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ISSN 1517-4964
Dezembro, 2002
Passo Fundo, RS
 

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O MELHORAMENTO E AS CULTIVARES DE TRIGO DA EMBRAPA EM CULTIVO NO BRASIL EM 2002

Scheeren, P.L.1; Sousa, C.N.A.de1; Del Duca, L.de J.A.1; Só e Silva, M.1; Nascimento Júnior, A.do1; Cunha, G.R.da1; Caetano,V.da R.2; Brunetta, D.3; Dotto,S.R.3; Bassoi, M.C.3; Sousa, P.G.de4; Albrecht,J.C.5; Andrade, J.M.V.de5; Cánovas,A.6; Soares Sobrinho,J.7


No Brasil, a considerável adaptação de algumas cultivares italianas introduzidas, marcou o início do cultivo de trigo no Sul do país, no século XIX. No entanto, a expansão do cultivo de trigo para outros estados e o desenvolvimento da cultura nessas áreas, processaram-se mais tarde. No Paraná, o cultivo de trigo expandiu-se, primeiro, em Guarapuava e, posteriormente, adquiriu grande importância ao norte e oeste desse estado, tornando-a a principal área produtora do cereal do país. Também cresceu a área de trigo no oeste do estado de São Paulo e no sul de Mato Grosso do Sul. Atualmente, no Brasil Central, na região dos Cerrados, mais precisamente no estado de Goiás, no oeste de Minas Gerais e no sul de Mato Grosso, vem aumentando a área tritícola. Ainda merece destaque a Bahia, que tem algumas regiões potencialmente favoráveis à cultura de trigo, mesmo que não tenha expressão no momento.

 

1. PESQUISA DE TRIGO E REGIÕES PRODUTORAS

As atuais e potenciais regiões tritícolas brasileiras são: Região Sul, Região Centro-Sul e Região Central. As regiões Sul e Centro-Sul representam cerca de 98% da área atualmente cultivada. A Região Central, embora ainda pouco cultivada com trigo, representa enorme potencial para produção da cultura, tanto em regime de sequeiro, quanto em regime irrigado.

1.1. REGIÃO SUL

Na Região Sul, caracterizada como temperada, há predominância de solos com excesso de alumínio, que causam a doença fisiológica conhecida como crestamento. Nessa região, iniciou-se a pesquisa de trigo no Brasil alguns séculos após a cultura ter sido introduzida no país. A criação de novas variedades adaptadas só teve início em 1914, quando o químico Jorge Polissú selecionou, em Nova Tirol, Paraná, uma variedade diferente de sementes provenientes da área de Guaporé, no Rio Grande do Sul.

Em 1919, o Ministério da Agricultura estabeleceu as duas primeiras estações experimentais destinadas à criação de cultivares: a Estação Experimental de Alfredo Chaves, no RS, no atual município de Veranópolis, e a Estação Experimental de Ponta Grossa, no PR. Diversas linhagens com a denominação Alfredo Chaves foram selecionadas e identificadas por Carlos Gayer. Enquanto isso, a variedade de trigo Polissú foi levada, em 1922, para a Estação Experimental de Ponta Grossa, onde foi resselecionada e recebeu o nome de PG 1 (Ponta Grossa 1). Assim, com as seleções realizadas em Ponta Grossa e em Alfredo Chaves, foi iniciado o melhoramento genético de trigo no Brasil. Em 1924, foi contratado o geneticista sueco Iwar Beckman, que, em 1925, realizou os primeiros cruzamentos de trigo no país. Iwar Beckman prosseguiu seus trabalhos na Estação Experimental de São Luiz Gonzaga, RS (1925-1929), e, depois, na Estação Experimental da Fronteira, em Bagé, RS, onde realizou diversos estudos genéticos e criou numerosas variedades de ciclo precoce, destacando-se a cultivar Frontana, criada em 1940 e que, ainda, é intensamente usada em blocos de cruzamentos para criação de novas cultivares, no Brasil e no exterior. Frontana combinou, na época, uma série de características importantes, como ciclo mais precoce, resistência ao alumínio tóxico do solo, porte mais baixo e resistência às principais doenças de trigo, como ferrugem da folha e do colmo.

O melhoramento de trigo na Embrapa iniciou com a criação do Centro Nacional de Pesquisa de Trigo - CNPT, em 1975, que, mais adiante, passou a ser conhecido como Embrapa Trigo, e contou com a colaboração do Centro de Pesquisa Agropecuária de Clima Temperado - Embrapa Clima Temperado, que são as unidades da Embrapa responsáveis pela criação de novas cultivares e pelos trabalhos em pesquisa de trigo na Região Sul do Brasil.

