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O espírito de Orson Welles

Gilberto R. Cunha
Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS. 

Depois que o ET de Varjinha substituiu os marcianos no imaginário popular, tenho motivos para acreditar que o espírito de Orson G. Welles (ele morreu em 10 de outubro de 1985, aos 70 anos) tem se utilizado da meteorologia para aprontar algumas das suas peças características nos incautos terráqueos. E o que é pior: anda baixando aqui no sul do Brasil.

Muitos consideram Cidadão Kane, produzido em 1941, a obra máxima de Orson Welles. A crítica especializada costuma colocar esse filme como um dos melhores clássicos da história do cinema universal. Eu, provavelmente por não entender nada de cinema, fico com o episódio radiofônico de "A Guerra dos Mundos", levado ao ar no programa "Mercury Theatre on the Air", pela CBS (Columbia Broadcasting System), em 31 de outubro de 1938, nos Estados Unidos. De fato, foi um acontecimento de grande repercussão, com conseqüências imprevisíveis, marcando a força do rádio como veículo de comunicação de massa, em definitivo.

Para os que não conhecem os detalhes de "A Guerra dos Mundos", vale a pena transcrever, de forma resumida, a descrição feita por Reynaldo C. Tavares no livro "Histórias que o rádio não contou" (Negócio Editora, 1997. 312 p.). Ei-la, mas pense na voz grave e marcante de Orson Welles:

  • Atenção, senhoras e senhores ouvintes… Os marcianos estão invadindo a Terra…
  • Atenção, senhoras e senhores ouvintes… Os marcianos estão invadindo os Estados Unidos da América… Atenção, senhoras e senhores ouvintes

Prossegue Reynaldo Tavares:

A encenação revestiu-se de tal realismo que, quando os marcianos "invadiram a Terra", se desencadeou um verdadeiro pânico coletivo naquele país (Estados Unidos), provocando fugas, desmaios, juras de amor, arrependimentos de última hora, enfartos, suicídios e toda sorte de desconcertos que uma catástrofe dessa ordem provocaria… Os Estados Unidos da América, de costa a costa, viveram momentos de grande tragédia e no comando do terrível evento radiofônico, uma voz clara, grave e muito convincente continuava modulando, pelos microfones da CBS, em um domingo à noite.

Ainda com o texto de Reynaldo Tavares:

Aquela voz era de Orson Welles… A imaginação dos ouvintes fez o resto. A extensão da tragédia foi tão grande, que obrigou a CBS a "retirar do ar"aquelas transmissões, antes mesmo do seu final.

A Guerra dos Mundos, um terrível evento, catastrófico e infeliz, foi capaz de parar uma das maiores nações do mundo, espalhando a dor, a morte e o horror por todo o país.

Voltando ao tema principal deste artigo: meteorologia e comunicação. Na semana que passou, um alerta especial do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), disponibilizado no site Internet (http:// www.inmet.gov.br/index.html/sinotica/alesp.html), distribuído aos veículos de comunicação e aos organismos de defesa civil causou pânico na população do sul do Brasil, além do necessário. Já houve, em 1997, o episódio da quarta-feira, 12 de novembro, que literalmente parou a cidade de Passo Fundo, numa versão tropical de "A Guerra dos Mundos". Desta vez foi menos, muito menos, mas também preocupou, diga-se de passagem a todo o estado. Tal qual em 1997, o texto de 1999 era claro e oportuno e a imaginação popular, ou melhor, a falta de informação se encarregou do resto.

Aos fatos: No dia 26 de maio de 1999, o Inmet divulgou o Aviso Meteorológico Especial número 22, com o seguinte texto: "Um ciclone extratropical que deverá formar-se no Rio Grande do Sul, com um centro de baixa pressão de 1002 Hpa, poderá provocar ventos fortes, com rajadas atingindo velocidade superior a 70 km/h, entre os dias 29 e 30 de maio (próximo final de semana), entre sul e leste do Rio Grande do Sul e leste de Santa Catarina."

