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Embrapa Trigo

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ISSN 1517-4964
Junho, 2002
Passo Fundo, RS

 

USO DE MARCADORES PROTÉICOS NA SELECÃO DE TRIGO (Triticum aestivum L. em. Thell.) COM QUALIDADE TECNOLÓGICA SUPERIOR NA EMBRAPA TRIGO

Ana Christina Albuquerque Zanatta1
Sérgio Delmar dos Anjos e Silva2
Wagner Milani3
Jackies Luza4
Pablo Arendt5


O Brasil apresenta condições técnicas para atingir a auto-suficiência na produção de trigo, contudo há necessidade de se criar cultivares com melhor qualidade tecnológica. Nesse sentido, o Núcleo de Biotecnologia Aplicada a Cereais de Inverno da Embrapa Trigo (NBAC-Embrapa Trigo) vem atuando junto à área de melhoramento de trigo dessa instituição de pesquisa visando, através do uso de marcadores protéicos, a tornar mais eficiente a criação de cultivares com a qualidade tecnológica apropriada ao fim a que se destina o produto econômico do germoplasma gerado.

A aptidão panificativa de trigo é determinada por características genéticas, sendo afetada também por fatores ambientais. As proteínas de reserva, representando 85% do conteúdo do glúten, são as principais determinantes das propriedades funcionais da farinha de trigo. Estas proteínas apresentam amplo espectro de peso molecular, sendo classificadas em dois grupos: gliadinas e gluteninas. As primeiras são prolaminas de baixo peso molecular, pobres em cisteína. Já as gluteninas são polímeros de alto peso molecular, que se mantêm estáveis pelas pontes dissulfeto, que se formam a partir da ligação dos resíduos de cisteína. Em função destas características é que as proteínas de reserva do trigo, gliadinas e gluteninas de alto e baixo peso molecular, apresentam significado funcional, sendo responsáveis pelas propriedades viscoelásticas da massa.

As subunidades de glutenina de alto peso molecular (Glu-APM), com peso molecular (Mr) entre 67 e 88k, são proteínas de reserva do endosperma, amplamente reconhecidas como as responsáveis pelas características tecnológicas da farinha de trigo em função de serem as principiais determinantes da elasticidade da massa, propriedade que torna o trigo único dentre todas as plantas. Estas estruturas polipeptídicas são codificadas por genes Glu-1, localizados no braço longo do primeiro grupo homeólogo da espécie. Pelo tratamento com um agente redutor como o 2-mercaptoetanol, juntamente com o detergente aniônico sulfato dodecil de sódio (SDS), as Glu-APM podem ser fracionadas em suas subunidades constituintes e os componentes principais separados por eletroforese em gel de poliacrilamida na presença de SDS (SDS-PAGE) (Figura 1).

Os genes Glu-1, que codificam as subunidades de gluteninas de alto peso molecular estão localizados nos cromossomos 1A, 1B e 1D, a mencionar:

  1. cromossomo 1 do genoma A (Glu-1A) - subunidades N (nulo), 1 e 2*;
  2. cromossomo 1 do genoma B (Glu-1B) - subunidades 6+8, 7+8, 7+9, 7, 13+16, 14+15, 13+19, 17+18, 20, 21 e 22; e
  3. cromossomo 1 do genoma D (Glu-1D) - subunidades 2+12, 3+12, 4+12, 2+10, 5+10, 2+11, 2.2+12.

Para essas subunidades, foram estipulados escores de 1 a 4, com base na correlação com os valores de sedimentação da farinha, sendo que um genótipo pode apresentar escore mínimo de 4 e máximo de 10 pontos, de acordo com o eletroforegrama obtido (Tabela 1). Desta forma, um genótipo que apresente as bandas 2*, 7+8 e 5+10, somará uma pontuação igual a 10, indicativa de germoplasma com glúten forte. Por outro lado, um genótipo que apresente as bandas N, 6+8 e 2+12, somará apenas 4 pontos, o que sugere ser este um germoplasma de glúten fraco.

No NBAC-Embrapa Trigo, são analisados genótipos de trigo provenientes do programa de melhoramento conduzido na Embrapa Trigo, decorrentes de diferentes linhas de pesquisa e, portanto, com distintos objetivos e procedimentos no avanço de gerações, tais como, linhas segregantes – F1, F2 e F3; linhas avançadas – a partir de F5; e linhagens e cultivares duplohaplóides ou convencionais.

Analisando-se 2.092 genótipos de trigo em 1994, verificou-se que 50 % do material avaliado apresentava subunidades ligadas a glúten fraco, obtendo-se a seguinte distribuição de subunidades de gluteninas de alto peso molecular entre os acessos testados:

  1. Genoma A - subunidades 1 - 24,6 % ; 2* - 21,1 %; e Nulo 54,4 %;
  2. Genoma B - subunidades 13+16 - 11,3 %; 14+15 - 1,2 %; 17+18 - 26,0 %; 20 - 0,04 %; 6+8 - 3,6 %; 7 - 7,9 %; 7+8 - 22,6 %; e 7+9 - 27,3 %; e
  3. Genoma D - subunidades 3+12 - 0,5 %; 2.2+12 - 0,1 %; 2+10 - 0,2 %; 2+12 - 58,4 % e 5+10 - 40,9 %.

