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As Cassandras e o trigo

 Gilberto R. Cunha
Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS. 

Cassandra foi uma mulher célebre por sua beleza e pela capacidade de prever desgraças. Também era chamada de Alexandra. Foi amada por Apolo, e obteve dele o dom da profecia. Porém, um dia recusou-se a cumprir as suas promessas e Apolo, sentindo-se rejeitado, resolveu vingar-se, decidindo que ninguém mais acreditaria nela. Por ocasião do saque de Tróia, escondeu-se no templo de Atena e foi ultrajada por Ajax. Tornou-se escrava de Agamemnon e acabou, logo na chegada a Micenas, assassinada por Clitemnestra. Depois de morta virou objeto de veneração em cultos, tendo sido levantados vários templos em sua memória, .

Direto das tragédias gregas do ciclo de Tróia para os dias atuais, o nome Cassandra virou praticamente sinônimo de pessoa que não se deve seguir os conselhos e muito menos acreditar nas profecias. Pois, quando o assunto é trigo no Brasil, eis que estão ai bem presentes as chamadas "Cassandras dos novos tempos". Ou seja: indivíduos que, contra todas as evidências, insistem em não acreditar na produção de trigo no Brasil. E o que é pior, de tanto propalarem suas idéias contrárias à triticultura brasileira, acabam sendo ouvidos por muitos. De concreto resultou o fato de, hoje, disputarmos, palmo a palmo, com o Egito, a primazia de ocuparmos a posição de primeiro importador mundial de trigo. Uma vergonha para um país que possui terras, clima adequado, tecnologia própria e produtores experientes para produzir todo o trigo que necessita e até mais. Basta querer.

Talvez não seja necessária uma maldição de Apolo para que as "Cassandras dos novos tempos" e suas pregações desfavoráveis à produção de trigo no Brasil deixem de merecer crédito. Nada melhor que os resultados alcançados no sul do país, na safra de inverno de 1999, para afugentar os maus agouros. Ou até mesmo regenerar Cassandras, nem que seja ao estilo São Tomé: ver para crer, enfiando o dedo nas chagas de Cristo, tal qual a cena do famoso quadro "A dúvida de Tomé", pintado por Caravaggio, em 1599.

Rendimentos altos e produto com boas características de qualidade foram obtidos em vários locais, em 1999. Tome-se como exemplo os resultados dos ensaios estaduais de cultivares de trigo e se pode ter uma boa idéia da nossa capacidade para produzir este cereal. Alguns locais apenas são suficientes para ilustrar o fato. Começando pelo Rio Grande do Sul, em Piratini, na empobrecida metade sul do estado, a média de todas as cultivares testadas chegou a 2431 kg/ha e o maior rendimento foi 2951 kg/ha. No extremo norte, em Lagoa Vermelha, o mesmo experimento atingiu rendimento médio de 4176 kg/ha, com um rendimento máximo de 4990 kg/ha. Na vizinha Santa Catarina, os rendimentos médios e máximos foram 2722 kg/ha e 3540 kg/ha, em Abelardo Luz, e 2376 kg/ha e 3420 kg/ha, em Chapecó; por exemplo. E é bom deixar claro: sem tratamento químico para controle de doenças. Portanto, sem se lançar mão do maior nível tecnológico disponível. No Paraná, a história não foi diferente e até melhor. Em Ponta Grossa, a média do ensaio foi 3361 kg/ha e o maior rendimento 4452 kg/ha. Por sua vez, os rendimentos médios e máximos chegaram a 3400 kg/ha e 4090 kg/ha, em Campo Mourão, e a 5896 kg/ha e 7564, em Londrina.

Nada mau, mas são experimentos e não lavouras argumentarão as "Cassandras dos novos tempos". Pois bem, voltando ao Rio Grande do Sul e a Passo Fundo, onde a Embrapa Trigo, no campo experimental situado à margem da rodovia BR 285, km 174, instalou suas unidades para transferência de tecnologia. Nelas, praticamente pequenas lavouras, com tecnologia e manejo factíveis de serem usados por qualquer produtor tecnicamente assistido e orientado, os resultados não foram diferentes dos obtidos nos experimentos. Vejamos: rendimentos superiores aos 4000 kg/ha foram a tônica das cultivares usadas, chegando a um máximo de 5350 kg/ha. Portanto, rendimentos altos não são exclusividade de experimentos. Em unidades de transferência de tecnologia e mesmo em muitas lavouras comercias estes níveis de rendimentos se repetiram. Mostrando claramente que podemos produzir trigo e muito bem. Ou melhor, que devemos produzir trigo. O resto do mundo, que tem capacidade para tal, se dedica à produção de trigo. Seríamos os únicos de passo certo, deixando de lado essa nossa potencialidade? Sinceramente, não dá para acreditar ou aceitar passivamente que o destino quis assim. E olhe que algumas estimativas projetam um consumo de trigo no Brasil, para o ano 2000, que pode chegar ao redor de nove milhões de toneladas. E lá se vão recursos que não temos para importar o que poderíamos produzir aqui, deixando de gerar empregos, fazendo falta em investimentos sociais em saúde, educação, segurança etc., etc. e etc. Nos faltam muitas coisas, por isso não podemos abrir mão daquilo que reconhecidamente podemos produzir.

O clima do sul do Brasil possibilita duas safras por ano, uma de verão e outra de inverno. Poucos podem se dar ao luxo de cruzarem os braços no inverno ou fazerem apenas culturas para cobertura do solo, embora ecologicamente corretos, sem pensar na agregação de renda na propriedade. Numa clara opção por gastos no inverno e não por busca de ganhos. O trigo é a principal opção econômica para a safra de inverno no sul do país. E cada vez mais isto se torna evidente, quando ocorrem frustrações com as culturas de verão, que de forma alguma estão isentas dos riscos de produção. Este é o caso do fim dos anos 90 e começo dos 2 mil. Baixos rendimentos e prejuízos com as culturas de verão na safra 1998/1999 e, novamente, uma história parecida, já com alguns estragos, causados pelo fenômeno La Niña, na safra 1999/2000. Neste momento, ninguém pode ter dúvida que a renda obtida com a produção de trigo é importante para a sustentabilidade econômica da atividade.

A retomada do crescimento da triticultura brasileira precisa do envolvimento de todos os segmentos que compõem o complexo agro-industrial do trigo no Brasil. Políticas de longo prazo, ações governamentais e, nos dias de hoje, muito comprometimento do setor privado definirão os rumos desta cultura no Brasil. Trigo significa riqueza na agricultura. E não podemos abrir mão dela. Principalmente, por integrarmos um bloco econômico cuja estabilidade flutua com o "humor" de Alan Greenspan, o todo poderoso presidente do Fed, Federal Reserve Board (o banco central dos Estados Unidos).

Como qualquer criança sabe, se até os Pokémons (os Pocket Monsters do desenho japonês sensação do momento) evoluem - Pikachu evolui para Raichu, Charmander evolui para Charmeleon, e assim por diante, são 150 Pokémons - as "Cassandras dos novos tempos" também podem evoluir. O primeiro passo seria evoluir de Cassandra para São Tomé, mesmo que seja enfiando o dedo nas chagas de Cristo para acreditar que são reais, e depois, já seria pedir demais, convertendo-se em entusiastas do trigo no Brasil.


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