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Embrapa Trigo

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ISSN 1517-4964
Outubro, 2002
Passo Fundo, RS

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Escalonamento da época de semeadura de trigo e uso de cultivares de ciclos reprodutivos diferentes como medida de controle de giberela

Maria Imaculada Pontes Moreira Lima1
José Maurício Cunha Fernandes1
Edson Clodoveu Picinini1


A giberela, conhecida também por fusariose, é uma doença de espigas de trigo, de expressão econômica mundial para a cultura. É causada principalmente pelo fungo Gibberella zeae (Schwein.) Petch, forma assexuada Fusarium graminearum Schwabe. Os sintomas característicos são espiguetas despigmentadas, de coloração esbranquiçada ou cor de palha, que contrastam com o verde normal de espigas sadias. Nas espiguetas atacadas, formam-se grãos chochos, enrugados, de coloração branco-rosada a pardo-clara. Além de reduzir diretamente o rendimento, os grãos infectados e seus derivados podem ser tóxicos, tanto para o ser humano quanto para animais, em virtude da presença de micotoxinas (Parry et al., 1995; McMullen et al.,1997).

A doença se destaca em trigo no Sul do Brasil, principalmente no Rio Grande do Sul, nas regiões que têm estações de cultivo com chuva freqüente durante a fase reprodutiva. Precipitação pluvial de, no mínimo, 48 horas consecutivas e temperatura do ar entre 20 e 25 oC são favoráveis à doença (Reunião, 1999). Conforme Jenkinson, citado por Parry et al. (1995), temperatura acima de 15 oC é requerida para infecção de espigas.

Medidas de controle, como rotação de culturas, são pouco eficazes, em razão de os ascósporos do patógeno serem disseminados a grandes distâncias, do grande número de plantas hospedeiras e da capacidade de sobrevivência do patógeno em restos culturais na superfície do solo. O controle de giberela através de cultivares resistentes, até o momento, é insuficiente, embora existam cultivares com melhor performance em relação à doença. A pulverização com fungicidas, isoladamente, também não constitui medida eficiente de controle, pois os fungicidas e as técnicas de aplicação disponíveis no momento asseguram eficiência de aproximadamente 70% (Reunião, 1999).

Os objetivos deste trabalho foram: a) simular o risco de epidemia de giberela na cultivar Trigo BR 23 em semeadura única e de forma escalonada de 1961 a 1999 e b) avaliar a influência do escalonamento da semeadura de cultivares de trigo de ciclos reprodutivos distintos ao espigamento/florescimento em relação à ocorrência de giberela.

O estudo foi realizado em observações que resultaram do emprego de modelos de simulação e de experimentos conduzidos em Passo Fundo, no campo experimental da Embrapa Trigo. O modelo de simulação denominado "Cropsim-Wheat", usado para simular de forma mecanística crescimento e desenvolvimento de trigo (Hunt & Pararajasingham, 1995), modificado por Vargas et al. (2000), foi usado para simular o momento da extrusão de anteras no processo de florescimento da cultivar Trigo BR 23, semeada em simulação, na forma escalonada nas datas de 5 de junho, 15 de junho e 25 de junho, comparado com uma única data de simulação de semeadura de 25 junho, no período de 1961 a 1999. As características físicas e químicas do solo da área experimental e as características genéticas da cultivar Trigo BR 23 foram previamente determinadas. Estas alimentam o arquivo de entrada de dados do modelo "Cropsim-Wheat". As variáveis de clima, como temperatura máxima e mínima do ar, precipitação pluvial e radiação solar, registradas na estação agrometeorológica de Passo Fundo (28º50´S e 52º40´W) durante o desenvolvimento da cultura de trigo, no período de 1961 a 1999, foram usadas na simulação do crescimento e desenvolvimento da cultivar estudada. O modelo "Cropsim-Wheat" opera com passo diário e inclui sub-rotinas para simular o crescimento, a fenologia, o balanço hídrico, a disponibilidade de nitrogênio no solo e o desenvolvimento de doenças foliares. Nesta última, foi inserido o módulo de giberela, o qual, na existência de anteras, utiliza dados diários de temperatura máxima, temperatura mínima e precipitação retirados do arquivo de clima. No período da extrusão à deiscência de anteras, o módulo de giberela estima e grava em arquivo de saída a proporção de anteras infectadas. Precipitação superior a 2 mm por dois dias consecutivos e/ou radiação solar menor que 10 J/m2/s (dias nublados) foram consideradas essenciais à infecção, pois precipitação pluvial e radiação solar são os fatores ambientes mais correlacionados a ela (Francl, 1998). Nessa condição, estipulou-se que 10% das anteras presentes no dia da simulação foram atingidas por propágulos do fungo (Reis et al., 1996). No momento, a densidade de ascósporos foi considerada constante. O somatório acumulado de anteras atingidas até a deiscência total dividido pelo número total de anteras representa a incidência final de giberela. Os valores de incidência foram transformados em valores relativos à incidência máxima observada, que foi de 93,6% na segunda época de semeadura simulada para a cultivar Trigo BR 23, no ano de 1979 .

