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El Niño e a colheita da
soja
Gilberto
R. Cunha
Embrapa Trigo, Caixa Postal 451,
CEP 99001-970 Passo Fundo, RS.
Se há uma questão que preocupa os produtores de soja do sul
do Brasil, nesse momento (março de 1998), sem dúvida, é
essa: Como será o clima nos meses de abril e de maio de 1998? Afinal,
é ano de El Niño.
O El Niño – anomalia positiva na temperatura das águas
superficiais do oceano Pacifico Equatorial (águas aquecidas), junto
à costa oeste da América do Sul – perturba o padrão
de circulação da atmosfera. E fazendo isso influencia o clima
de diferentes partes do mundo. Entre essas uma grande região, localizada
no sudeste da América do Sul, que abrange o Uruguai, o sudeste do
Paraguai, o nordeste da Argentina e o sul do Brasil. Seu efeito mais conhecido,
nessa região, é: aumento na quantidade de chuva.
Em anos de El Niño, no sul do Brasil, o mais comum é se
ter chuvas acima dos valores normais em todos os meses do ano, quando o
fenômeno está atuando. Porém, há dois períodos
identificados por apresentarem um sinal mais forte da influência
do El Niño. São eles: primavera (outubro e novembro) e final
de outono começo do inverno (maio e junho). O primeiro deles, no
ano inicial do evento e o segundo, no ano seguinte. Estudos realizados
pelos professores da UFRGS, Denise Cybis Fontana e Moacir Antonio Berlato
(Revista Brasileira de Agrometeorologia, v.5, n.1, p.127-132, 1997), e
pelo grupo coordenado pela professora da UFPR, Alice Marlene Grimm (Congresso
Brasileiro de Meteorologia, 9.v. 2, p. 1098-1102, 1996) indicaram que,
apesar da diversidade regional, há uma anomalia positiva consistente
no regime de chuvas do período de primavera, no sul do Brasil, no
ano inicial do evento El Niño. Todavia, a anomalia de chuvas no
ano seguinte ao começo do evento (período de outono-inverno)
concentra-se nas regiões mais próximas do oceano Atlântico.
Os anos de El Niño, em geral, pela disponibilidade água,
são de bons rendimentos para a cultura de soja no sul do Brasil.
Contudo, para otimizar o aproveitamento da condição hídrica
favorável uma série de cuidados relacionados com o manejo
da cultura necessitam serem tomados (escolha de cultivares resistentes
às principais doenças, sanidade das sementes, obedecer esquema
de rotação de culturas, regular semeadoras para não
exagerar na população de plantas e usar toda a tecnologia
recomendada). Pois, apesar da grande influência, o rendimento final
da cultura não é determinado única e exclusivamente
pelo clima. As estatísticas indicam que maiores rendimentos de soja
no Rio Grande do Sul foram obtidos em anos de El Niño (especificamente,
nos El Niño de 1991/92, 1992/93 e 1994/95). E essa tendência
também se confirma para o estado do Paraná.
E a safra de 1997/98 não tem sido diferente, no caso da cultura
de soja. Até o momento, não houve falta de água no
sul do Brasil. As lavouras, de modo geral, estão bem. Por isso,
a preocupação reside, em termos climáticos, no período
de colheita, abril e maio, no caso do Rio Grande do Sul. E há razão
para isso. Muitos ainda se recordam do evento El Niño de 1982/83,
quando o excesso de chuvas causou grande prejuízo à cultura
de soja por ocasião da colheita. Em termos de grãos, estima-se
que foram perdidas 4,9 milhões de toneladas, naquela safra, na Região
Sul. Ou seja, um prejuízo da ordem de 780 milhões de dólares.
Neste século, os maiores eventos El Niño foram os de 1957/58,
de 1972/73, de 1982/83 e o atual de 1997/98. Adotando-se a estação
meteorológica de Passo Fundo como referencial da região produtora
de soja da parte norte do estado é possível se fazer uma
retrospectiva de como foi o regime de chuvas dos meses de abril e de maio,
por ocasião daqueles eventos (especificamente, nos anos de 1958,
de 1973e de 1983). Nos meses de abril e de maio choveu 107,3 mm (8 dias
com chuva) e 128,7 mm (9 dias com chuva), 76,3 mm (11 dias com chuva) e
197,9 mm (14 dias com chuva) e 182,0 mm (13 dias com chuva) e 259,5 mm
(18 dias com chuva); nos anos de 1958, de 1973 e de 1983, respectivamente.
De modo geral, apenas os meses de maio de 1973 e abril e maio de 1983 apresentaram
chuvas acima dos valores normais para a região ( abril 118,2 mm
e maio 131,3 mm). Destacando-se o período abril e maio de 1983 como
o de maiores anomalias positivas, em termos de quantidade de chuva. Também
destaca-se que a maior quantidade de chuva ocorrida em Passo Fundo, no
ano de 1983, foi no mês de julho, quando em 19 dias com chuva caiu
437,5 mm. Em termos normais, o outono é a época do ano que menos
chove no norte do estado. Abril com média de 118,2 mm é o
mês mais seco. E é por isso que, como regra, não se
tem problema climático no período de colheita da soja no
RS, que se concentra nos meses de abril e de maio. A exceção
parece que ficou por conta da safra de 1982/83, em um passado recente.
Afortunadamente, um ano de El Niño muito divulgado nos veículos
de comunicação. E por isso a preocupação com
o clima nos próximos três meses. Conforme o boletim Infoclima, ano 4, número 3, de 13 de março
de 1998, editado pelo CPTEC/INPE, disponível via internet no endereço http://yabae.cptec.inpe.br/products/climanalise/infoclima/index.html,
as anomalias de temperatura de temperatura de superfície do mar
(TSM) no Pacífico equatorial leste continuaram a decrescer no mês
de fevereiro . Os maiores valores de anomalias observadas foram de 3,0
°C. A média das anomalias de TSM na região Niño
3, que foi de 3,5 °C em janeiro, caiu para 2,73 °C em fevereiro.
O índice de oscilação do sul (IOS) no mês de
fevereiro foi de –2,7. Assim, com base em modelos de previsão climática,
ainda em caráter experimental, sem nenhuma garantia implícita
ou explícita, está sendo estimado para o trimestre março-abril-maio
que, na Região Sul do Brasil, as precipitações devem
ficar acima da média principalmente na parte sul e oeste da região.
Em termos práticos, chuvas acima da média não implica
necessariamente em anomalias acentuadas que possam a vir acarretar problemas
para a cultura de soja por ocasião da colheita. De qualquer forma,
vale o alerta para produtores e autoridades no sentido de deixar preparada
toda a estrutura de colheita e armazenamento, além de adequar a
estrutura viária para o escoamento de uma safra que, até o momento, promete ser boa.
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