Embrapa Trigo

Dezembro, 2002
Passo Fundo, RS

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Aspectos biológicos na elevação do rendimento de grãos das culturas no Brasil, em plantio direto

Henrique Pereira dos Santos1
Renato Serena Fontaneli2

Tem sido observado, em experimentos, conforme o uso intensivo da monocultura de trigo em áreas livres de doenças do sistema radicular (mal-do-pé e podridão comum), que o rendimento de grãos somente começa a declinar, com maior intensidade, após o terceiro ou quarto ano de cultivo. Nota-se, ainda, que a maior ou menor incidência dessas doenças do sistema radicular estaria ligada não só a monocultura de trigo, mas também seria dependente das culturas anteriores e do sistema de manejo de solo da área em que está implantado este modelo (Santos et al., 1993). A maior ou menor incidência das doenças do sistema radicular dos cereais de inverno pode, portanto, ser variável, de um ano para outro (Santos et al., 1996).

A viabilidade e a distribuição das culturas bem, como o rendimento anual, dependem, em grande parte, do clima (Matzenauer, 1992). Esta afirmação tem sido especialmente válida, no Brasil, quando se refere à cultura de trigo. Quando ocorrem condições desfavoráveis, isto é, chuva freqüente e temperatura ideal para desenvolvimento de doenças na parte aérea durante as fases críticas da cultura, o rendimento de grãos apresenta tendência de diminuição (Reis, 1991; Santos et al., 1996).

Os efeitos de sistemas de rotação de culturas são melhor demonstrados, em anos com excesso de precipitação pluvial, como, por exemplo, os ocorridos em Passo Fundo, RS, em 1982 (Santos, 1991) e em Guarapuava, PR (Santos et al., 1996). Nestas condições adversas, a rotação de culturas, propicia maior estabilidade no rendimento e segurança ao produtor na formação de sua renda agrícola.

De 1987 a 1993, a severidade das doenças do sistema radicular, em Guarapuava, PR, mesmo em anos considerados críticos para a cultura (1990, 1992 e 1993), atingiu valor relativamente inferior ao observado em Passo Fundo, RS (Santos, 1991; Reis & Kohli, 1994). De acordo com Santos (1991), isso pode ser explicado pela maior altitude de Guarapuava, PR (1.095 m), em relação à Passo Fundo, RS (682 m). Como a temperatura mantém-se mais baixa em Guarapuava, o desenvolvimento dos agentes causais do mal-do-pé e da podridão comum foi restringido.

Estudos conduzidos na Embrapa Trigo, a partir de 1980 (Santos et al., 1993), orientados para estudar sistemas de rotação de culturas revelaram que o rendimento de grãos de trigo, após dois anos, no modelo monocultura, tornou-se, praticamente nulo (safra 1982). O rendimento de grãos melhorou consideravelmente, nos anos 1984 a 1987 (Santos et al., 1990), pelo preparo de solo com arado de aivecas, associado a condições climáticas favoráveis. Em 1988, o rendimento de grãos de trigo, continuou, relativamente elevado (1,90 t/ha) na monocultura de trigo, mas já em solo preparado com arado de discos e clima semelhante ao dos anos anteriores (Reis, 1991). Nesse ano, a doença manifestou-se em nível baixo. Notou-se, também, que as doenças do sistema radicular estavam se manifestando em menor intensidade e nas fases menos críticas da cultura. Mesmo nessas condições, as doenças do sistema radicular ocorreram com maior intensidade na monocultura de trigo (44 %), em comparação aos demais sistemas que envolvem rotação de culturas (trigo/soja, colza/soja, cevada/soja e leguminosa/milho; e trigo/soja, colza/soja, linho/soja e leguminosa/milho).

Em estudo desenvolvido por Santos et al. (1996), em Guarapuava, PR, sob plantio direto, também foi demonstrado que os efeitos benéficos da rotação de culturas foram mais evidentes em invernos com excesso de precipitação pluvial e, portanto, mais favoráveis ao desenvolvimento das doenças. Nos anos, 1987 e 1991, quando a precipitação pluvial (568 mm e 590 mm, respectivamente) esteve acima da média requerida para trigo [em Ponta Grossa, PR, para semeadura no mês de junho é de 269 a 311 mm (Oliveira, 1990)] , não houve diferenças significativas entre as médias de rendimento de grãos nos sistemas de rotação estudados. Contudo, nos anos: 1990, 995 mm; 1992, 863 mm; e 1993, 1.026 mm, em que a precipitação pluvial esteve acima da normal (849 mm), houve diferenças significativas entre as médias de rendimento de grãos dos sistemas de rotação. Trigo produziu menos em monocultura (2,48 t/ha) do que com um (3,61 t/ha), dois (3,68 t/ha) e três invernos sem esse cereal (3,52 t/ha).

A Embrapa Trigo vem desenvolvendo trabalhos em diferentes sistemas de manejo de solo e sistemas de rotação de culturas para trigo, desde 1986 (Santos et al., 2000). Nos estudos do ano de 1988, destacou-se o rendimento de grãos de trigo mais elevado sob plantio direto (2,18 t/ha) e sob cultivo mínimo (2,19 t/ha), em relação ao sistema convencional de preparo de solo, caracterizado pelo uso de arado de discos (1,91 t/ha) e arado de aivecas (1,91 t/ha), ano relativamente seco, no inverno. Contudo, não houve diferenças significativas entre médias de rendimento de grãos de trigo e os diferentes sistemas de rotação de culturas. Por outro lado, nesse mesmo ano, a monocultura de trigo apresentou valores de intensidade de doenças do sistema radicular mais elevado (37 %) do que nos sistemas com um (22 %) ou com dois invernos de rotação (21 %). Para os sistemas de manejo de solo (plantio direto, cultivo mínimo e preparo convencional de solo com arado de discos e com arado de aivecas), não houve diferenças significativas entre as médias para as doenças do sistema radicular de trigo.

