Embrapa Trigo

Dezembro, 2002
Passo Fundo, RS

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Aspectos técnicos na elevação do rendimento de grãos das culturas no Brasil, em plantio direto

Henrique Pereira dos Santos1
Renato Serena Fontaneli2

Há mais de trinta anos, técnicos baseados em observações de lavouras e de experimentos, definiram ser a rotação de culturas o principal meio para alcançar maior estabilidade de rendimentos de grãos na cultura de trigo, no Rio Grande do Sul (Kalckmann & Oliveira, 1962; Patella & Kalckmann, 1963; Kalckmann, 1970). De acordo com pesquisas desenvolvidas na época, a prática de rotação de culturas, seria a única medida fitossanitária de que se disporia para evitar a forte pressão de inóculo de determinados patógenos. Constituir-se-ia ainda em estratégia para reduzir custos de produção das lavouras, além de promover a diversificação de culturas e a conseqüente diminuição de risco. Seria, também, fator de manutenção ou mesmo de melhoria da fertilidade e de conservação do solo.

Durante algum tempo (1965 a 1974), houve falta de continuidade de trabalhos de pesquisa nessa área, pois a atenção estava voltada principalmente para a cultura de soja, cujo grão alcançava preço elevado no mercado, bem como para o pacote tecnológico dessa época, que recomendava utilização de fungicidas no controle de doenças de trigo.

A partir de 1975, a Embrapa Trigo iniciou pesquisas com espécies alternativas, visando a estudar os efeitos da prática de rotação de culturas no comportamento de cinco espécies alternadas: trigo, cevada (no inverno), soja, milho e sorgo (no verão). Santos et al. (1990a), avaliando sistemas de rotação para trigo, verificaram que este cereal apresentou maior rendimento de grãos, quando alternado com tremoço branco (Lupinus albus L.) e com canola (Brassica napus L.), do que com aveia branca e com linho. Isso, naquela época, possibilitou semear trigo com intervalo de dois invernos entre cultivos.

Constatou-se que a monocultura de trigo afetava negativamente o rendimento de grãos e os componentes de rendimento. Santos et al. (1990a), observaram que nos sistemas de rotação com trigo após canola, linho e tremoço ou serradela (Ornithopus sativus Brot.); trigo após aveia e ervilhaca; trigo após canola, cevada e tremoço ou serradela, o rendimento de grãos, o peso de grãos e o peso do hectolitro de trigo foram superiores aos da monocultura. Análise posterior no mesmo experimento por Santos et al. (1990b), confirmaram esses resultados. Da mesma forma, a intensidade das doenças do sistema radicular de trigo diminuia à medida que aumentava o período de rotação. Isso, confirma a importância rotação de culturas para trigo.

No período entre 1985 a 1989, foram pesquisados sistemas de rotação de culturas na Embrapa Trigo, envolvendo também aveia branca e aveia preta para produção de grãos, e aveia preta e azevém (Lolium multiflorum Lam.) para pastagens. Trigo em sistemas de rotação de culturas com aveia branca e aveia preta para grãos, não apresentou diferenças significativas entre as médias de rendimento de grãos (Santos & Reis, 1995). Porém, a severidade das doenças do sistema radicular de trigo mostrou diferenças significativas entre sistemas de rotação nos anos estudados. Os valores mais elevados de doenças do sistema radicular ocorreram na monocultura de trigo, em comparação com os demais tratamentos. Isso, indicou que, as aveias branca e preta podem ser cultivadas, alternadamente, com a cultura de trigo.

Em trigo cultivado em rotação com pastagem de aveia preta e com azevém, Santos & Reis (1994), não encontraram diferenças significativas entre as médias para rendimento de grãos e para severidade das doenças do sistema radicular de trigo, porém, nesse experimento, as plantas de aveia preta e de azevém foram cortadas simulando efeito de pastejo. No ano de 1988, em ensaio com trigo em rotação por dois anos consecutivos com azevém, foram encontrados valores estatisticamente superiores quanto à severidade de doenças do sistema radicular (70 %), em relação aos demais tratamentos (43 e 31 %), inclusive ao da monocultura de trigo (51 %). Isso, indicou que, a cultura de azevém não deve anteceder a cultura de trigo

Em ambos os experimentos (Santos & Reis, 1994; 1995), os anos foram considerados climaticamente dentro da normal pluvial para a região de Passo Fundo. Isto permitiu que as doenças do sistema radicular de trigo se manifestassem com severidade relativamente baixa e apenas nas fases menos críticas da cultura. Quando as condições climáticas se manifestaram anormais (excesso de umidade), as doenças do sistema radicular de trigo ocorreram, na totalidade das plantas em monocultura. Daí a importância de rotação de culturas, no controle das doenças do sistema radicular de cereais de inverno, em anos com excesso de precipitação pluvial.

