Ministério da Agricultura e do Abastecimento
Embrapa Trigo ISSN 1517-638X
Pesquisa em Andamento Online
Nº 8, dez./99
Nova classificação climática do estado do Rio Grande do Sul
Jaime Ricardo Tavares Maluf 1

As classificações climáticas são métodos empregados na identificação e caracterização de tipos climáticos, apresentando aplicação em várias áreas que dependem direta ou indiretamente das condições ambientais. Assim a idéia de definir o clima em unidades ou tipos, que permitam seu agrupamento por afinidades é antiga, remontando ao século XVIII. Como exemplo, citam-se os estudos de Merrian, de De Candolle, de Selianov, de Equist, de Trumble, de Meyer e Rabanow, de Zymkieviez, de Köeppen, de Holdridge, de Thornthwaite, e outros, citados por Maluf (1973), sendo as classificações de Köeppen (1936) a de Thornthwaite (1948) e a de Holdridge (1967) as mais utilizadas em nosso meio.

As primeiras tentativas de classificar clima utilizavam-se de valores térmicos, como a temperatura anual, sendo exemplos os trabalhos de De Candolle, de Merrian, Selianov, Walter, Equist, Köeppen e outros citados por Maluf (1973).

Foi utilizada também, com fins fitogeográficos, a variação térmica anual, diferença entre temperaturas máximas e mínimas que mostram as características continentais do clima sob ponto de vista térmico. Entre tantos estudos que têm sido realizados com idéia de combinar numericamente e graficamente duas ou mais classes de dados térmicos, devem ser mencionados os índices de "eficácia térmica" de Thornthwaite (1948).

Quanto às condições de umidade, o primeiro elemento empregado para expressá-la foi a precipitação pluvial anual. Entretanto devido a insuficiência desta informação para qualificação dos tipos climáticos por unidades, levaram-se em conta outros fatores como distribuição da precipitação, número de dias de chuva, evaporação, umidade do ar e mais recentemente, evapotranspiração. Ao mesmo tempo estabeleceram-se fórmulas resultantes da combinação de dois ou mais fatores como as de Thornthwaite (1948), Papadakis (1966), Holdridge (1967) entre outros.

Köeppen utilizou-se da relação entre chuva e a pressão máxima do vapor da água no mês mais chuvoso, Transeau da relação entre a chuva e a evaporação, Meyer e Rabanow da relação entre chuva e o déficit de saturação, e outros autores, como Emberger e Chipp citados por Maluf (1973) utilizaram índices que combinavam a precipitação pluvial com o número de dias de chuva. Vários outros índices foram utilizados para expressar as condições de umidade ambiental, como o de Gams, de Sireningstone e de Gonzales e Vásques citados por Maluf (1973).

Thornthwaite (1948) foi quem introduziu o termo evapotranspiração potencial, sendo que outros autores como Penman, Blaney e Criddle, Ture, Papadakis, Holdridge (citados por Maluf, 1973) utilizaram-se de métodos empíricos na determinação da evapotranspiração potencial.

A natureza dos limites fitoclimáticos, ainda que determinados por fatores essencialmente térmicos e/ou hídricos, nunca é uniforme ao longo de todo o perímetro da zona climática ou da zona onde se desenvolvem determinadas espécies vegetais. Para levar isto em conta, foram sugeridas as circunscrições fitoclimáticas baseadas no estudo dos diversos fatores.

Köeppen (1936) teve uma das primeiras iniciativas neste sentido, quando delineou categorias climáticas cujo limites, numericamente especificados, representavam aproximadamente as fronteiras ecológicas de um número similar de categorias de vegetação em formações vegetais. A contribuição de Köeppen constitui-se em exemplo de parâmetros fixados em base à distribuição vegetal, utilizando para tal fim, elementos do clima que fornecem uma informação indireta do balanço de água, como são a precipitação e temperatura.

Thornthwaite (1931) utilizou os índices de eficácia térmica para distribuição fitoclimática na América do Norte e no mundo. Thornthwaite (1948) não mais usou este critério e preferiu determinar os "limites climáticos racionais", partindo de uma comparação entre evapotranspiração potencial e a precipitação pluvial. Através destes fatores o autor determina suas "Moisture Province" e "Thermal Province". Esta comparação põe em relevo os fatores que indicam as variações bruscas do clima, que o autor chama "frentes de ruptura", e que correspondem as barreiras climáticas verdadeiras.