Paralelamente à análise da composição de gluteninas de alto peso molecular de 799 genótipos realizada em 1995, constatou-se que a translocação de centeio (1BL/1RS) estava presente em 36,5 % do material usado no bloco de cruzamentos da Embrapa Trigo desse ano. A presença dessa translocação constitui fator positivo no que se refere à resistência a doenças e a insetos, porém negativo em relação à qualidade de panificação do germoplasma, principalmente por aumentar a viscosidade da massa. Quando o genótipo apresenta a translocação 1BL/1RS, é feito um ajuste no escore, sendo calculado com base na hipótese de que o decréscimo em qualidade será proporcionalmente maior em genótipos que possuam melhor qualidade intrínseca. Para germoplasma que apresentar escore entre 8 e 10, subtraem-se 3 pontos; para aquele com escore entre 5 e 7, subtraem-se 2 pontos; e para aquele germoplasma que apresentar escore 4, subtrai-se 1 ponto.

Em 1996, foram avaliadas 4.104 amostras provenientes do programa de melhoramento da Embrapa Trigo, ao mesmo tempo em que foram analisadas 76 cultivares de trigo recomendadas para plantio no Brasil. Comparando-se a combinação de subunidades de gluteninas de alto peso molecular destas cultivares com a classe industrial do material, de acordo com a Portaria 167, de 29 de julho de 1994, do Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária (Tabela 2) em vigor até a safra de 1998, verificou-se que:

1. Trigo Melhorador(glúten muito forte): no genoma A, a subunidade 1 estava presente em 85,7 % das cultivares; no genoma B, a combinação 7+8 estava presente em 42,8 % das cultivares; e, no genoma D, a combinação 5+ 10 estava presente em todas as cultivares.

2. Trigo Superior (glúten forte): no genoma A, a subunidade 1 estava presente em 50,0% das cultivares; no genoma B, as combinações predominantes eram 7+8 (25,0%), 17+18 (25,0%), 13+16 (21,9%) e 7+9 (21,9%); e, no genoma D, a combinação 5+10 estava presente em 65,6% das cultivares.

3. Trigo Intermediário (glúten médio): no genoma A, a subunidade N estava presente em 47,83 % das cultivares; no genoma B, as combinações predominantes foram 7+8 (34,8 %), 17+18 (17,4 %), 13+16 (21,7 %) e 7+9 (21,7 %); e, no genoma D, a combinação 2+12 estava presente em 52,2% das cultivares.

4. Trigo Comum (glúten fraco): no genoma A, a subunidade N estava presente em 78,6 % das cultivares; no genoma B, as combinações predominantes foram 17+18 (50,0 %), 13+16 (14,3 %) e 7+8 (14,3 %); e, no genoma D, a combinação 212 estava presente em 78,6 % das cultivares.

Nessa análise, observa-se que glúten forte (boa qualidade de panificação) em cultivares brasileiras está associado, principalmente, às subunidades e combinação 1 e 5+10, e glúten fraco (baixa qualidade de panificação) está relacionado, principalmente, com as subunidades e combinação N e 2+12. Na Figura 2, pode ser observado que a freqüência de subunidades relacionadas com glúten forte aumenta à medida que a aptidão panificativa característica da classe de trigo é maior, verificando-se a inversão da freqüência de subunidades associadas a glúten fraco (N e 2+12) e forte (1 e 5+10) entre as classes de trigo comum e melhorador, respectivamente.

Pelos resultados obtidos até o presente momento em relação ao uso de mercadores protéicos para a criação de cultivares de trigo com qualidade tecnológica superior na Embrapa Trigo, verifica-se que:

  1. no trigo brasileiro, a melhor combinação de subunidades de gluteninas de alto peso molecular para maior qualidade de panificação é a seguinte: genoma A = 1 ou 2*; genoma B = 7+8, 7+9, 13+16 ou 17+18; e genoma D = 5+10; e
  2. a identificação da melhor combinação de subunidades de gluteninas de baixo peso molecular complementará o trabalho até agora realizado com gluteninas de alto peso molecular no sentido de obter cultivares de trigo com qualidade tecnológica adequada aos fins propostos, de acordo com a nova classificação do trigo brasileiro, que foi enquadrado em cinco classes: trigo brando, trigo pão, trigo melhorador, trigo para outros usos e trigo durum (Comunicado Técnico Online Nº18). Esse é o próximo desafio nessa área.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a valiosa contribuição de NEUSA PEREIRA JORGE e de MÁRCIA SCHLEDER, Assistentes de Operações 1 da Embrapa Trigo, na execução dos trabalhos relatados neste documento.


1 Pesquisadora da Embrapa Trigo, Caixa Posta 451, Rodovia BR 285, km 174, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS. E-mail: azanatta@cnpt.embrapa.br
2 Pesquisador da Embrapa Clima Temperado, Caixa Postal 403, Rodovia BR 392, km 78, 9' Distrito, CEP 96001-970, Pelotas, RS. E-mail: anjosds@zaz.com.br
3 Bolsista Iniciação Científica/FAPERGS - Embrapa Trigo.
4 Bolsista DTI/RHAE/CNPq - Embrapa Trigo.
5 Bolsista Curso de Ciências Biológicas da UPF - Embrapa Trigo.


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