Desta maneira, do ponto de vista fitopatológico, tanto a aveia branca quanto a aveia preta podem ser cultivadas em diferentes sistemas alternando com a cultura de trigo, pois ambas são, praticamente imunes ao mal-do-pé e apresentam baixa infecção de podridão comum (Fernandez & Santos, 1990). O uso de azevém nos sistemas de produção deve ser evitado na rotação com trigo, pois, além de perpetuar a podridão comum, pode se tornar planta daninha para a cultura seguinte, além de reduzir o rendimento de grãos de trigo.

Em outro trabalho desenvolvido em Passo Fundo, RS, por Santos et al. (1998b) foi verificado que o rendimento de grãos de trigo diferiu significativamente entre os sistemas de rotação. Menor rendimento de grãos ocorreu na monocultura de trigo (2,24 t ha-1), em relação a um inverno (trigo e ervilhaca 3,51 t/ha), a dois invernos (trigo, aveia branca e ervilhaca 3,41 t ha-1) e a três invernos sem trigo (trigo, girassol (Heliantus annuus L.) ou aveia preta, aveia branca e ervilhaca 3,63 t ha-1), a dois invernos sem e dois com trigo (trigo, trigo, aveia branca e ervilhaca 3,48 e 3,29 t ha-1) e a três invernos sem e dois com trigo (trigo, trigo, girassol ou aveia preta, aveia branca e ervilhaca 3,56 e 3,53 t ha-1). Por outro lado, os valores mais elevados de severidade de mal-do-pé e de podridão comum ocorreram na monocultura (50 %), em comparação aos sistemas de rotação sem trigo, em um inverno (13 %), dois invernos (10 %) e três invernos (10 %), dois invernos sem e dois com trigo (13 e 16 %) e três invernos sem e dois com trigo (12 e 19 %). Deve ser levado em conta que, nesses trabalhos, as culturas de inverno foram estabelecidas sob preparo convencional de solo com aração e gradagens e as culturas de verão, sob plantio direto.

Em trabalhos com sistemas de rotação de culturas para trigo e para cevada, em plantio direto, no estado do Paraná, Santos et al., (1995; 1996) observaram diferenças significativas entre as médias para rendimento de grãos, severidade de doenças do sistema radicular e componentes do rendimento (número de espiguetas, número de grãos e peso de grãos por planta). Por outro lado, em trabalhos desenvolvidos para o estado do Rio Grande do Sul, o menor rendimento de grãos ocorreu na monocultura de cevada (2,75 t ha-1) ou de trigo (3,01 t ha-1), em relação a um inverno (cevada e ervilhaca ou aveia branca: 3,06 t ha-1; trigo e ervilhaca ou aveia branca: 3,36 t ha-1), a dois invernos (cevada, ervilhaca e aveia branca: 3,16 t ha-1; trigo, ervilhaca e aveia branca: 3,49 t ha-1) e a três invernos sem essas gramíneas (cevada, ervilhaca, linho e aveia branca: 3,34 t ha-1; trigo, serradela ou ervilhaca, cevada e aveia branca: 3,36 t ha-1). Os valores mais elevados de severidade de mal-do-pé e de podridão comum manifestaram-se nas monoculturas de cevada (32 %) e de trigo (39 %), em comparação àqueles obtidos com rotações que tenham um inverno (15 e 15 %), de dois invernos (15 e 13 %) e três invernos sem esses cereais (15 e 15 %), respectivamente.

Isso demonstra que sistemas de rotação de culturas com espécies não-suscetíveis reduz os inconvenientes do sistema plantio direto, em relação ao aumento de doenças, por diminuir a velocidade de decomposição dos resíduos vegetais, na superfície do solo. Como no estado do Rio Grande do Sul, a intensidade de doenças do sistema radicular, que no sistema plantio direto manifestou-se com menor intensidade, é todavia, mais elevada na monocultura destes cereais, do que em comparação aos demais sistemas que dispunham de rotação de culturas. No caso de trigo, o rendimento de grãos diminuiu linearmente com o aumento do grau de severidade das doenças do sistema radicular (r2 = 0,92), durante o período de 1987 a 1993.

