Embrapa Trigo

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Dezembro, 2001
Passo Fundo, RS

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CONTRIBUIÇÃO DAS CULTIVARES DE TRIGO DE STRAMPELLI PARA O MELHORAMENTO DE TRIGO NO BRASIL

Cantídio Nicolau Alves de Sousa1

Nazareno Strampelli nasceu em Crespiero di Castelraimondo, na província de Macerata, Itália, em 1866, em uma região em que trigo era uma cultura tradicional. Ele freqüentou as faculdades de agricultura de Portici (Napoles) e de Pisa, onde obteve o grau de Doutor em Ciência Agrícola. Nesses tempos, o acamamento e a ferrugem eram os principais fatores negativos para obtenção de boas colheitas de trigo na Itália. Strampelli trabalhou como cientista e diretor em algumas instituições de pesquisa do governo italiano (Maliani & Bianchi, 1979). Ele veio a falecer em 1942.

A partir de 1900, Nazareno Strampelli desenvolveu na Itália importante programa de criação de cultivares de trigo (Vallega, 1974).

As cultivares de Strampelli apresentaram destaque quanto ao rendimento de grãos, resistência a doenças, resistência à seca, diminuição da estatura de planta, resistência ao acamamento e principalmente incorporação da precocidade em muitas das cultivares de trigo criadas. Posteriormente essa precocidade foi atribuída à presença do gene Ppd1. Algumas das cultivares criadas por Strampelli foram usadas com sucesso em cruzamentos artificiais em outras partes do mundo, inclusive no Brasil. Em junho de 2000 foi realizado, em Rieti, ltália, um congresso internacional (Centenary of Strampelli Green Revolution), em que foram apresentados trabalhos relacionados à contribuição de Strampelli no melhoramento genético mundial de trigo.

Algumas cultivares de trigo italianas foram introduzidas no Brasil na primeira metade do século XX, entre elas Ardito e Mentana, criadas por Strampelli e provenientes do cruzamento Wilhelmina/Rieti//Akagomughi, porém tiveram pouca disseminação na lavoura, provavelmente devido à pouca adaptação aos solos ácidos, em razão da toxicidade de alumínio que produz o distúrbio na planta conhecido como crestamento de trigo. Entretanto, o uso de Mentana em cruzamentos artificiais, a partir de 1932, resultou na criação de importantes cultivares de trigo no Brasil. A Tabela 1 relaciona as cultivares indicadas para cultivo no Brasil, descendentes diretas de cultivares italianas com brasileiras. Destas, BH 1146 e Frontana alcançaram área de cultivo expressiva, sendo as mais semeadas em algumas unidades da federação e períodos.

A mais destacada cultivar descendente do cruzamento de cultivar italiana com cultivar brasileira foi Frontana, lançada para cultivo no Brasil em 1940. A criação de Frontana está relacionada à contratação, em 1924, pelo Ministério da Agricultura, do geneticista Iwar Beckman, de origem sueca, que realizou, inicialmente, trabalhos de melhoramento com trigo nas estações experimentais de Alfredo Chaves (Veranópolis) e de São Luiz das Missões, RS, e, em 1929, foi contratado pela Secretaria da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul para desenvolver melhoramento genético na Estação Experimental de Bagé, RS, onde atuou até 1971, quando veio a falecer. Beckman cruzou a cultivar brasileira de ciclo longo Fronteira com a cultivar precoce Mentana, criada por Strampelli, na tentativa de produzir genótipos de trigo precoces, que considerava um importante avanço para a produção de trigo no Brasil (Beckman, 1933; Lagos, 1983). Denominou esse cruzamento de Frontana juntando as letras iniciais de Fronteira com as finais de Mentana. Teve sucesso no objetivo, produzindo linhas Frontana de ciclo curto, e uma delas foi lançada para cultivo, também, com o nome de Frontana. Antes da cultivar Frontana, prevaleciam na lavoura cultivares de ciclo longo e, com a criação de Frontana, essa situação mudou em razão dos muitos descendentes de ciclo curto dessa cultivar. Frontana foi a cultivar que deixou mais descendentes entre as cultivares indicadas para cultivo no Brasil, e também foi usada com êxito em cruzamentos realizados em outras partes do mundo. As cultivares de trigo de ciclo precoce prevaleceram na lavoura na segunda metade do século XX, fato que facilitou a introdução e o cultivo de soja no Rio Grande do Sul. Frontana, além de precocidade, apresenta resistência à ferrugem da folha, incluindo os genes de planta adulta Lr13 e Lr34, à ferrugem linear, à debulha e à germinação do grão na espiga e resistência intermediária à giberela. Tanto Fronteira como Mentana, possuem alguma resistência à ferrugem linear, e não se tem informação se a resistência de Frontana a essa ferrugem tenha sido transferida de um ou de ambos os genitores.

Frontana é uma cultivar de trigo de melhor tipo agronômico, pela menor estatura, e de maior resistência ao acamamento, quando comparada com as cultivares brasileiras existentes na época de sua criação. Mentana, provavelmente, foi o genitor que mais contribuiu para destaque nessas características da cultivar.

