Ministério da Agricultura e do Abastecimento
Embrapa Trigo ISSN 1517-638X
Pesquisa em Andamento Online
Nº 3, dez./99
Zoneamento agroclimático da macieira no estado do Rio Grande do Sul
Jaime R. T. Maluf 1
Sérgio L. Westphalen 2

A macieira é uma espécie criófila cultivada em regiões de clima temperado frio (Chandler, 1957; Childers, 1961). Desta maneira para que a macieira inicie novo ciclo vegetativo na primavera é necessário que seja exposta a período de baixas temperaturas, já que o frio é fator natural necessário para quebra de dormência das gemas.

No Rio Grande do Sul as tentativas de implantação da macieira ocorreram no início e em meados deste século esbarrando em limitações de ordem técnica e econômica. A partir de 1970, com o sucesso de implantações realizadas no estado de Santa Catarina (municípios de São Joaquim, Friburgo e outros) o interesse por essa cultura foi reativado (Prezotto, 1977; Stedile, 1974; Werner, 1978).

A possibilidade de aplicação de incentivos fiscais da área de florestamento e reflorestamento despertou interesse para que algumas empresas se habilitassem ao cultivo dessa rosácea com implantação de grandes pomares em alguns municípios da Serra do Nordeste, Planalto e Serra do Sudeste no estado do Rio Grande do Sul, com tecnologia absorvida da experiência do projeto PROFIT de Santa Catarina (Petri, 1978; Prezotto, 1977). A área cultivada que girava em torno de 1.000 hectares em 1972, dez anos após alcançava 6.000 hectares e em 1998 a área cultivada era de 10.770 hectares (Bernardi, 1998), com possibilidades de expansão nos próximos anos.

A macieira, como espécie criófila, só apresenta satisfatório grau de adaptabilidade em regiões que apresentem suficiente frio invernal (Bennet,1950; Chandler, 1957; Childers, 1961; Losev & Chirkovi, 1973; Magness & Trub, 1941; Petri & Pasqual, 1982; Samish, 1967). Em geral, a necessidade em frio de cultivares de macieira e outras espécies de rosáceas, tem sido determinado pelo acúmulo de horas de frio abaixo de 7,2 °C (Bennet, 1950; Chandler,1957; Magness, 1941; Mota et al., 1974; Petri & Pasqual, 1982; Thompson, 1974; Weinberger, 1950).

No estado de Santa Catarina, o projeto PROFIT e pesquisas realizadas têm considerado altamente satisfatório o rendimento de frutos por planta obtido no município de São Joaquim, que apresenta um número de horas de frio, de maio a agosto, acima de 600 horas. Os frutos são de ótima qualidade e melhor apresentação que os obtidos nos municípios do Alto Vale do Rio do Peixe (Friburgo, Videira e outros), que apresentam em torno de 100 a 150 horas de frio menos que São Joaquim. Nestas regiões os rendimentos obtidos por plantas são inferiores aos de São Joaquim, porém com produtividade altamente compensatória. Nas regiões do estado de Santa Catarina que apresentam entre 400 a 500 horas de frio a aplicação de produtos químicos para quebra de dormência é recomendada, visando garantir uma melhor brotação das gemas foliares e de frutificação (Petri et al., 1978; Petri & Pasqual, 1982).

No estado Rio Grande do Sul, nas zonas mais frias, o comportamento fenológico da macieira é semelhante ao que acontece no estado de Santa Catarina.

Outros fatores climáticos como radiação solar, umidade e temperaturas noturnas, podem afetar a produção, mas são de difícil obtenção (Tukey, 1974; White, 1953).

Estudo de analogias climáticas do Rio Grande do Sul, com outras regiões produtoras de maçã, como Argentina, na província de Rio Negro, indicam grandes contrastes. Enquanto que em nosso estado, ocorrem excessos hídricos, nas regiões produtoras da Argentina, o clima é seco e caracterizado por precipitações inferiores a 400 mm durante a estação de crescimento. Altos valores de deficiências hídricas são observadas, sendo a irrigação uma necessidade. A temperatura média de verão nestas regiões está entre 20 °C e 21,5 °C. Barradas & Koller (1976) referem que a macieira beneficia-se com precipitações pluviométrica em torno de 1.000 a 1.200 mm anuais, bem distribuídos durante o período vegetativo, e que a exigência mínima é de 700 mm anuais. Nos Estados Unidos da América do Norte, em geral, nas diversas regiões produtoras, a temperatura média de verão é inferior a 22 °C. Verifica-se também produção em regiões com verões com temperaturas médias até 22,9 °C, entretanto com reflexos negativos na apresentação e qualidade dos frutos e no próprio rendimento (Caldwel, 1928; Tukey, 1974).

No estado de Santa Catarina, a macieira é cultivada em climas semelhantes à região do município de Vacaria no Rio Grande do Sul, com níveis de precipitação pluviométrica variando entre 1.400 mm (São Joaquim) a pouco menos de 1.700 mm (Alto Vale do Rio do Peixe).