Com base nos trabalhos de Santos et al. (1995; 1996; 1998a) fica evidente que com um inverno de rotação de culturas, sob sistema plantio direto e utilizando-se espécies não suscetíveis, a severidade das doenças prevalecentes no sistema radicular de cevada ou de trigo e a redução no rendimento de grãos na monocultura são minimizados. Por outro lado, foi demonstrado que rotações com um inverno sem trigo ou sem cevada podem ser indicadas no sistema de produção.

Em Cruz Alta, RS, Ruedell (1995), estudou sistemas de rotação de culturas para trigo, sob dois sistemas de manejo de solo. O autor verificou que tanto no plantio direto como no preparo convencional de solo, trigo beneficiou-se da rotação de culturas e produziu mais. Nos dois sistemas de cultivo, trigo em rotação de culturas apresentou maior rendimento de grãos do que em monocultura. Sob plantio direto, maior rendimento de grãos foi observado com dois invernos de rotação para trigo (trigo, aveia branca e aveia preta + ervilhaca pastejadas: 2,56 t ha-1). O sistema com um inverno de rotação (trigo e aveia branca: 2,40 t ha-1) apresentou rendimento de grãos inferior, enquanto que a monocultura de trigo (1,88 t ha-1) mostrou menor rendimento de grãos.

Em trabalho conduzido com soja, em Passo Fundo, RS, essa leguminosa quando cultivada após canola ou em monocultura sucedendo trigo, apresentou menor rendimento de grãos (Santos & Reis, 1991). Cumpre salientar que o intervalo necessário de vinte dias entre a colheita de canola e a semeadura de soja não foi mantido. Santos & Tonet, (1997), constataram que soja cultivada em monocultura apresentou menor rendimento de grãos, em comparação com soja em rotação de culturas por um verão. Ruedell (1995), observou que soja em rotação de culturas produziu mais do que em monocultura, tanto no plantio direto como no preparo convencional de solo. Nestes trabalhos, ficou demonstrado que, as cultura que antecedem soja e a rotação de culturas, também, são importantes para desempenho dessa leguminosa.

Em Londrina, PR, Derpsch et al. (1991), mostraram a influência de três sistemas de rotações de culturas e da adubação com nitrogênio sobre o rendimento de grãos de milho. O rendimento de milho sem adição de N foi mais do que duplicado na rotação trigo/soja-tremoço/milho (6,13 t ha-1), comparado com milho/pousio (2,56 t ha-1). Adicionando 90 kg/ha de N, o rendimento de milho em monocultura aumentou a 6,28 t ha-1. Isto significa que, o efeito de rotação de culturas, principalmente a contribuição de nitrogênio pelo tremoço que antecedeu a cultura de milho, equivale, aproximadamente, a uma fertilização com 90 kg/ha de N. O elevado rendimento de milho, sem nitrogênio na rotação com quatro culturas, sugere que a fixação biológica de nitrogênio pela soja e especialmente, pelo tremoço que antecedeu milho, fazem desnecessária a fertilização nitrogenada de cobertura para milho.

Varvel (1994), nos Estados Unidos da América, trabalhando com sistemas de rotação de culturas com milho, obteve diferenças significativas no rendimento de grãos, a favor dessa prática, em comparação com a monocultura dessa gramínea. Deve ser levado em conta que, nesse estudo foi cultivada somente uma ou duas espécies por safra agrícola, ou seja, aveia branca + trevo vermelho (Trifolium pratense L.) + meliloto (Melilotus officinalis Lam.), ou sorgo, ou soja, ou milho. Nas condições de Sul do Brasil, podem ser cultivadas uma espécie no inverno e outra no verão, no mesmo ano agrícola.

A rotação de culturas, além de estabilizar o rendimento de grãos, promove diversificação de culturas e, como conseqüência, diminui o risco de insucesso do agricultor. A rotação de culturas é eficiente no controle das doenças do sistema radicular de cevada e de trigo. Essa prática viabiliza o sistema plantio direto.


1 Eng.-Agr., Dr., Pesquisador da Embrapa-Centro Nacional de Pesquisa de Trigo (CNPT), Caixa Postal 451, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS. Bolsista CNPq-PQ. E-mail:hpsantos@cnpt.embrapa.br

2 Eng.-Agr., Ph.D, Embrapa Trigo e Professor Titular da FAMV-UPF. E-mail: renatof@cnpt.embrapa.br


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