Nos experimentos de campo, instalados na área experimental da Embrapa Trigo, em Passo Fundo, RS, em 1999 e 2000, foram usadas as cultivares de trigo componentes do ensaio de avaliação de cultivares em recomendação: BR 18, considerada de ciclo precoce; Embrapa 16 e Trigo BR 23, de ciclo médio; e BRS 177, de ciclo longo. O critério de escolha das cultivares foi realizado pela diferença de ciclo (dias) da semeadura ao espigamento (Reunião, 1999). Os genótipos foram avaliados nos experimentos instalados em três épocas de semeadura: 25 de maio, 15 de junho e 15 de julho de 1999; 23 de maio, 12 de junho e quatro de julho de 2000. A semeadura foi realizada com semeadora marca Hassia, em parcelas de 1 m x 5 m constituídas de cinco linhas de semeadura, espaçadas 17 cm, e com população de plantas ajustada para 300 plantas por metro quadrado. A fertilização do campo experimental e as demais práticas culturais seguiram as recomendações da Comissão Sul-Brasileira de Pesquisa de Trigo (Reunião, 1999).

Avaliações foram realizadas nas parcelas do primeiro bloco dos ensaios em delineamento em blocos ao acaso, ou seja, nas parcelas que não receberam controle químico de enfermidades. A diferença de ciclo das cultivares de trigo em estudo foi registrada pelas datas de florescimento pleno nas três épocas de semeadura nos anos de 1999 e 2000. Em cada parcela, foram amostradas e avaliadas 100 espigas secas, conforme método descrito por Lima et al., (1999). A porcentagem de grãos com sintomas de giberela (grãos giberelados) foi determinada em relação ao total de grãos. A infecção de espigas pelo patógeno ocorreu sob condições naturais.

Informações de saída do modelo de simulação para a cultivar Trigo BR 23, no período de 1961 a 1999, mostraram que o risco relativo de ocorrência de giberela variou entre anos e formas de semeadura (Figura 1). Na Figura 2, observa-se que a probabilidade de ocorrência da doença foi menor quando a semeadura foi simulada em escalonamento em situação de maiores riscos potenciais de ocorrência de giberela. O efeito desfavorável à doença em situação de simulação de escalonamento de semeadura não foi constatado em riscos potenciais menores. Tal situação ocorreu em decorrência de o risco potencial de ocorrência de giberela ser diretamente proporcional aos períodos climáticos favoráveis à doença.

A diferença de ciclo das cultivares de trigo nos experimentos de campo em 1999 e 2000 foi registrada pelas datas de florescimento pleno nas três épocas de semeadura (Quadro 1).

Conforme a Figura 3, que representa os resultados dos ensaios em campo, pode-se observar, através do percentual de grãos giberelados, que o ano de 2000 (Figura 3 B) foi favorável à giberela e o ano de 1999 (Figura 3A) não o foi. Conforme Quadro 2, o maior número de períodos favoráveis à doença ocorridos em 2000 (7) em relação a 1999 (4) justificam os maiores percentuais de grãos giberelados nesse ano, uma vez que a doença é extremamente dependente de períodos de precipitação pluvial e temperatura do ar amena. Em anos de El Niño, como o ocorrido em 2000, em que a condição climática foi favorável à ocorrência de giberela, o escalonamento da semeadura de trigo pode minimizar prejuízos.

Observou-se ainda que, independente do ano, o percentual de grãos giberelados não foi proporcional entre as cultivares nas distintas épocas de semeadura. Tal constatação pode ser justificada pela diferença de ciclo ao espigamento/florescimento com maior ou menor exposição da fase reprodutiva do genótipo a períodos climáticos favoráveis à doença.

Assim sendo, além da associação do uso de cultivares com melhor performance quanto à resistência genética e do controle químico, medidas culturais de controle visando ao escape da doença, como escalonamento de semeadura e uso de cultivares com ciclos reprodutivos diferentes, podem ser recomendadas para minimizar os prejuízos por giberela. Essa prática de controle cultural da doença é indicada com o intuito de, pelo menos, parte da lavoura escapar da giberela. O escape ocorre quando a fase reprodutiva não coincide com períodos favoráveis à doença.


1Pesquisador da Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS. E-mail: imac@cnpt.embrapa.brmauricio@cnpt.embrapa.br, picinini@cnpt.embrapa.br


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