Embrapa Trigo Documento Online Nº 2, dez./99

Riscos das plantas transgênicas e a manipulação do medo

O uso de alimentos transgênicos tem gerado dúvidas quanto aos possíveis efeitos sobre a saúde humana e animal e sobre a preservação do ambiente. O efeito que pode produzir a transferência de um gene que já existe em uma espécie para o genoma de outra é uma interrogação. Como será a interação com os genes da espécie receptora é outro questionamento feito.

Transgênico significa "obtido através do processo da transgênese" e não é sinônimo de efeito negativo para a saúde ou para o ambiente. Em se estabelecendo uma analogia com os medicamentos, do mesmo modo que estes podem salvar vidas se aplicados corretamente, podem ter efeitos colaterais graves em pessoas vulneráveis ou se forem aplicados inadequadamente. A penicilina, produzida por um fungo, pode causar a morte instantânea de indivíduos alérgicos e nem por isso se fala em proibi-la. Embora a pessoa alérgica possa morrer e ninguém possa adivinhar se, e quando, vai se tornar alérgico, a penicilina salvou e ainda salva muitas vidas.

Quando se trata de saúde, há que se considerar a constituição genética, que é única para cada indivíduo. Há que se considerar, também, que, se o metabolismo humano estiver equilibrado, o indivíduo torna-se menos vulnerável, mas se, ao contrário, este estiver desequilibrado, o ser humano torna-se mais vulnerável às agressões do ambiente. Quem pode afirmar que as doenças comuns que ocorrem hoje não tenham nenhuma contribuição dos alimentos ora liberados para consumo? Por exemplo, os "salgadinhos" que as criancinhas levam para a creche ou para a escola como merenda, porque é barato e fácil de transportar, têm tanto sal que já há casos comprovados de problemas renais graves. Provavelmente são afetadas primeiro as crianças geneticamente ou nutricionalmente mais vulneráveis. O mesmo vale para os indivíduos geneticamente vulneráveis a diabetes, por exemplo, no que se refere à venda de doces. No entanto, nem os doces nem os "salgadinhos" têm sido proibidos, embora seja comprovado que podem causar problemas a determinadas pessoas.

Neste ponto, é fundamental lembrar que os genes dos seres vivos atuais foram modelados por, pelo menos, quatro bilhões de anos de história evolutiva. A evolução biológica foi e é um processo contínuo e gradual, cientificamente demonstrado.

A ignorância da evolução biológica permite a manipulação do terror junto a boa parte do público leigo e até mesmo junto a cientistas e outros profissionais, que parecem supor que as espécies permanecem imutáveis e que modificações genéticas só começaram a ser manipuladas pela produção dos OGMs.

O termo "organismo geneticamente modificado" originou-se da microbiologia, onde, realmente, as modificações genéticas através da biotecnologia foram introduzidas pela metodologia do DNA recombinante. No entanto, em relação a plantas e animais domésticos, a manipulação genética não é nova e não é recente. Além disso, mutações genéticas estão sempre ocorrendo em todos os organismos vivos e sendo selecionadas pelo ambiente dos diversos ecossistemas do planeta. Há muitos cientistas que ignoram os princípios básicos da genética e da evolução das plantas cultivadas. Tais cientistas ignoram que a troca de genes nos vegetais sempre ocorreu naturalmente, e ainda ocorre, porque as plantas não apresentam o mesmo nível de isolamento reprodutivo observado nos animais.

Considerando as exigências feitas antes de sua liberação no mercado, pode-se esperar mais segurança biológica com o uso de plantas transgênicas do que com alimentos classificados como não transgênicos. Da mesma forma, considerando as exigências quanto a testes de biossegurança que antecedem sua liberação, é de se esperar que o uso de plantas transgênicas represente menos risco à segurança biológica que o uso de produtos derivados das tecnologias da física e da química atualmente sendo consumidos em larga escala pelo ser humano, como é o caso daqueles que destróem a camada de ozônio e poluem quimicamente o ambiente, ameaçando a manutenção da vida na terra. Infelizmente, está se transmitindo na mídia a idéia de que produtos biotecnológicos, dentre os quais as plantas transgênicas representam uma maquinação diabólica contra o consumidor.

Infelizmente, para o grande público, parece que manipulação genética é associada a experimentos genéticos com cobaias humanas, especialmente em alguns países da Europa como a Alemanha. É, pois, necessário evitar a ampliação do medo ancestral da humanidade de se envenenar ingerindo plantas desconhecidas. Medo este que resulta da ignorância e da manipulação da ignorância, uma das grandes armas das disputas econômicas. Esse medo pode ter alguma base real ao se pensar em biotecnologias para a guerra, que a mídia não divulga, como também não divulga os riscos das biotecnologias na medicina, as quais se desenvolvem silenciosamente e podem ser potencialmente mais perigosas que aquelas aplicadas em plantas.


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