Embrapa Trigo Documento Online Nº 1, nov./99

O sistema plantio direto e as doenças de soja e de feijão na região sul do Brasil 1
Leila Maria Costamilan 2

Introdução

O sistema plantio direto (spd) pode ser enfocado como um complexo de tecnologias de processo, de produtos e de serviço, tendo por fundamentos a mobilização de solo exclusivamente na linha de semeadura, a manutenção dos resíduos culturais na superfície do solo e a rotação de culturas. Tornou-se um mecanismo de transformação, de reorganização e de sustentação do sistema de produção agropecuária (Denardin & Kochhann, 1999). No Rio Grande do Sul, o uso do spd cresceu a partir de 1993, passando de 5 % (320.000 hectares) para mais de 40 % (aproximadamente 2.600.000 hectares) da área física total cultivada no estado, em 1997. A soja foi a cultura com maior área sob esse sistema (1.640.000 hectares), e o feijão ocupou a sétima colocação (18.900 hectares) (Ferreira & Farias, 1997). Nas regiões do Alto Uruguai e do Planalto Médio, houve uma rápida adoção desse sistema a partir de 1993, ano de implementação do Projeto METAS, passando de 5 % para 90 % da área total agricultável dessa região, como pode ser observado na Figura 1. No estado do Paraná, cerca de 70 % da área de soja (1.925.000 hectares) foi semeada sob spd na safra 1998/99, principalmente nas regiões Sul e Oeste do estado (Yorinori, inf. pess.).

A cultura de feijão em plantio direto ocupa área de 180.000 hectares, no Brasil, rendendo algo em torno de 280.000 t de grãos/ano. A exploração dessa cultura em spd é incipiente na Região Sul do Brasil, concentrando-se nos Cerrados, onde, já no primeiro ano, o rendimento médio de grãos foi de 4,5 t/ha, enquanto a média nacional encontra-se em 1,6 t/ha.

O uso do spd provoca alterações no ambiente agrícola, devido, principalmente, à presença de cobertura de restos culturais na superfície do solo e ao aumento de matéria orgânica. A influência dessa cobertura orgânica no solo sobre fatores físicos, químicos e biológicos é fundamental no estabelecimento de condições favoráveis ou não ao desenvolvimento de doenças. A adoção do spd não significa que haverá, certamente, maior desenvolvimento de doenças. As práticas conservacionistas de cultivo de solo podem, inclusive, não ter efeito ou controlá-las. Entretanto, o spd mal executado poderá causar problemas fitossanitários às culturas de soja e de feijão, principalmente quando a semeadura for realizada com elevado teor de umidade do solo, quando o solo estiver compactado e quando não se obedecer um esquema racional de rotação de culturas. É o que se observa, atualmente, com os problemas fitossanitários que ocorrem nas culturas de soja e de feijão manejadas em spd.

Algumas doenças de expressão econômica na Região Sul do Brasil têm sido favorecidas pelo spd, como o mofo branco (Sclerotinia sclerotiorum), que afeta todas as leguminosas; as doenças causadas por Fusarium, como a podridão vermelha da raiz ou síndrome da morte súbita em soja (F. solani f.sp. glycines), F. solani f.sp. phaseoli e F. oxysporum, que ocorrem no feijoeiro; a antracnose do feijoeiro (Colletotrichum lindemuthianum); a mancha alvo e a podridão radicular de Corynespora (Corynespora cassiicola) em soja; o tombamento e a murcha de Sclerotium (Sclerotium rolfsii) nas leguminosas em geral; o tombamento e a morte em reboleira (Rhizoctonia solani); a podridão parda da haste da soja (Phialophora gregata) e a podridão da raiz e da haste da soja (Phytophthora sojae). Em feijão, os problemas fitossanitários surgem a partir do segundo ano de cultivo em spd, havendo maior incidência de doenças radiculares. Por outro lado, o efeito do spd é mínimo sobre o desenvolvimento de doenças que já são eficientemente controladas por meio da resistência genética, como o cancro da haste (Diaporthe phaseolorum f.sp. meridionalis), a mancha olho-de-rã (Cercospora sojina) e a pústula bacteriana (Xanthomonas axonopodis pv. glycines). Para certas doenças, como nematóides de galhas (Meloidogyne spp.) e nematóide de cisto (Heterodera glycines), é fundamental a adoção do spd como uma das medidas de controle.

Para entender os efeitos do spd sobre as relações patógeno-hospedeiro e, conseqüentemente, sobre o estabelecimento ou não de doenças, é importante conhecer a influência desse sistema sobre o microclima, sobre fatores químicos, físicos e biológicos do solo, sobre os patógenos e sobre hospedeiros e outras espécies vegetais vinculadas ao sistema de exploração. Sabe-se que práticas de manejo de culturas e de solo podem alterar a temperatura, a densidade e a umidade do solo, bem como a distribuição de nutrientes e a atividade biológica, afetando a sobrevivência do patógeno e o ambiente para o patógeno e para o hospedeiro.

 


1 Palestra apresentada no XXXII Congresso Brasileiro de Fitopatologia, Curitiba, 2/8/99.
2 Pesquisadora da Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, 99001-970 Passo Fundo, RS.
leila@cnpt.embrapa.br

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