Embrapa Trigo

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Novembro, 2002
Passo Fundo, RS

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Mecanismos de Resistência das Pragas de Grãos Armazenados

Irineu Lorini1
Helenara Beckel2

A resistência a inseticidas está aumentando mundialmente e constitui um dos mais complexos problemas de controle de pragas na atualidade. Já foram documentadas 447 espécies de insetos e de ácaros que desenvolveram resistência a um ou mais grupos químicos e orgânicos (Georghiou & Mellon, 1983; Georghiou, 1986; Roush & Tabashnik, 1990). O primeiro caso de resistência foi relatado por Melander (1914), na cochonilha de São José ao enxofre, o qual foi seguido de apenas 12 casos nos 30 anos subseqüentes. Porém, com a introdução do DDT, o interesse e o estudo sobre resistência aumentaram, abrangendo os diferentes grupos de inseticidas, como clorados, fosforados, carbamatos e piretróides (Georghiou, 1983). Até 1984 foram encontradas 276 espécies resistentes aos ciclodienos e 233 ao DDT, entre os clorados, 212 aos organofosforados, 64 aos carbamatos, 32 aos piretróides e 11 aos fumigantes. Espécies multirresistentes são comuns, apresentando vários mecanismos de resistência a diferentes grupos químicos (Georghiou, 1986).

Entre as muitas ordens de insetos envolvidos em resistência, existem alguns exemplos notáveis, tais como a resistência ao inseticida microbiano Bacillus thuringiensis pela mariposa Plutella xylostella (L.) (Tabashnik et al. 1991) e a resistência a inseticidas reguladores de crescimento de insetos por muitas espécies de Coleoptera, de Lepidoptera, de Homoptera, e de Diptera (Sparks & Hammock, 1983).

Classicamente, existem três mecanismos envolvidos na resistência de insetos a inseticidas químicos e orgânicos, que são: redução da penetração do inseticida pela cutícula do inseto; detoxificação ou metabolização do inseticida por enzimas; e redução da sensibilidade no sítio de ação do inseticida no sistema nervoso (Narahashi, 1983; Oppenoorth, 1985; Anônimo, 1986; Soderlund & Bloomquist, 1990).

As barreiras de penetração nos insetos são um mecanismo de resistência viável e a redução da penetração do inseticida pela cutícula é efetiva, quando associada ao mecanismo de defesa metabólico, e mais eficaz ainda contra inseticidas prontamente degradáveis (Matsumura, 1983; Chen & Mayer, 1985). A base genética desse mecanismo está relacionada a genes secundários, como o gene pen da mosca doméstica. Este localiza-se no cromossomo III e é recessivo. Normalmente esse gene confere pouca ou nenhuma resistência na ausência de outro mecanismo de resistência e provavelmente não causa, por si só, expressivas falhas de controle (Plapp & Wang, 1983; Roush & Daly, 1990).

O metabolismo ou detoxificação é importante, e provavelmente o mais estudado, mecanismo de resistência de insetos a inseticidas. Esse mecanismo permite ao inseto modificar ou detoxificar o inseticida a uma taxa suficiente para prevenir a ação no sítio-alvo (Fukuto & Mallipudi, 1983). A degradação do inseticida pode ocorrer por vários processos metabólicos, nos quais o produto é convertido em uma forma não tóxica ou mesmo eliminado rapidamente do corpo do inseto. Várias enzimas e sistemas enzimáticos estão envolvidos, como esterases, oxidases, transferases e outras enzimas que aumentam eficiência ou quantidade nas raças resistentes (Oppenoorth, 1984; Yu & Nguyen, 1992). Cada enzima é mais específica para um tipo ou grupo de inseticidas. A resistência associada a esses processos é controlada primariamente por genes localizados no cromossomo II na mosca doméstica e parece ser herdada de uma maneira intermediária a incompletamente dominante (Plapp & Wang, 1983).

O terceiro mecanismo de resistência, ou seja, a redução na sensibilidade do sistema nervoso, é caracterizado por três diferentes processos (Lund, 1985). Na resistência por "knockdown" (gene kdr) na mosca doméstica existe uma demora na resposta do nervo do inseto a inseticidas piretróides e ao DDT (Chang & Plapp, 1983; Miller et al., 1983). O mecanismo neurotóxico kdr envolve uma seletiva modificação na sensibilidade do canal de sódio, o qual é considerado o principal sítio de ação de piretróides e do DDT (Plapp & Wang, 1983; Soderlund & Bloomquist, 1990). Esses autores registraram que o gene kdr é recessivo e incluem o super-kdr alelo, que confere maior resistência que o gene kdr. Na mosca doméstica, Williamson et al. (1997) sugeriram que o Kdr é originado pela substituição de um único aminoácido, leucina por fenilalanina, na região do segmento ll S6 do canal de sódio, enquanto uma substituição adicional de metionina por treonina na proximidade da ligação II S4 - II S5, é responsável pelo aumento da resistência do gene super Kdr. Outro mecanismo que altera o sistema nervoso é a insensibilidade da acetilcolinesterase para inseticidas organofosforados e carbamatos. Assim, na mosca doméstica, o gene responsável por esse tipo de resistência está localizado no cromossomo II (Hama, 1983; Plapp & Wang, 1983; Devonshire & Moores, 1984; Soderlund & Bloomquist, 1990; Byrne & Devonshire, 1993). O último tipo desses processos confere resistência aos inseticidas ciclodienos, e o gene responsável está localizado no cromossomo IV (Plapp & Wang, 1983).

