Ministério da Agricultura e do Abastecimento
Embrapa Trigo ISSN 1517-4964
Comunicado Técnico Online
Nº 48, fev./2000

O coró-da-pastagem, Diloboderus abderus,
em lavouras sob plantio direto
1
Dirceu N. Gassen 2

1 - Introdução

O coró-da-pastagem, Diloboderus abderus (Col., Scarabaeidae), é a espécie de escarabeídeo mais conhecida na literatura do sul do Brasil, do Uruguai e da Argentina. A ocorrência é limitada às regiões com chuvas no inverno e vegetação rasteira de pastagens ou áreas com a presença de palha na superfície do solo. Não se desenvolve nas regiões com invernos secos como a dos cerrados brasileiros.

O inseto é citado como praga em pastagens e em cereais de inverno, desde a década de 50 (Costa, 1958; Silva et al., 1968). Em lavouras de inverno é citado como praga na região do planalto do RS (Guerra et al., 1976; Gassen, 1984, 1989; Silva, 1992).

Neste trabalho serão apresentadas as características gerais de biologia do inseto, de danos aos cereais de inverno, de amostragem e de métodos de controle da praga, com base em bibliografia e em estudos realizados na Embrapa Trigo.

2 - Biologia

Aspectos sobre a biologia do coró-da-pastagem foram descritos por Baucke (1965), por Alvarado (1979), por Morey e Alzugaray (1982) e por Gassen e Schneider (1992).

Os adultos do coró-da-pastagem (Fig. 1) apresentam acentuado dimorfismo sexual; a fêmea com 25 mm de comprimento e 13 mm de largura e o macho com 27 x 14 mm e provido de duas expansões pontiagudas no pronoto (face dorsal do primeiro segmento torácico) e um prolongamento longo e afilado no dorso da cabeça (Baucke, 1965; Gassen e Schneider, 1992).

O inseto completa seu ciclo biológico em um ano (Fig. 2), é univoltino. Os adultos nascem a partir de dezembro, realizam a postura com maior intensidade, quando o solo apresenta altos teores de umidade, em janeiro e fevereiro. Estiagens prolongadas no verão podem estender o período de postura até o início do outono. A fêmea adulta cava galerias, coleta palha, constrói o ninho e pode voar. A cópula ocorre dentro da galeria, pela união das partes posteriores dos adultos, com o macho posicionado na parte superior.

Alguns autores sugerem que a fêmea do coró-da-pastagem prefere fazer a oviposição em solo mais compactado ou duro, em áreas de pastagem (Fig. 3) (Torres et al., 1976; Alvarado, 1979; Morey e Alzugaray, 1982). Outros indicam a soja como cultura preferida para a oviposição e o milho como alternativa de controle de D. abderus (Silva, 1992).

Estudos sobre os hábitos reprodutivos do inseto adulto evidenciam que a oviposição ocorre em função da presença de palha na superfície do solo para a elaboração do ninho (Gassen e Schneider, 1992). A influência atribuída às culturas de verão está, na realidade, associada ao manejo de palha na cultura anterior.

Em milho, semeado em setembro, sobre aveia ou leguminosas dessecadas, a superfície do solo encontra-se com a palha em adiantada decomposição quando as fêmeas iniciam a oviposição em janeiro. Essa palha decomposta é inadequada para a elaboração do ninho e a oviposição.

Em soja, semeada entre novembro e dezembro, sobre trigo ou cevada, existe palha em abundância na superfície do solo no início do verão, condição necessária para a oviposição e conseqüente ocorrência de danos causados por larvas no inverno. As lavouras sob plantio direto podem apresentar maior população desse inseto, em virtude da presença de palha.

A escolha do local para a oviposição é função da presença de palha adequada (preferência por palha de gramíneas) na superfície do solo (Fig. 4) e independe da espécie de planta cultivada na fase de postura ou do sistema de preparo de solo (Gassen e Schneider, 1992).

A fêmea transporta a palha para o interior da galeria e constrói "pastilhas" de palha com 1,0 cm de espessura e 1,8 cm de diâmetro. No centro dessa "pastilha" deposita um ovo protegido por uma câmara de barro endurecido. Até oito pastilhas com ovos foram encontrados na mesma galeria.

