Embrapa Trigo Documento Online Nº 1, nov./99

3 - Efeitos do spd sobre o patógeno

A manutenção de restos culturais na superfície do solo prolonga a viabilidade dos patógenos necrotróficos e sua permanência na área, pois retarda a decomposição dos resíduos, mantendo, por mais tempo, a fonte nutricional. Em Passo Fundo foram necessários 27 meses para que restos de soja fossem totalmente decompostos (Figura 13). Durante esse período, fungos como Fusarium sp., M. phaseolina e R. solani foram sempre recuperados desses restos. Em algumas amostras, Phomopsis sp. começou a desaparecer após 24 meses. A habilidade de competição saprofítica e as estruturas de resistência de Fusarium, de Macrophomina e de Rhizoctonia permitem que esses fungos permaneçam viáveis por muito tempo em uma área. Para Phomopsis, como a sobrevivência está ligada à decomposição de restos culturais, pode-se considerar seus propágulos não viáveis após 27 meses da colheita de soja, nas condições climáticas de Passo Fundo (Costamilan et al., 1999). Nas regiões onde os agricultores exploram a segunda safra, ou safrinha, logo após a colheita de feijão ou de soja, algumas doenças, como antracnose, mancha angular, podridão de raízes por Fusarium, cancro da haste da soja e mofo branco, poderão tornar-se ainda mais severas em spd, pela grande quantidade de restos culturais contaminados na área.

A camada de restos culturais posicionados sobre a superfície do solo também permite a proximidade física da fonte de inóculo inicial com o hospedeiro e a formação de estruturas de reprodução, como, por exemplo, apotécios de S. sclerotiorum (Figura 14) e peritécios de D. phaseolorum f.sp. meridionalis (Figura 15). A ação de agentes disseminadores, como chuva e vento, contribui para aumentar a área de incidência de doenças.

Em alguns casos, a camada de restos culturais pode agir como barreira física, dificultando o completo desenvolvimento de estruturas de reprodução de patógenos. Ferraz et al. (1999) observaram que uma camada de 6 a 9 cm de altura de restos culturais de gramínea impediu a completa formação de apotécios de S. sclerotiorum, embora, com 9 cm, tenham sido verificados prejuízos ao vigor e ao rendimento de feijoeiro. A cobertura do solo com restos culturais também é importante no controle de certas doenças, como a mela da soja, o nematóide de cisto e os nematóides de galhas. A mela, que não ocorre na Região Sul do Brasil, é muito freqüente em regiões de clima quente e úmido, como no Maranhão e na Bahia (Figura 16). A cobertura de solo propiciada pelo spd é fundamental para diminuir a ação de gotas de chuva, que carregam partículas de solo contendo o fungo até as folhas de soja, nas quais se inicia a doença. Em lavouras infestadas por nematóides de cisto ou de galhas, o spd é essencial para evitar a disseminação desses organismos através da movimentação de solo pelo vento, pela chuva e por arado ou grade (Figura 17).

Adee et al. (1994) relataram grande severidade de podridão parda da haste de soja em spd, devido à alta densidade de inóculo do patógeno nos restos culturais e à lenta decomposição desses resíduos quando posicionados na superfície do solo. Em trabalho posterior, Adee et al. (1997) observaram maior quantidade de propágulos do fungo em restos infectados de cultura de soja posicionados na superfície do solo, simulando o spd, que em resíduos enterrados. O fungo foi detectado nos resíduos da superfície durante 30 meses, enquanto nos resíduos enterrados desapareceu após 11 a 17 meses. Além disso, no início da primavera, foi detectado incremento de 11 vezes na densidade populacional do fungo nos restos culturais na superfície do solo, indicando que a densidade de inóculo pode aumentar saprofiticamente, o que explicaria o aumento acentuado na severidade da doença do primeiro para o segundo ano consecutivo de soja, especialmente em spd. No Rio Grande do Sul, essa doença estava sob controle somente com o uso de cultivares resistentes; entretanto, voltou a ocorrer, na safra 1998/99, em lavouras cultivadas por mais de dois anos com cultivares suscetíveis.

Figura 18. Municípios da Região Sul do Brasil onde há registro de lavouras de soja com podridão parda da haste (Phialophora gregata).

Além de manterem viáveis patógenos necrotróficos causadores de doenças à soja, os resíduos culturais de soja também hospedam alguns patógenos de outras espécies. Baird et al. (1997) recuperaram Fusarium graminearum, patógeno importante nas culturas de milho e de trigo, a partir de restos de soja, o que pode significar maior intensidade de doenças nessas culturas e menor rendimento em spd. F. graminearum parece ser um dos patógenos que apresentam melhor adaptação dentro do sistema de exploração sob plantio direto. Por exemplo, notou-se crescente detecção de lotes de sementes de soja que apresentavam problemas em testes de germinação de rotina, provenientes do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná, nas safras 1995/96 e 1997/98, devido a esse fungo (Figura 19), embora ele não seja patogênico à cultura (Yuyama & Henning, 1999a e 1999b).


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