A mancha amarela da folha de trigo (Drechslera tritici-repentis) cuja incidência aumenta com adoção de sistema plantio direto, começou a se destacar nesse experimento, a partir de 1989 (Prestes et al., 2002). Houve maior intensidade de mancha amarela da folha de trigo (25 %) no plantio direto e no cultivo mínimo (24 %), em comparação com o sistema convencional de preparo de solo, com arado de aivecas (17 %) e com arado de discos (21 %). Além disso, a mancha amarela da folha apresentou maior intensidade na monocultura de trigo, em comparação à rotação por um ou dois invernos sem trigo.

Os resultados para rendimento de grãos de trigo, de 1988 a 1997 em relação aos diferentes sistemas de manejo de solo, ou seja, os tratamentos de trigo estabelecidos sob plantio direto (2,73 t ha-1) e cultivo mínimo (2,66 t ha-1), mostram que, nesses sistemas, trigo teve maior rendimento que sob sistema convencional de preparo de solo (arado de discos: 2,46 t ha-1 e de aivecas: 2,41 t ha-1) (Santos et al., 2000). Deve ser levado em conta, que o trigo foi semeado em três sistemas (monocultura, um e dois invernos sem a cultura). Grande parte dessa diferença pode ser atribuída ao não revolvimento do solo e à manutenção de cultivo mínimo, pois na maioria dos anos houve períodos relativamente secos durante o crescimento e desenvolvimento pleno de trigo, nesses casos, as lavouras enfrentaram menor estresse hídrico.

Também, houve diferenças significativas entre médias do rendimento de grãos de trigo para os diferentes sistemas de rotação de culturas. A monocultura de trigo apresentou menor rendimento de grãos de trigo (2,20 t/ha). A rotação com um inverno sem trigo situou-se em posição intermediária (2,62 t/ha), sendo que a rotação com dois invernos sem trigo destacou-se (2,87 t/ha) (Santos et al., 2000).

Com relação à intensidade das doenças do sistema radicular de trigo ocorreram diferenças significativas entre médias para sistemas de manejo de solo e sistemas de rotação de culturas. O plantio direto (23%), o cultivo mínimo (24%) e o sistema convencional de preparo de solo com arado de discos (25%) apresentaram valor mais elevado para a intensidade de doenças do sistema radicular, do que o sistema convencional de preparo de solo com arado de aivecas (20%) (Santos et al., 2000). A explicação para isso, pode estar relacionada ao fato que o sistema convencional de preparo de solo com arado de aivecas tenha provocado o enterrio dos resíduos vegetais que continham as doenças a maior profundidade, acelerando a decomposição e destruindo as fontes de propagação no solo.

A monocultura de trigo (33%) apresentou valor mais elevado para intensidade de doenças do sistema radicular do que os sistemas com um (18%) ou com dois invernos de rotação (17%). No período de 1988 a 1997, tanto os sistemas de manejo de solo como os sistemas de rotação de culturas apresentaram valor relativamente baixo para severidade de doenças do sistema radicular, em comparação com outros trabalhos conduzidos pela Embrapa Trigo.

A incidência e a severidade da mancha amarela (Drechslera triticici-repentis), de helmintosporiose (Bipolaris sorokiniana) e de septoriose (Septoria nodurum) foram avaliadas em quatro estádios da cultura de trigo (afilhamento, alongamento, emborrachamento e floração). O número de dias entre uma avaliação e outra, variou de um ano para outro. A incidência e a severidade das manchas foliares foram maiores sob monocultura e sob plantio direto, principalmente nos estádios de afilhamento e de alongamento de trigo. De maneira geral, a menor incidência e severidade das doenças foliares de trigo ocorreu na condição de rotação de culturas por um ou dois invernos. A intensidade das doenças foi proporcional à quantidade de resíduos vegetais remanescentes em função de sistemas de manejo de solo. Nestas situações, a emergência de trigo ocorreu junto aos resíduos vegetais de culturas infectadas, o que garantiu a inoculação das plântulas desde a emergência. A explicação de porque não houve diferenças para os demais estádios, apesar de serem doenças policíclicas, pode ser devido a taxa de infecção (R) que diminui de forma curvilinear à medida que a infecção progride (Fernandes & Fernandez, 1991; Berger et al., 1995).

De acordo com Fernandes & Fernandez (1991), as doenças policíclicas (helmintosporiose e septoriose) podem completar vários ciclos de vida numa mesma planta, uma vez instaladas nessa. O patógeno produz uma nova geração de esporos a cada 7 a 10 dias.

Isto vem demonstrar, também, o efeito benéfico de sistemas de rotação de culturas e de sistemas de manejo de solo no controle de doenças da parte aérea da planta de trigo. Pelo exposto pode-se visualizar que a rotação de culturas permite controle natural de doenças de trigo, sem uso de produtos químicos específicos, ou pelo menos, reduzindo drasticamente o uso destes.

Deve-se salientar que os trabalhos desenvolvidos na região Sul do Brasil, diferem dos do restante do mundo, com alguma exceção, pois nessa região são cultivados duas safras por ano agrícola, ambas dispensando irrigação artificial.


1 Eng.-Agr., Dr., Pesquisador da Embrapa-Centro Nacional de Pesquisa de Trigo (CNPT), Caixa Postal 451, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS. Bolsista CNPq-PQ. E-mail:hpsantos@cnpt.embrapa.br

2 Eng.-Agr., Ph.D, Embrapa Trigo e Professor Titular da FAMV-UPF. E-mail: renatof@cnpt.embrapa.br


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