Apesar de não dispormos de regiões com mais de 900 horas de frio acumulados abaixo de 7,2 °C no inverno, que é a exigência da cultura segundo Magness & Traub (1941), o cultivo de macieira tem se mostrado viável e com resultados satisfatórios em regiões que apresentem pouco mais de 400 horas de frio, tanto em Santa Catarina como no Rio Grande do Sul. Através de dados acumulados por mais de 10 anos no Rio Grande do Sul, verificou-se que localidades com mais de 500 horas de frio abaixo de 7,2 °C de maio a agosto, apresentam em torno de 1.000 horas de frio abaixo de 10 °C, o que de certa forma atende parcialmente a exigência global de frio de cultivares menos exigentes. Por outro lado, para maior eficiência do frio invernal, há necessidade de serem consideradas as temperaturas máximas de inverno, já que quando estas se mantém superiores a 20 °C podem anular o efeito vernalizador das gemas, determinando uma brotação pobre e retardamento na abertura das gemas foliares e floríferas na primavera, acarretando redução na área foliar e frutificação pobre (Childers, 1961; Erez & Lavee, 1971; Samish, 1967; Thompson, 1974).

Petri & Pasqual (1982) referem que a flutuação da temperatura média durante o período de dormência não deve ultrapassar 21 °C por um período de dez dias consecutivos, pois interrompe as reações que estão se processando na planta, fazendo com que frio não seja acumulado, anulando o efeito vernalizador das gemas. Referem que o importante para quebra de dormência não são temperaturas extremamente baixas, mas sim sua regularidade. A época de ocorrência do frio também é de fundamental importância, pois quando ocorre no final ou meados do inverno, é mais eficiente do que o frio que a planta recebe no início.

Ushirozawa (1978) citado por Grellmann (1988) refere que a faixa ideal de temperatura durante o período vegetativo da macieira é de 15 °C a 20 °C e que no verão a temperatura média não deve ser superior a 25 °C. Mencionam ainda que invernos frios são benéficos à macieira, entretanto quando em floração, são muito sensíveis à geadas e temperatura de -2 °C acompanhada de vento é suficiente para destruí-la.

Barradas & Koller (1976) citam que a macieira quando em repouso vegetativo resiste a temperaturas de até 20 °C ou 30 °C abaixo de zero, porém, após o início da brotação, temperatura de -1 °C pode ser altamente prejudicial causando queima das brotações e flores, bem como queima ou queda dos frutinhos. Referem que geadas tardias, com ocorrência após o início da primavera são altamente prejudiciais. Segundo Reis (1972) a macieira exige verões frescos com temperatura ótima entre 18,3 °C e 21 °C, e que acima de 24 °C a qualidade dos frutos decai, e entre 16,6 °C e 17 °C o fruto ainda tem boa cor, mas é de tamanho pequeno.

Nos municípios de Encruzilhada do Sul e Veranópolis, no estado do Rio Grande do Sul, onde o número de horas de frio abaixo de 7,2 °C de maio a agosto é pouco mais de 300 horas, as tentativas de cultivo de macieira, com determinadas cultivares, têm tido relativo sucesso. Nestes municípios a temperatura média das máximas no inverno situa-se entre 17 °C e 18 °C. O tratamento químico para quebra de dormência, no entanto, deve ser sempre utilizado, tendo em vista a possibilidade de um domínio de massas de ar quente durante o inverno, que pode determinar efeito antagônico em determinados períodos e anos, e também, para substituir parcialmente o insuficiente frio invernal, se considerarmos a grande exigência em frio da macieira, relatada por Magness & Traub (1941), Childers (1961), Ledesma (1950) e Gardner (1939).

Segundo Wilsie, 1966 as regiões com maior aptidão para macieira, em geral, apresentam temperatura média de verão inferior a 22 °C. Acima de 24 °C, há efeitos negativos. Entre 22 °C e 23,9 °C, os verões já são demasiadamente quentes, mas a produção é ainda satisfatória.

O trabalho tem como objetivo identificar, delimitar e qualificar áreas com potencial climático para o cultivo de macieira no estado do Rio Grande do Sul, bem como minimizar riscos climáticos à cultura.

Os dados de clima utilizados foram provenientes da rede de estações agrometeorológicas da Equipe de Agrometeorologia da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária - FEPAGRO/SCT/RS e da rede de estações meteorológicas do 8° DISME/INMET/MAA. Os índices agroclimáticos utilizados na elaboração do zoneamento foram, número de horas de frio abaixo de 7,2 °C do período de maio a agosto, temperatura média das máximas mensais de inverno (junho, julho e agosto), temperatura média mensal de verão (dezembro, janeiro e fevereiro) e totais de precipitação anual.

