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Um bode expiatório chamado clima

Gilberto R. Cunha
Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS. 

Arthur Boyd é um australiano radicado em Londres desde o fim dos anos 50. Artista consagrado na Inglaterra e na sua terra natal, pintou "O bode expiatório australiano", em 1987. Este óleo sobre tela retrata, nas suas cores ardentes e na sua natureza visionária, características expressionistas. Nele, aparece um bode preto, magérrimo, com uma lágrima caindo do seu olhar triste, como se fosse o responsável pela morte de uma arraia que se encontra na sua frente. Enquanto isso, um homem de capa amarela, talvez um agricultor, um pescador ou, quem sabe, até mesmo eu ou você, caro leitor, segura o bode. Eis a essência desse quadro.

Na semana que passou, especificamente na terça-feira, 10 de agosto de 1999, eu estava em Campo Novo, RS, para proferir uma palestra sobre clima, agricultura e gerenciamento de riscos, na qual compareceram cerca de 200 pessoas, entre agricultores e engenheiros agrônomos da região. Durante o almoço, pude assistir uma notícia, em um telejornal do meio-dia, dizendo que, em 1999, apesar dos prognósticos da meteorologia, não fez frio e, em razão disso, havia já uma quebra de 10 % no rendimento da cultura de trigo, na região de Cruz Alta. A citada notícia mereceu chamada antes dos comerciais e destaque no bloco seguinte. Perfeita e atraente em termos de comunicação. Ordem direta: sujeito, verbo e objeto. Todavia, será mesmo que não fez frio em Cruz Alta, em 1999? E somente a falta de frio, caso fosse verdade, determinaria uma perda de 10 % no rendimento final da cultura de trigo, possível de ser estimada antecipadamente? Que metodologia de análise possibilita inferir que a falta de frio na fase inicial da cultura de trigo implica em uma quebra de rendimento matematicamente determinada, no caso os 10 % citados? Indagações como estas, não sei o porquê, de imediato me vieram à mente misturadas com a imagem do quadro "O bode expiatório australiano"de Arthur Boyd, referido no parágrafo anterior.

Aos fatos, ou melhor aos dados. A Organização Meteorológica Mundial estabeleceu as chamadas normais climatológicas (média de 30 anos de observações meteorológicas sistemáticas), para fins de comparações climáticas. Desde maio, os boletins das instituições meteorológicas indicavam que, em 1999, as temperaturas durante o período de inverno deveriam ficar abaixo dos valores normais, no sul do Brasil. Portanto, seria uma estação mais fria do que o normal. Adjetivações do tipo: "Inverno mais rigoroso de todos os tempos", não fazem parte da objetividade (nem sempre existente ou, até mesmo, algo impossível) da ciência. Utilizando Passo Fundo como estação de referência do Planalto Rio-grandense, as temperaturas consideradas normais nos meses de maio, junho e julho (os três últimos meses completos) são: 14,3 °C, 12,7 °C e 12,8°C. E, em 1999, para estes meses, os valores ocorridos foram 13,3 °C, 12,0 °C e 11,8 °C. Portanto, não há dúvida, desde o fim do outono (maio) e durante o inverno fez frio sim. Temperaturas ao redor de 1 °C abaixo da média normal implica em que o prognóstico da meteorologia foi confirmado e que uma quantidade muito grande em termos de energia, na forma de calor sensível, foi retirada do ambiente, neste período, no sul do País. Comportamento similar, possível em menor escala, deve ter ocorrido também na região de Cruz Alta.

Pois bem, não se pode, até o momento, dizer que não fez frio em 1999. Pelo menos, em um nível capaz de causar um prejuízo mensurável (no caso, os 10% citados) no rendimento final da cultura de trigo, como deixaram transparecer a notícia em pauta e a entrevista apresentada. E se há lavouras de trigo que, apesar da condição climática favorável, não indicam uma expectativa de rendimento elevado, tem que se buscar outras causas. Que tal especular sobre o nível de tecnologia usado nessas lavouras. Um fato bem conhecido é este: baixa tecnologia e baixos rendimento andam, quase sempre, juntos, em agricultura.

É inegável que a agricultura brasileira e, em particular, a rio-grandense passam por um momento de dificuldade. Estão nas manchetes dos veículos de comunicação, os protestos de agricultores, diante da incapacidade de pagamento de dívidas com o sistema financeiro. E isso, com certeza, tem se refletido na disponibilidade de recursos e no uso de tecnologia (que custa dinheiro), na hora de fazer as lavouras. E no caso do trigo não tem sido diferente. Alguns, diante das dificuldades de comercialização do trigo brasileiro, chegaram a recomendar: façam lavouras de baixo custo. Lavoura de baixo custo implica em pouco uso de tecnologia e, consequentemente, não pode ser esperado rendimento elevado.

Há muito que boa parte dos agricultores gaúchos deixaram de lado a opção de fazer safra de inverno e safra de verão, com finalidade econômica. Aposta-se as fichas nas culturas de verão, soja e/ou milho principalmente. E com o desempenho das culturas de verão, que não tem andado lá essas coisas, as dificuldades se acentuaram. Todavia, nossos campos estão cobertos no inverno. A consciência de que não se pode deixar o solo descoberto existe e é praticada ainda, felizmente. Em áreas, onde antes havia trigo, o lugar é ocupado pela aveia preta com a finalidade de cobertura apenas, em alguns casos. E isso, é inegável, implicou em uma opção por gastos, no lugar da busca de agregação de renda à propriedade com as culturas de inverno, em alguns casos. Particularmente, quando a aveia é plantada com a finalidade exclusiva de cobertura do solo. As operações de semeadura, aquisição de sementes, uso de herbicidas dessecantes, etc significam gastos que precisam ser recuperados com o resultado econômico das culturas de verão, evidentemente.

O efeito da variabilidade climática interanual sobre o rendimento das culturas é fato notório. E é assim em nível mundial. Também é certo que não se pode creditar todo o êxito ou o fracasso na agricultura às condições meteorológicas. Outros componentes, sejam eles tecnológicos, culturais, estruturais ou conjunturais, têm lá exercido a sua influência; particularmente na agricultura brasileira.

Com relação à falta de frio para o trigo gaúcho e seu impacto anunciado sobre o rendimento final, com certeza não é o caso em 1999. O comportamento das temperaturas médias dos últimos três meses e as temperaturas negativas do final de semana, pelo menos por enquanto, não autorizam colocar o clima, antecipadamente, como o bode expiatório da vez para a triticultura rio-grandense.


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