1. 2. REGIÃO CENTRO-SUL

Esta é, atualmente, a região tritícola mais importante, considerando-se a área em cultivo. Nessa região, ocorrem solos com e sem alumínio, sendo o clima classificado como subtropical, com chuvas menos uniformes durante a época de cultivo de trigo. Em geral, pelas condições de ambiente mais seco, os genótipos de trigo produzidos nessa região têm apresentado melhor aptidão para panificação, do que as mesmas cultivares produzidas na Região Tritícola Sul. No Paraná, o programa de melhoramento de trigo da Embrapa está sendo conduzido por meio de parceria entre Embrapa Trigo e Centro Nacional de Pesquisa de Soja-Embrapa Soja, localizado em Londrina, PR. Também em parceria com a Embrapa Trigo, na Região Centro-Sul, há trabalhos com trigo da Embrapa Agropecuária Oeste, localizada em Dourados, MS.

1. 3. REGIÃO CENTRAL

Nesta região ainda é pequena a área cultivada com trigo, apesar de existir a possibilidade de duas safras anuais: a de sequeiro, semeada em fevereiro, com chuvas naturais, e o cultivo irrigado, semeado em maio, com irrigação, no período de inverno, quando chuvas são esporádicas, ocorrendo de maneira irregular e insuficiente. As entidades de pesquisa vêm realizando grande número de trabalhos para implantação definitiva de trigo na região dos Cerrados. A Embrapa Cerrados, estabelecida em Planaltina, DF, em convênio com Embrapa Trigo, vem conduzindo trabalhos com trigo na região, auxiliada ainda por outras unidades (Embrapa Arroz e Feijão e Escritório de Uberlândia da Embrapa Transferência de Tecnologia) e por empresas públicas e privadas de extensão rural, que participam da rede de experimentação de trigo na região dos Cerrados.

2. CULTIVARES DE TRIGO DA EMBRAPA EM USO NO BRASIL

A cultura de trigo no Brasil, durante o século XX, sempre mereceu destaque na pesquisa, voltada, principalmente, para o incremento do potencial produtivo, que foi associado à melhor arquitetura de planta, à maior resistência a doenças e à adaptação a estresses causados por organismos vivos ou por oscilações ambientes. Esses fatores predominaram como objetivos do melhoramento genético da cultura. No entanto, com a privatização da comercialização de trigo, novo fator, denominado qualidade tecnológica, foi incorporado aos principais objetivos do melhoramento genético da cultura.

As cultivares de trigo chamadas de "antigas" tinham a rusticidade (adaptação e resistência geral a estresses bióticos e abióticos) como característica de destaque. Além disso, as cultivares de trigo chamadas "modernas" têm porte baixo e, por isso, têm revelado grande redução na incidência de acamamento. A adição de novos genes de resistência a doenças, a pragas e a estresses causados pelo ambiente adverso tem proporcionado substancial aumento no potencial de rendimento de grãos, que atualmente facilmente ultrapassa 1.500 kg/ha, que eram alcançados nas melhores lavouras de 20 anos atrás, e até ultrapassando 5.000 kg/ha em muitas lavouras do sul e centro-sul do Brasil, sob ambiente de chuva natural.

Atualmente, a Embrapa conta com um projeto de melhoramento genético de trigo de abrangência nacional, coordenado pela Embrapa Trigo e cobrindo as diversas regiões produtoras do cereal. Esse projeto conta com 29 subprojetos/atividades, distribuídos em oito unidades de pesquisa da Embrapa, que abrangem sete estados da nação. Em todos os subprojetos, a qualidade tecnológica, conforme a aptidão de uso, passou a ser dos objetivos principais. Fazem parte subprojetos que visam à avaliação e à identificação de novos materiais exóticos, que tenham genes de características importantes, sob os aspectos de resistência, de adaptação, de produtividade ou de aptidão tecnológica de uso. Esses genes passam a ser incorporados em genótipos brasileiros com adaptação local e, depois, disponibilizados para os subprojetos de criação de cultivares, que são vários, conforme as macrorregiões de adaptação. Na Região Sul-Brasileira, os objetivos principais envolvem, principalmente: elevado potencial produtivo e resistência ao acamamento; as resistências a doenças (destacando-se as ferrugens da folha e do colmo, o oídio, a giberela, as manchas foliares, a septoriose da gluma e as viroses), ao crestamento e à germinação na espiga. Na Região Centro-Sul-Brasileira, os objetivos são semelhantes aos da Região Sul, acrescentando-se, ainda, a resistência à helmintosporiose e à brusone. Na Região Centro-Brasileira, que abrange a área dos Cerrados, os objetivos do projeto de melhoramento de trigo estão direcionados para a elevada produtividade, sob regime irrigado, e para produtividade e resistência ao calor, sob regime de sequeiro, e, em ambos, a resistência à mancha marrom (helmintosporiose) é importantíssima.