Para delineamento das zonas de maior aptidão agroclimática foram traçadas isolinhas do número médio de horas de frio abaixo de 7,2 °C, de maio a agosto, computados dos gráficos de termógrafos de 23 estações agrometeorológicas pertencentes a Equipe de Agrometeorologia da FEPAGRO/SCT/RS, no período uniforme de observação 1966-1976, perfazendo uma média de 11 anos. Como pontos auxiliares (locais) foram consideradas estimativas de horas de frio a partir da normal climatológica de temperatura média das mínimas (1912/42 e 1931/60) de cada mês, estabelecidas por equações calculadas em mesma região climática. Assim, com a equação de Farroupilha era estimado o número de horas de frio de Caxias e Bento Gonçalves. Foram traçadas isolinhas de temperatura média das máximas de inverno (junho, julho e agosto) baseados nos valores normais e ainda como pontos auxiliares, foram utilizadas estações com valores médios de 11 anos. O mesmo procedimento foi adotado para traçado das isolinhas de temperatura média de verão (dezembro, janeiro e fevereiro). Foram traçadas isoietas anuais, para separar regiões com precipitação superior a 1.800 mm, as quais oferecem maiores problemas na eficiência de tratamentos fitossanitários e provavelmente maior incidência de enfermidades. Todas as regiões do estado que apresentam número de horas de frio acumuladas inferior a 300 horas, foram consideradas inadequadas para cultivo de macieira. Algumas áreas da região da Campanha, que mesmo com número de horas de frio ligeiramente superior a esse nível, mas, que apresentaram temperaturas médias das máximas de inverno e temperaturas médias de verão em níveis não satisfatórios, foram eliminadas. As áreas de zoneamento foram classificadas segundo sua aptidão agroclimática em preferenciais e toleradas.

Para conclusão do trabalho serão elaborados índices de risco com relação à geadas, possível freqüência de ocorrência de granizo, excesso de chuva na floração e frutificação, indicação de regiões com pouco frio para efetiva quebra de dormência procurando-se indicar e recomendar a aplicação de produtos químicos para a quebra de dormência, e recomendação de cultivares com menos exigência em frio.

Foram delimitadas através do zoneamento duas grandes regiões de cultivo, no nordeste e no sudeste-sudoeste do estado (Figura 1). As áreas resultantes do zoneamento, sua classificação e características estão relacionadas na Tabela 1.

As áreas de zoneamento de 1 a 5 localizam-se no nordeste e as áreas de 6 a 11 no sudeste e sudoeste do estado (Figura 1). As áreas de zoneamento 4 e 5, envolvendo parte dos municípios de São Francisco de Paula, Bom Jesus, Jaquirana, São José dos Ausentes e o município de Cambará do Sul, apresentam elevado número de horas de frio, alto grau de efetividade de frio invernal, indicado pelas temperaturas médias das máximas de inverno e temperaturas médias de verão, foram classificadas como toleradas por possuírem níveis de precipitação anual entre 1.900 e 2.400 mm, o que pode lhes conferir maior risco de incidência de moléstias e menor eficiência dos tratamentos fitossanitários. Magness & Traub (1941) em relato apresentado sobre efeitos de alguns parâmetros de clima sobre o desenvolvimento de moléstias da macieira, e sobre efeitos negativos de períodos chuvosos nos cultivos de macieira, observados em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, referem que diminui muito a eficiência do controle fitossanitário sob condições de altos valores de precipitação pluvial.

As áreas de zoneamento 8, 10 e 11 localizadas na região sul do estado sofrem restrições por apresentarem verões quentes. Estas áreas estão circundadas por isoietas anuais de 1.300 a 1.500 mm, que contribui para maior eficiência dos tratamentos fitossanitários se comparadas com as zonas do nordeste do Rio Grande do Sul.

Alguns trabalhos, como os de Reis (1978), Stedile & Nadal (1974), Werner et al. (1978) têm indicado as regiões de cultivo baseado em dados climáticos ou por indicadores ecológicos de presença do cultivo em uma região.

As áreas de zoneamento indicadas neste trabalho, de modo geral, estão de acordo com a realidade encontrada nas regiões de expansão do cultivo de macieira no estado, com boa concordância climática com locais similares, no estado de Santa Catarina, onde o cultivo apresenta resultados econômicos tido como satisfatórios. A metodologia utilizada classificou as áreas de zoneamento nos níveis de aptidão preferencial e tolerada. As demais áreas com classificação diferente destas, como as marginais e as de cultivo não recomendado, foram consideradas desaconselháveis para qualquer atividade econômica com cultivo de macieira, e portanto não estão caracterizadas e delimitadas no mapa de zoneamento aparecendo apenas como área 12 (Figura 1). Cabe ainda destacar, no município de Quaraí, o vale superior e médio do rio Quaraí, dada as suas peculiaridades topoclimáticas, favoráveis à inversão térmica e devido ao seu grau de continentalidade, foi o local que maior número de horas de frio (maio a agosto) acumulou, no período 1966-1976, com total de 565 horas de frio abaixo de 7,2 °C.

Na aplicação do presente zoneamento, tratando-se de uma primeira aproximação, é importante a adoção de medidas acauteladas, especialmente em áreas sem tradição de cultivo, no sentido de, antes que se fomente o cultivo de macieira, se façam pesquisas e se implantem áreas demonstrativas testando a tecnologia disponível para seu cultivo nessas novas áreas. Por outro lado deve-se dar preferência à cultivares de baixa exigência em frio, recomendando-se sempre uso de produtos químicos para quebra de dormência.


1 Pesquisador da Embrapa Trigo. Caixa Postal 451, 99001-970 Passo Fundo, RS.
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