A linhagem Frontana 1971-37, outro genótipo do mesmo cruzamento que deu origem à cultivar Frontana, é um dos genitores de Toropi, que também contou com a participação da cultivar Quaderna, de origem italiana e descendente de Mentana, e da cultivar uruguaia Petiblanco. Toropi foi produzida na Estação Experimental de Júlio de Castilhos, da Secretaria da Agricultura (RS).

A cultivar Lageadinho é proveniente de seleção realizada na cultivar Ardito, outro genótipo de Strampelli. Lageadinho foi usado como genitor em Quênia e produziu a cultivar Kenya Leopard.

BH 546, BH 1146 e Horto, desenvolvidas na Estação Experimental de Belo Horizonte, pertencente à Secretaria da Agricultura de Minas Gerais, e indicadas para cultivo na década de 50, foram outras cultivares nas quais a precocidade de Mentana foi incorporada em genótipos desenvolvidos no Brasil. BH 1146 tem sido estudado em outras regiões do mundo pela sua resistência à acidez do solo (toxicidade de alumínio) e resistência à mancha marrom. A cultivar também se destaca pela resistência à seca.

Em Frontana e em BH 1146, foram reunidas a precocidade de Mentana, a resistência à acidez do solo de Fronteira ou de PG1 e ampla adaptação às diversas regiões de cultivo de trigo no Brasil. A adaptação ampla, provavelmente, foi outra contribuição de Mentana como genitor em relação a essas duas cultivares que se tornaram importantes genótipos na lavoura no Brasil. BH 1146 permaneceu em recomendação no país por 43 anos (1955 a 1997), e Frontana, que esteve em recomendação do Rio Grande do Sul até Goiás, ficou em cultivo no Brasil por 48 anos (1940 a 1987).

A Tabela 2 enumera 41 cultivares descendentes dos genótipos BH 546, BH 1146, Cincana, Floreana, Frontana e Frontana 1971-37 referidas na Tabela 1. Das 41 cultivares descendentes, 13 são de sigla IAS, criadas pelo Instituto Agronômico do Sul/Instituto de Pesquisas e Experimentação Agropecuárias do Sul, em função do uso intenso de Frontana no trabalho de melhoramento de trigo pelo dr. Ady Raul da Silva nesse instituto, com pesquisas iniciais em Curitiba, PR, e, após, em Pelotas, RS; 12 são cultivares desenvolvidas pela Secretaria da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul; nove são cultivares de sigla IAC, criadas pelo Instituto Agronômico de Campinas; e seis são cultivares de sigla CNT ou Trigo BR, desenvolvidas pela Embrapa. Dos descendentes relacionados na Tabela 2, apresentaram grande difusão na lavoura as cultivares Carazinho, IAC 5-Maringá, IAC 18-Xavantes, IAS 20-Iassul, IAS 28-Ijuí e Prelúdio sendo que IAC 5-Maringá e IAS 20-Iassul, em alguns anos, foram as cultivares mais semeadas em uma ou mais unidades da federação no Brasil.

Os genitores usados com maior êxito no desenvolvimento de outras cultivares brasileiras de trigo, considerando os genótipos das tabelas 1 e 2, foram: Frontana, IAS 20-Iassul, IAC 5-Maringá, Toropi, Veranópolis e BH 1146.

Alguns genótipos de origem mexicana com germoplasma de Frontana ou de Mentana em sua genealogia, embora de maneira diluída, foram usados para desenvolver outras cultivares no Brasil. Entre eles estão Alondra Sib, Anahuac 75, Bluebird Sib, Bagula Sib, Cajeme 71, Ciano Sib, Inia 66, Jupateco 73, Kalyan, Sonora 63, Sonora 64 e Yaktana 54. Muitos desses genótipos foram introduzidos no Brasil graças às facilidades de intercâmbio de germoplasma com o Centro Internacional de Melhoramento de Milho e Trigo (CIMMYT), com sede no México. Anahuac 75, Ciano 67, Cocoraque 75, Inia 66, Jupateco 73, Sonora 63, Sonora 64 e Tobari 66, cultivares introduzidas do México, tornaram-se genótipos indicados para cultivo no Brasil em regiões de solo sem problemas com crestamento com destaque para Anahuac 75 que se tornou a cultivar mais semeada no Paraná de 1983 a 1992. A cultivar americana Willet e a russa Kavkaz, outros exemplos de introduções de materiais com Frontana em suas genealogias, foram usadas para criação de outros genótipos de trigo no Brasil.

Nenhuma das cultivares relacionadas nas tabelas 1 e 2 está indicada para cultivo, atualmente, no Brasil. Entretanto, a influência do germoplasma criado por Strampelli na Itália, principalmente através de Mentana, certamente está presente em muitas cultivares atuais, principalmente em virtude do sucesso do uso de Frontana e de alguns de seus descendentes, como IAS 20-Iassul, IAC 5-Maringá e Veranópolis, e de BH 1146 e Toropi no desenvolvimento de cultivares mais modernas. Provavelmente, muitos genes de Mentana estão representados nas cultivares atuais indicadas para cultivo no Brasil, embora haja necessidade de estudos mais detalhados para comprovação. Pode-se afirmar que Mentana, um dos germoplasmas criados por Strampelli, faz parte da espinha dorsal da genealogia das cultivares brasileiras de trigo.


1Pesquisador da Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, 99001-970 Passo Fundo, RS. cantidio@cnpt.embrapa.br

 


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