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Pão e vinho no banquete da galinha dos ovos de ouro

Gilberto R. Cunha
Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS.

Consta que aos gananciosos, que mataram a galinha dos ovos de ouro, não restou outra alternativa a não ser devorá-la, em um memorável banquete, cujo acompanhamento foi pão e vinho.

Essa livre adaptação da fábula infantil da galinha dos ovos de ouro bem que se aplica à triticultura e à viticultura gaúchas. Ambas sempre viveram o conflito entre os segmentos produtor e industrial no quesito preço x qualidade da matéria-prima. No caso do trigo, especialmente após a saída da interferência estatal do complexo agroindustrial do trigo, em 1990. E também nunca, na história recente do Brasil, houve tanta entrada de produtos industrializados no país, competindo com o segmento industrial e não mais somente com o produtor. Especificamente, vinhos e farinha de trigo. De qualquer forma, com alguns integrantes do segmento industrial. Pois, outros fazem parte de grupos econômicos com atuação em diversos países.

Aos fatos: nunca se bebeu tanto vinho importado no Brasil como agora. Desde a abertura das importações, em 1991, o consumo de vinhos importados no país subiu de 8,2 milhões para 24,0 milhões de litros por ano, em 1997 (Fonte: C.I.E.F.-MF, elaboração Loiva Maria Ribeiro de Melo, Embrapa Uva e Vinho). Também nunca se comeu tanto pão feito com farinha importada. Conforme dados disponibilizados pela Conab (http://www.conab.gov.br), a importação de farinha de trigo pelo Brasil, com equivalência em grãos, cresceu de cinco mil toneladas, na safra 1991/92, para 537 mil toneladas, na safra 1997/98. No mesmo período, as importações brasileiras de trigo (grão mais farinha) variaram de 5,2 milhões de toneladas (safra 1991/92) a 6,5 milhões de toneladas (safra 1994/95). Para a safra 1998/99, a estimativa de importação é da ordem de 6,2 milhões de toneladas. Fazendo com que o Brasil dispute, de forma acirrada, com o Egito e com o Japão, a posição de maior importador mundial de trigo.

Pão e vinho no Rio Grande do Sul possuem algo em comum. Muito mais, talvez, do que nossa vã filosofia possa perceber. Ambos impulsionaram o desenvolvimento da agricultura gaúcha. Foi com o trigo, a partir do final do anos 50, que começaram a surgir as organizações cooperativas que mudaram a história da nossa agricultura, via a incorporação de tecnologia e ações empreendedoras que trouxeram progresso para o meio rural. Foi a fase das cooperativas tritícolas. Algumas delas, hoje, trazem o tritícola só no nome ou com o trigo ocupando uma posição secundária. Principalmente, a partir de 1973, quando houve o impulso desenvolvimentista da cultura de soja, no RS. Também existiu a fase das cooperativas vinícolas nacionais, trazendo progresso à serra gaúcha. A partir do anos 80, com excedente de produção, entrada de vinhos importados, queda de preços e falta de estímulos ao produtor, sobreveio a crise no segmento vinícola e o endividamento dessas cooperativas. E, tal qual a redução de área plantada com trigo, se verificou a erradicação de parreirais e o plantio de outras fruteiras, havendo a diversificação de atividades do produtor da serra gaúcha para cultivo de hortigranjeiros, criação de gado leiteiro ou de frangos.

A retomada do crescimento da vitivinicultura gaúcha se deu a partir da opção pelo uso de tecnologia e pela agregação de valor ao vinho. A competição pelo mercado interno com produtos importados, embora nem todos de boa qualidade, exigiu isso. E o uso de tecnologia abrangeu desde o processo de produção da matéria-prima (uva) até os processos industriais. O crescimento das empresas tipo cantinas familiares, explorando vinho e turismo, atesta o fato. O charme da serra gaúcha (Vale dos Vinhedos) favorece o enoturismo. A dupla vinho e turismo faz sucesso em várias partes do mundo. Porém só é possível quando há produto com qualidade.

No caso do trigo, também há necessidade de reação no setor. A realidade da lavoura, redução de área plantada ( o estado já plantou mais de dois milhões de hectares, na safra de 1998 caiu para cerca de 400 mil hectares) e diminuição do nível tecnológico, demonstra esse fato. E essa reação deve começar também pelo uso de tecnologia. A conjuntura de mercado, com baixos preços sendo praticados no mercado internacional (conforme informações da Conab, 29/09/98, preço no mercado físico em Kansas City US$ 110,00. Demais preços FOB: Argentina entre US$ 105,00 e US$ 110,00, Canadá US$ 120,00, França US$ 90,00 e Alemanha US$ 95,00; por tonelada) sinalizam a necessidade de reduzir custos de produção para ter competitividade, apesar da subvenção governamental via o instrumento Prêmio para Escoamento de Produto (PEP). Reduzir custos não implica necessariamente em não usar tecnologia ou usar meia tecnologia, como muitos vem praticando, passa também por mudanças gerenciais no processo de produção.

O desafio em conferir competitividade à triticultura gaúcha é grande. Reduzir custos tem sido a estratégia apontada, porém tem que ser via tecnologia, algumas ainda em processo de geração pelo segmento da pesquisa e muitas já existentes que, no entanto, para maximizarem o seu potencial de resposta, precisam serem adequadamente usadas.

A fragilidade das economias dependentes, inseridas no contexto de globalização, ficou evidente na crise atual. O mesmo vale para os complexos agroindustriais que apresentam fragilidades diferenciadas nos diversos segmentos. No caso do trigo, o segmento da produção tem se mostrado um elo frágil na cadeia de produção. A priorização da política do abastecimento, via importações, em relação à produção interna, tem levado a essa contingência. O resultado: enfraquecimento do segmento produtor com reflexos na economia do país, que cada vez mais gasta divisas importantes para atender a demanda interna de trigo, aumentando o déficit da balança comercial brasileira, estimado na ordem de US$ 5 bilhões, para esse ano.

Os gastos brasileiros com importações de trigo tem contribuído para aumentar o déficit da balança comercial. Em 1996, foram gastos ao redor de US$ 1,3 bilhão ( dados do Banco Central do Brasil, preço FOB, i.é., posto no navio no porto de origem). Essa quantidade de dinheiro, com certeza, faz falta em momentos de dificuldade como o que o país atravessa, sem contar o efeito multiplicador que faria na economia interna.

Realmente, a triticultura brasileira, e em particular a gaúcha, passa por um momento de dificuldade. Existe tecnologia própria, clima e solos adequados, demanda interna, além de produtores experiente para produzir todo o trigo que o país necessita e até mesmo sobrar. Ou, pelo menos, para produzir, no curto prazo, uma maior fração do nosso consumo de trigo. Para isso, há necessidade de um plano que priorize o aumento gradual e estável da produção interna, onde haja o comprometimento de todos os segmento atuantes na cadeia de produção de trigo no país. Sendo igualmente importantes políticas públicas de longo prazo e ações privadas.

Enquanto a serra gaúcha parece estar reencontrando a sua vocação com o enoturismo, a triticultura ainda aguarda por tempos melhores. Dizem alguns que solução depende das leis de mercado. Espera-se que não sejam as do astrólogo que atende por esse nome, do contrário só resta desejar: bom apetite!


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