Assim, a Embrapa está presente na criação de cultivares de trigo em todo o Brasil, visando a atender às diversas regiões de adaptação e às diferentes demandas dos consumidores. Nas tabelas 1, 2 e 3 são apresentadas as cultivares de trigo da Embrapa, indicadas para comercialização de semente, nas três regiões de adaptação. São apresentadas, também, algumas das principais características das cultivares que poderão influenciar por ocasião da escolha da cultivar a ser semeada. Merecem destaque as cultivares de trigo, recomendadas na Região Sul-Brasileira, BRS 177 e BRS 179, pelo potencial de rendimento, pela sua resistência à giberela e às manchas foliares e pela considerável resistência à germinação na espiga. BRS 194 destaca-se pela resistência às manchas foliares e à germinação na espiga e pelo elevado PH (peso do hectolitro). Além dessas, três novas cultivares foram indicadas para cultivo em 2002. São as cultivares BRS Angico, de ciclo precoce, de adequado tipo agronômico e elevado potencial de rendimento de grãos, BRS Timbaúva, com excelente sanidade para doenças de espiga, expressivo potencial de rendimento de grãos e ótimo peso do hectolitro (PH), e BRS Figueira, destinada a duplo propósito, produção de forragem verde e de grãos. Na Região Centro-Sul-Brasileira, são destacadas as cultivares: BRS 192, pelo rendimento e cor branca da farinha, desejada pelo mercado de moagem e consumidor de farinha; BRS 208, pela produtividade, resistência, rusticidade e qualidade para panificação; e BRS 209, BRS 210 e BRS 220, pela produtividade associada à superior qualidade industrial. No Cerrado (Região Centro-Brasileira), a cultivar Embrapa 42, com excelente padrão de qualidade, é destaque no Distrito Federal e em Goiás, e BRS 207 foi recentemente indicada para cultivo irrigado em Minas Gerais, atendendo às demandas do mercado da região.

Novas cultivares de trigo continuam a ser desenvolvidas pela Embrapa, anualmente, para todas as regiões produtoras. A melhoria da resistência, do potencial de rendimento e da qualidade, em novos "ideotipos" de planta, adaptados às condições brasileiras, estão sendo buscadas pela pesquisa. São desafios que requerem investimentos de longo prazo em recursos humanos e materiais. Cada ciclo de melhoramento de trigo requer, de quatro a oito anos, até a produção de linhagens geneticamente uniformes, que, somado a, no mínimo, três anos de experimentação, para testes comparativos com variedades testemunhas, que estão em cultivo, representam dez a doze anos para que nova cultivar chegue às lavouras. A produção de linhagens "duplo-haplóides", iniciada, adaptada e desenvolvida pioneiramente na Embrapa Trigo, reduziu o tempo de criação de novas linhagens de trigo para apenas dois anos. Isso poderá representar aumento na produção de linhagens para testes visando à indicação de novas cultivares e, principalmente, poderá representar maior rapidez na incorporação de novos genes de resistência ou qualidade em cultivares adaptadas.

As demandas das indústrias moageiras e do mercado consumidor de farinhas estão em constante ajuste, e a pesquisa, em geral, está atendendo aos novos desafios que vêm sendo apresentados. Espera-se que, no futuro, a pesquisa, os produtores de grãos e as indústrias de moagem e de transformação consigam atender às demandas dos consumidores finais, consumidores de pão, de massas, de bolos, de biscoitos e demais produtos derivados de trigo.


1 Pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa de Trigo, Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, 99001-970 Passo Fundo, RS. E-mail: scheeren@cnpt.embrapa.br
2 Pesquisador da Embrapa Clima Temperado. vanderleicaetano@uol.com.br
3 Pesquisador da Embrapa Soja. brunetta@cnpso.com.br
4 Pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste. gervini@cpao.com.br
5 Pesquisador da Embrapa Cerrados. vilela@cpac.com.br
6 Pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão. canovas@cnpaf.com.br
7 Pesquisador da Embrapa Transferência de Tecnologia -Uberlândia. jss@enetec.com.br


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