Aparentemente, pela visão dos técnicos do Inmet e considerando que os véculos de comunicação, particularmente os grandes, contam com assessorias especializadas na área de meteorologia, além de comunicadores competentes e responsáveis, e que nos organismos de defesa civil há pessoal capacitado para ler uma mensagem deste tipo e decodificar o seu real significado, não havia motivos para preocupações além das necessárias. Mas não foi bem assim.

Para alguém familiarizado com o conteúdo técnico da meteorologia, sem maiores problemas. Para a população em geral, a figura muda e muito. O forte apelo visual das imagens apresentadas nos noticiários de televisão, bastante freqüentes, mostrando a destruição causada pelos ciclones tropicais, comuns no hemisfério norte, faz com que, para o cidadão comum, seja este o significado da palavra ciclone. E lá vem mais um ciclone, um furacão, um tufão, um tornado ou uma outra tempestade tropical do gênero, daquelas que deixam terra arrasada por onde passam, logo pensam. Muitos acabam ficando frustrados e decepcionados, quando isso não ocorre.

A Organização Meteorológica Mundial estabeleceu os anos 90 como a década internacional de redução dos desastres naturais. Para isso, os serviços meteorológicos nacionais devem emitir alertas sobre a possibilidade de ocorrência de desastres naturais, em regiões específicas. É o que fêz o Inmet, de forma competente e responsável, no caso do Áviso Meteorológico Especial número 22, de 26/05/99, pois é a instituição oficial encarregada da meteorologia operacional no país. Sem alertas não há como prevenir, somente remediar. É com base nesses alertas que as organizações de defesa civil devem agir. Pois as ações devem ser pré-desastre (defesa) e não pós-desastre, como estamos acostumados a presenciar, num claro confundimento com assistencialismo.

O Inmet cumpriu a sua missão ao divulgar o alerta, as organizações de defesa civil, pelo visto, também fizeram a sua parte e quanto aos veículos de comunicação, não há qualquer dúvida, exerceram o seu papel de informar a população. Tendo todos os principais protagonistas, deixando de lado a população, cumprido a sua parte, há alguma coisa errada (se é que se pode falar assim) neste processo? Certamente, há.

O erro não está nos agentes do processo e sim na comunicação. A linguagem do texto do alerta não é a mais adequada para a finalidade a que se destina. Exige decodificação antes de ser direcionada ao grande publico. Está cheia de termos técnicos que são encontrados em artigos científicos publicados em revistas especializadas tipo Journal of Atmospheric Science, Journal of Climate, Monthly Weather Review e Weather and Forecasting, apenas para citar algumas. Este tipo de revista é lido por especialistas e em geral apenas por aqueles que tem nível de pós-graduação (mestrado e/ou doutorado). Exigir da população o conhecimento dessa linguagem já é pedir demais. Tampouco adianta colocar um locutor em tom solene e com voz bem postada para ler essas mensagens ou uma bonita moça do tempo na televisão. Provavelmente, uma voz de taquara-rachada, dizendo com clareza o que de fato pode ser esperado e as precauções que a população da área que será atingida deve tomar, surtirá maior efeito e não implicará em perda de credibilidade nos próximos alertas, com conseqüências desastrosas.

A meteorologia praticada no Brasil é de excelente nível, mas no tocante à comunicação em meteorologia, apesar do progresso ocorrido nos últimos anos, ainda há espaço para melhorias.

Ia esquecendo, Orson Welles também foi um dos protagonistas no rádio de The Shadow-O Sombra, o que faz, provavelmente, os mais velhos lembrarem da clássica frase:"Quem sabe o mal que se esconde nos corações humanos? O Sombra sabe… Há… Há… Há… Há… Há… Há… Há… Há… Há… Há… Há… Há.". Além do mais, se não foi o espírito de Orson Welles que andou por aqui, só pode ter sido um espírito-de-porco.


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