Durante o período de incubação, o ovo aumenta de volume 3,4 vezes o seu peso inicial (Fig. 5). A incubação e o nascimento das larvas parece ser dependente de umidade no solo (Gassen e Schneider, 1992). Durante períodos de déficit hídrico as fêmeas não realizam postura e o tempo de incubação parece aumentar.

Um dia após a ocorrência de chuvas, que umedecem a terra até onde se localizam os insetos, estes reiniciam as atividades na superfície do solo e a oviposição. As fêmeas adultas saem das galerias logo após o escurecer e durante duas horas entram em intensa atividade de transporte de palha para oviposição ou para vôo de disseminação.

Os machos permanecem próximo à abertura da galeria, não participam do transporte de palha e muito raramente voam. Participam da cópula e da defesa da galeria onde se encontram as fêmeas. Das observações de campo, conclui-se que os prolongamentos duplos no pronoto e a expansão pontiaguda na cabeça do macho (Fig. 1) funcionam como estrutura de defesa contra predadores (Gassen e Schneider, 1992). Os predadores mamíferos, ao cavarem nas galerias, podem ser feridos pela compressão dessas expansões e as aves podem ser repelidas pela aparência de dente de predador que a cabeça do macho simula na entrada da galeria ou entre restos culturais no solo.

A larva eclode após um período de uma a duas semanas de incubação dos ovos e passa por três estádios de desenvolvimento. Durante o primeiro estádio (2 a 3 semanas) e parte do segundo (4 a 6 semanas) a larva alimenta-se da palha (pastilha) que a fêmea adulta levou para dentro da galeria.

Durante o primeiro e o segundo estádios as larvas podem ser encontradas em grupos, na mesma galeria. A larva de terceiro estádio constrói a própria galeria e vive solitária. Sobe à superfície do solo, durante a noite, para coletar palha e sementes e cortar plantas para o seu consumo (Fig. 6).

Na base da galeria constrói uma câmara para alimentação e depósito de excrementos, para onde se desloca com rapidez quando ocorre qualquer distúrbio no ambiente. A larva de terceiro estádio, aparentemente, busca plantas verdes durante períodos de seca e busca palha nos períodos de chuva e de excesso de umidade.

A disposição espacial das larvas em março-abril, em lavouras de resteva de soja, indica que elas encontram-se a uma profundidade média de 8,1 ± 0,9 cm (Fig. 7). Nessa época a maioria (72 %) das larvas encontram-se no segundo estádio (Gassen, 1993a).

A partir do fim de maio as larvas passam para o terceiro estádio. Em setembro, em lavoura de trigo, a profundidade média das galerias é de 15,06 ± 0,63 cm (Fig. 8) (Gassen, 1992a,b; Gassen e Corseuil, 1993). Em maio, 80 % das larvas encontravam-se até 10 cm de profundidade e em setembro, 82 % delas encontravam-se entre 8 e 20 cm.

Em trigo, as larvas encontram-se concentradas junto a fileira de plantas, com espaçamento entre linhas de 17 cm, 48,6 % delas na faixa de 4 cm sob as plantas (Fig. 9).

Em soja, com espaçamento de 50 cm, 18,6 % das larvas encontravam-se na faixa de 5 cm sob a fileira de plantas de soja, equivalente a 2,3 vezes a densidade média da população de larvas existente entre as fileiras (Fig. 10) (Gassen, 1993a).

A partir de meados de setembro, a larva passa pela fase de limpeza do sistema digestivo, quando cessa a alimentação, e inicia a fase de pré-pupa. Em novembro passa para a fase de pupa e no fim de dezembro eclodem os adultos (Fig. 2).

3 - Danos

Os danos em plantas cultivadas são causados por larvas de terceiro estádio, principalmente, de junho a agosto. Em anos com inverno rigoroso e falta de alimento, o período de danos pode se estender até setembro ou início de outubro. Observações de campo evidenciam danos severos em manchas de lavouras, nas culturas de inverno (Costa, 1958; Gassen, 1984).