Holdridge (1947) a exemplo de outros autores, elaborou um esquema gráfico que através de dados climáticos simples determinava as formações vegetais do mundo. Holdridge (1967) criou um diagrama que denominou "Life Zone Ecology" ou Zonas Ecológicas de Vida que trabalha com precipitação, umidade do ar e biotemperatura. O autor define Zonas de Vida como um grupo de associações vegetais dentro de uma divisão natural de clima, as quais possuem uma fisionomia similar em qualquer parte do mundo.

Camargo (1990) realizou trabalho de "levantamento de aptidão agroclimática para o Peru" baseando-se em duas cartas de classificação climática, uma para o fator térmico e outra para o hídrico. Camargo (1991) apresentou o mesmo método de trabalho de 1990, entretanto com adaptações onde procura "aliar a simplicidade da classificação de Köeppen com a racionalidade da de Thornthwaite", sugerindo-a como classificação climática para zoneamento de aptidão agroclimática. Adotou como base do fator térmico, parâmetros derivados da temperatura média do ar, e para o fator hídrico, parâmetros de deficiência e excedente hídrico.

Os estudos do clima do Rio Grande do Sul iniciaram com o pioneirismo de Coussirat de Araújo em 1930, que classificou o clima do estado como Temperado, apresentando divisão em oito regiões climáticas. Nesta divisão foram considerados os fatores que maior influência exercem sobre o clima do território do estado, como altitude, continentalidade e proximidade ao oceano (Machado, 1950). As regiões determinadas por Coussirat de Araújo em 1930 receberam as denominações de Campanha, Vale do Uruguai, Serra do Sudeste, Depressão Central, Missões, Planalto, Serra do Nordeste e Litoral. Representam bem a morfologia e clima do estado e suas denominações são conhecidas, consagradas e utilizadas até o presente em trabalhos generalizados.

Machado (1950), um dos pioneiros no estudo e análise do clima do Rio Grande o Sul, elaborou importante trabalho levando em consideração as regiões climáticas definidas por Coussirat de Araújo em 1930. Apresentou ampla e detalhada análise descritivo-numérica dos elementos meteorológicos, suas magnitudes, variações, intensidades e épocas de ocorrência, bem como a representação espacial de alguns elementos.

Moreno (1961) em trabalho sobre o clima do Rio Grande do Sul realizou nova subdivisão estabelecendo as "áreas morfo-climáticas", buscando "esclarecer divergências quanto a classificação climática do estado". Para tal utilizou a classificação climática de Köeppen (1948) determinando o Rio Grande do Sul como clima Temperado Úmido com duas "áreas climáticas", Cfa e Cfb. Dentro da "área climática" Cfa, caracterizou quatro "áreas morfo-climáticas", e dentro da "área climática" Cfb caracterizou três "áreas morfo-climáticas". Com o objetivo de caracterizar climaticamente o Estado do Rio Grande do Sul, foi realizado o presente estudo, adotando a metodologia apresentada por Camargo (1991).

MATERIAL E MÉTODOS

A área considerada para o estudo foi o estado do Rio Grande do Sul, compreendido pelos paralelos 27°04'49" e 33°45'00" Sul e pelos meridianos 49°42'22" e 57°38'34" Oeste.

Os dados de temperatura média anual e temperatura média do mês mais frio foram extraídos do Atlas Agroclimático do Estado do Rio Grande do Sul (1989), normal climatológica 1931-1960. Os valores de deficiência e excesso hídrico para tabela de retenção de umidade do solo de 125 mm, foram extraídos do Balanço Hídrico Climatológio (1931-1960) (Maluf et al., 1981). Os valores de precipitação pluvial anual utilizados foram extraídos da normal climatológica 1931-1960 (Maluf et al., 1981).

Foram utilizados no trabalho, dados oriundos de 41 estações meteorológicas de 1ª classe pertencentes ao 8º Distrito de Meteorologia do Instituto Nacional de Meteorologia - M.A.A., relacionadas na Tabela 5 (Maluf et al., 1981). A escala cartográfica empregada na representação espacial das classes climáticas foi 1:750.000.

