcional à temperatura do líquido. Ou seja, quanto maior a temperatura da água maior será a pressão de vapor. Pelo exposto, fica evidente que qualquer mudança na pressão atmosférica implicará em mudança na temperatura em que a água entra em ebulição (ferve), pois também muda a pressão de saturação de vapor d’água. Um aumento na pressão atmosférica eleva o ponto de ebulição da água. Por outro lado, redução na pressão atmosférica diminui essa temperatura. Eis ai a influência da altitude na pressão atmosférica e dessa última na temperatura de fervura da água.

Aprende-se na escola primária, e muitas vezes se esquece, que a água pura ferve a uma temperatura de 100 graus Celsius; evidentemente ao nível do mar. Quanto mais alto nos encontramos em relação ao nível do mar, menor será a pressão atmosférica e por conseqüência mais baixa a temperatura que a água ferverá. Também é conhecido, uma vez entrando em ebulição, a temperatura da água permanece constante. Isso acontece porque a energia suprida é usada na mudança do estado físico da água (calor latente) e não para variar a temperatura (calor sensível). Levando isso em conta, seja consciente e não considere loucas aquelas mães que vivem aos berros, quando avistam uma chaleira fervendo sobre o fogão: "BAIXA O FOGO."

Não é piada, mas o tempo de cozimento dos alimentos em cidades localizadas em grandes altitudes, tipo Cidade do México, Quito, etc., é muito maior que em outras situadas próximas ao nível do mar. E não tem nada a ver com as habilidades culinárias de cada um. A explicação é simples: em locais altos a água ferve com uma temperatura mais baixa e uma vez fervendo essa temperatura não varia, logo os alimentos precisam de um maior tempo para atingirem o mesmo ponto de cozimento.

Por tudo isso, índio velho, na sua próxima subida da serra, ao preparar um mate, fique atento. Seja usando uma cambona preta num fogo de chão ou um ebulidor elétrico (popular rabo-quente) diretamente na garrafa térmica, espere algum tempo a mais, a partir do ponto que está acostumado. Caso contrário, vai acabar tomando chimarrão frio. E o que é pior: pode achar que está ficando maluco ou que aquele vinho do jantar, definitivamente não lhe caiu bem.


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