Um quarto mecanismo que recentemente vem sendo estudado em insetos é a alteração comportamental provocada pelos químicos. O comportamento de uma praga na superfície tratada com inseticida é um fator biológico que pode influenciar a seleção para resistência ao inseticida, acrescendo-se aos fatores genéticos e operacionais da resistência (Georghiou, 1983).

Os efeitos dos inseticidas sobre o comportamento dos insetos têm sido verificados pela repelência de inseticidas exercida sobre as pragas (Hodges & Meik, 1986) e por alterações de comportamento provocadas pelos químicos (Lorini & Galley, 1998; Beckel, 2000). Inseticidas que agem diretamente sobre o sistema nervoso central ou periférico (DDT e piretróides) podem, provavelmente, irritar mais ou repelirem coleópteros de produtos armazenados. Os químicos com modo de ação enzimática, isto é, inibidores de acetilcolinesterase (carbamatos e organofosforados), podem exercer repelência com menor intensidade (Collins et al. 1988).

O conhecimento do comportamento das pragas em relação aos inseticidas vem contribuindo consideravelmente para a compreensão da reincidência dos insetos na massa de grãos, logo após o tratamento químico, e sua sobrevivência em produtos armazenados (Pinniger, 1974), sendo essencial na formulação de estratégias para o manejo de pragas de produtos armazenados (Sinclair & Alder, 1985).

A resistência em pragas de produtos armazenados, no Brasil, tem assumido destacada importância nos últimos anos. Para as principais pragas de grãos armazenados, como Rhyzopertha dominica, Sitophilus oryzae, Sitophilus zeamais, Tribolium castaneum, Cryptolestes ferrugineus e Oryzaephilus surinamensis, já foram detectadas raças resistentes, no Brasil, aos inseticidas químicos usados para controle (Tabela 1). Isso evidencia a necessidade urgente de adotar o manejo integrado de pragas no armazenamento (Lorini, 2001), para que esses inseticidas sejam preservados pelo maior tempo possível, haja vista a grande dificuldade de substituição desses produtos. Dessa forma, o manejo da resistência de inseticidas no ambiente de armazenagem de grãos é prática essencial, pois é muito difícil controlar uma praga depois de tornar-se resistente a um produto químico. O manejo adequado pode reduzir o número de espécies resistentes ou, no mínimo, retardar o aparecimento do problema da resistência (Lorini, 1997). Por outro lado, a resistência de parasitóides de pragas de produtos armazenados a inseticidas (Lorini & Galley, 1997) poderá ser empregada como estratégia de controle de pragas, complementar ao controle químico convencional. Em grãos armazenados existem muitos agentes biológicos capazes de eliminar pragas, como Teretriosoma nigrescens (Coleoptera: Histeridae), um predador de Prostephanus truncatus que pode também reduzir populações de Dinoderus minutus e de Rhyzopertha dominica (Rees, 1991) e o ácaro Acarophenax lacunatus (Acari: Acarophenacidae), que tem eliminado muitos ovos de R. dominica, reduzindo a população deste inseto em até 90 % (Padilha & Faroni, 1993; Matioli et al. 1995), entre outros.

A resistência de pragas a inseticidas é um exemplo de evolução de espécies, demonstrando como podem sobreviver e mudar fisiologicamente sob pressão dos químicos que selecionam geneticamente. Como exemplo, a resistência da praga de grãos armazenados R. dominica ao inseticida piretróide deltamethrin (Lorini & Galley, 1996; 1999; 2001) e a resistência cruzada da mesma praga aos inseticidas pirimiphos-methyl, chlorpirifos-methyl e permethrin (Lorini & Galley, 2001) resultaram da associação dos mecanismos de resistência metabólicos e na redução da sensibilidade do sistema nervoso. A provável explicação genética desse tipo de resistência cruzada pode ser o envolvimento de diferentes genes nos dois padrões de resistência. Quando a praga foi selecionada com inseticidas piretróides, um gene que aumentou a tolerância aos piretróides, mas não aos organofosforados, foi envolvido. Mas quando houve seleção com inseticidas organofosforados, um outro gene, que aumentou a tolerância para ambos piretróides e organofosforados, foi o envolvido. Então, esses dois genes diferentes podem ser responsáveis pela resistência (Lorini, 1997).

Em razão de falhas de controle de formulação comercial de deltamethrin para grãos armazenados, os diferentes insetos coletados em diversas unidades armazenadoras de grãos foram submetidos ao teste de resistência, que inicialmente evidenciou um fator de resistência de 874 vezes. Após nove e 21 gerações de seleção, em laboratório, com esse inseticida, o fator de resistência aumentou para 9.036 e 29.937 vezes, respectivamente, entre os mais suscetíveis e os resistentes. Essa resistência é explicada parte pelo mecanismo metabólico, pelo uso dos bloqueadores enzimáticos butóxido de piperonila e DEF, parte pela mudança no comportamento das raças resistentes e parte pela redução da sensibilidade do sistema nervoso do inseto, em virtude da provável mudança na permeabilidade da membrana do canal de sódio (Lorini, 1997; Lorini & Galley, 1998; 2000 a; b).


1Pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa de Trigo, da Embrapa, Caixa Postal 451, 99001-970 Passo Fundo, RS. E-mail:ilorini@cnpt.embrapa.br  www.cnpt.embrapa.br/armazena
2Estudante de Doutorado, Convênio Embrapa Trigo - Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curso de Pós-graduação em Entomologia. Curitiba, PR.

 


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