Como já mencionado, para a classificação do clima do Estado adotou-se a metodologia apresentada por Camargo (1991), que utiliza os seguintes elementos: temperatura média anual (Ta), temperatura média do mês mais frio (Tf) (Tabela 1), balanço hídrico (Tabela 2) e a indicação dos meses com deficiência hídrica (Tabela 3). No presente trabalho sugere-se alterações nos intervalos de Tf, nas classes Subtropical (de Tf de 15° a 20°, para Tf de 13° a 20°) e Temperado (de Tf até 15°, para Tf até 13°), alterações estas justificadas nos resultados (Tabela 4).

Algumas classes como monçônica, seca, sub-úmida e úmida podem apresentar estações secas definidas, que podem aparecer em diferentes estações do ano. Quando isto ocorre, as classes que apresentam estações secas são caracterizadas por letras minúsculas, indicadas na Tabela 4.

Com base nos dados de temperatura média anual, temperatura média do mês mais frio, excessos e deficiências hídricas e os meses com deficiência hídrica, foram determinados os tipos climáticos dos locais com estação meteorológica. Os valores de Ta e Tf foram lançados em um mapa hipsométrico do Rio Grande do Sul, escala 1:750.000 para estabelecer a classificação climática por temperatura. Os valores de excesso e deficiência hídrica foram da mesma maneira lançados em um mapa através de isolinhas de excesso e deficiência estabelecendo-se a classificação climática pelo regime hídrico. Foi realizada a síntese cartográfica dos mapas térmico e hídrico, originando o mapa final com a representação das classes climáticas.

RESULTADOS

Na Tabela 6 são apresentados os tipos climáticos de 41 localidades, e os dados de temperatura média anual (Ta), temperatura média do mês mais frio (Tf), excesso e deficiência hídrica que os determinaram, e na Figura 1 a representação espacial das classes climáticas determinadas para o Estado.

Considerando-se os valores de temperatura média anual (Ta) verifica-se que o Rio Grande do Sul enquadra-se nas classes Subtropical e Temperado. Entretanto quando é levado em conta os valores da temperatura média do mês mais frio (Tf), como é indicado nas classes do parâmetro térmico da metodologia apresentada por CAMARGO (1991) (Tabela 1), em que a classe clima Temperado apresenta intervalo de Tf até 15 ºC, a classe Subtropical no estado deixa de existir, sendo o Rio Grande do Sul, classificado apenas como clima Temperado. Como na metodologia apresentada por Camargo (1991) é possivel utilizar-se Ta ou Tf para classificar o clima, fica a critério do usuário e de seu conhecimento, a utilização de um ou de outro parâmetro térmico. Como no Estado são cultivadas várias culturas de clima tropical (áreas determinadas por zoneamentos agroclimáticos) como abacaxi, banana, mamão, cana-de-açúcar e palmito, algumas como nativas, nas regiões do Litoral Norte, partes da Depressão Central e Vale do Rio Uruguai, verifica-se que o valor limite de 15 °C de Tf não é um nível ideal de classificação, já que pela Ta essas regiões são classificadas como Subtropical, correspondendo a realidade das culturas ali utilizadas, além do tipo de vegetação nativa. Alguns trabalhos, ainda que não sejam de classificação climática, como o zoneamento da cana-de-açúcar (Westphalen & Maluf, 1980, 1994) e o zoneamento agrícola (Mota et al., 1974) indicam a subtropicalidade destas regiões pelas indicações das culturas zoneadas. Moreno (1961) no trabalho Clima do Rio Grande do Sul, utilizando-se da metodologia de classificação climática de Köeppen determinou, igualmente, a condição subtropical nestas regiões através da fórmula "Cfa".

Se forem observadas as áreas classificadas como Subtropical (baseado em Ta) pela metodologia de Camargo (1991), verifica-se que de toda a área classificada como Subtropical, apenas as regiões do Litoral Norte, parte da Depressão Central e Vale do Uruguai são aptas ao cultivo das culturas tropicais mencionadas anteriormente, demonstrando que no estado existe uma região climaticamente intermediária entre a região Temperada e a Subtropical, a qual não é Temperada, pelos valores de Ta e nem Subtropical, pelos valores de Tf da classificação de Camargo (1991), pois não é viável o cultivo de abacaxi, banana, cana-de-açúcar e outras culturas, e que não apresentam frio suficiente para culturas de clima temperado, como por exemplo maçã. Essa região intermediária apresenta valores de Ta de 18,1 a 22,0 °C e Tf £13,0 °C e baseado nos resultados, convencionou-se denominá-la Subtemperada. Dessa maneira, para a região de abrangência do presente estudo, propõe-se a alteração dos valores de Tf da classe Temperada de 15° para 13 °C e da classe Subtropical de 15° a 20 °C para 13° a 20 °C, criando-se a classe climática Subtemperada (Tabela 4). Observando-se estes intervalos de Ta e Tf, o Rio Grande do Sul, pelo parâmetro térmico, recebe as classificações de Subtropical, Subtemperado e Temperado.

Considerando-se o balanço hídrico (excessos e deficiências), as classes vão de Superúmido à Subúmido. A classe Superúmido aparece somente na região da Serra do Nordeste, em parte dos municípios de São Francisco de Paula, Canela e Gramado.

A classe Perúmido está presente na maior parte da região do Planalto riograndense, estendendo-se a pequena parte do extremo norte do litoral no município de Torres. A região classificada como úmida, ocupa grande parte do Estado, abrangendo a quase totalidade do Litoral, a Serra do Sudeste, parte central do Estado, prolongando-se até junto ao município de São Borja e extendendo-se para norte junto aos municípios que fazem fronteira com Santa Catarina. Existe também, em parte do município de Bom Jesus, uma região classificada de úmida, circundada pela classe perúmida, devido a ocorrência de deficiência hídrica.

A classe subúmida aparece na região da fronteira com a Argentina e Santa Catarina, região do Baixo e Alto Vale do Rio Uruguai, em parte dos municípios de Uruguaiana à Iraí, e na fronteira com o Uruguai nos municípios de Quaraí, Bagé, Dom Pedrito e São Gabriel. A classe subúmida ocorre ainda no leste da Depressão Central do Estado, abrangendo, principalmente os municípios de Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires e parte dos municípios vizinhos, e os municípios de Taquara, Parobé e parte dos municípios vizinhos. Ocorre ainda no Estado, a classe de clima seco em pequena região no município de São Gabriel, em que os valores de deficiência hídrica caracterizam esta condição climática.

Dentro das classes de clima, existe ainda a subcaracterização pela ocorrência de deficiência hídrica nas estações do ano, da primavera, verão e outono (Tabela 3), e o período com caracterização de seca, ocorre principalmente, no verão e outono, em alguns locais.

CONCLUSÕES

  • O Rio Grande do Sul, em função da Temperatura média anual - Ta (Camargo (1991)), apresenta clima Temperado e Subtropical.
  • O Rio Grande do Sul, em função da Temperatura média do mês mais frio - Tf (Camargo (1991)), apresenta apenas clima Temperado.
  • Para a área de abrangência do estudo propõe-se a alteração dos valores de Tf (temperatura média do mês mais frio) na classe Temperado de 15 °C para 13 °C e na classe Subtropical Tf, de 15 °C a 20 °C para 13 °C a 20 °C.
  • Propõe-se a criação da classe climática Subtemperado, baseado na alteração dos níveis do parâmetro temperatura da classificação de Camargo (1991)), apresenta clima Temperado e Subtropical.
  • O Rio Grande do Sul, em função da Temperatura média do mês mais frio - Tf (Camargo (1991), para áreas do estado que não se enquadravam como Subtropical, nem como Temperada, considerando-se Ta e Tf.
  • A classe Subtemperada apresenta os seguintes intervalos de temperatura: Ta de 18,1 a 22,0 °C e Tf £13,0 °C.
  • O Rio Grande do Sul, em função da temperatura média anual (Ta) e temperatura média do mês mais frio (Tf) (Camargo (1991) modificada) apresenta clima Temperado, Subtemperado e Subtropical.
  • O Rio Grande do Sul, em função do balanço hídrico, apresenta clima que vai do Superúmido ao Subúmido.
  • As deficiências hídricas no Estado ocorrem na primavera, verão e outono, condições estas que complementam as classes climáticas por umidade.
  • Existe possibilidade de generalizar a utilização da classe climática Subtemperada criada no presente estudo.

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