Com base em experimentos de campo (Gassen, 1993b) (Fig. 11), o consumo de plantas foi estimado pela equação forçada através da origem Y = 0,143x (r²= 0,94) (Y = nº de plantas e x = dias), ou seja, uma planta a cada sete dias (Fig. 11 e 12). No período entre 19 e 43 dias, após a semeadura, com deficiência hídrica, foi constatada a maior redução no número de plantas: Y = 0,302x (r²= 0,98), equivalente a uma planta a cada 3,3 dias.

Em outro experimento, a capacidade de consumo de plantas de aveia, cultivar UPF 15, e de trigo, cultivar BR 35, foi determinada na presença e na ausência de palha de milho e de soja (6 t matéria seca/ha) na superfície do solo. Cada unidade experimental foi infestada com o equivalente a 18 larvas/m². Aos 76 dias após a semeadura, restavam entre 10 e 13 % das plantas de trigo e 34 e 46 % das plantas de aveia nas unidades sem e com palha, respectivamente.

O consumo de plantas de trigo sem palha na superfície do solo foi estimado pela equação de regressão Y = 0,169x (r²= 0,98), e de trigo com palha na superfície pela equação Y = 0,155x (r²= 0, 98).

Na aveia sem palha o consumo de plantas foi estimado pela equação Y = 0,158x (r²= 0,96), e na aveia com palha na superfície a equação foi Y = 0,126x (r²= 0,92).

O consumo foi equivalente a uma planta de trigo no tratamento sem palha a cada 5,9 dias, uma planta de trigo com palha na superfície a cada 6,5 dias, uma planta de aveia sem palha a cada 6,3 dias e uma planta de aveia com palha na superfície do solo a cada 7,9 dias.

Os resultados desses experimentos indicam que quatro larvas do coró-da-pastagem/m² podem causar a morte de 24 a 32 plantas de aveia ou de trigo, num período de dois meses, correspondendo à redução de aproximadamente 10 % da população de plantas (Gassen, 1993b).

A abertura de galerias verticais é uma característica positiva da presença de larvas de corós, permitindo a infiltração de água, o crescimento de raízes e a incorporação de nutrientes (Gassen, 1993c).

4 - Amostragem

Ao planejar o estudo de populações de insetos de solo, deve-se iniciar com unidades de amostra muito pequenas e aumentar o tamanho até o ponto em que o número de espécies e o número de indivíduos por unidade de área não se alteram significativamente, mesmo com unidades de tamanho muito maiores. Na amostragem de larvas de D. abderus, esse ponto de equilíbrio foi observado com unidades de amostra a partir de 20 cm x 40 cm (Fig. 13) (Gassen, 1992a).

Com população média de 26 larvas/m², a amostragem com unidades de amostra pequenas (20 cm x 10 cm) resultou em 60 % delas sem insetos (Fig. 14). Baseado nesse estudo, seria necessário ter 723 unidades de amostra para satisfazer um nível de precisão de 95 %. Para unidades de amostra maiores (20 cm x 120 cm) haveria necessidade de 98 amostras para satisfazer a mesma precisão (Fig. 15) (Gassen e Corseuil, 1993). O volume de trabalho para atender a esse nível de precisão inviabiliza a amostragem.

Unidades de amostra com área em torno de 20 cm x 40 cm foram escolhidas como as mais práticas de ser tomadas para coleta de larvas do coró-da-pastagem em lavouras de trigo (Gassen e Corseuil, 1993). Amostras de tamanho menor demandam um número mais elevado de repetições e amostras de tamanho maior necessitam de mais tempo de mão-de-obra.

5 - Inimigos naturais

Vários inimigos naturais nativos alimentam-se de ovos, de larvas e de adultos desse coró (Gassen, 1989, 1992c,d; Gassen e Jackson, 1992). Entre os predadores de adultos do coró-da-pastagem destacam-se aves noturnas, que atacam fêmeas durante o vôo de disseminação. Os adultos de Selenophorus alternans (Col., Carabidae) predam larvas (coró) pequenas e é a espécie de carabídeo mais freqüente no agroecossistema do sul do Brasil.

Os adultos de Megacephala sp. (Col., Cicindelidae) são predadores vorazes de larvas de primeiro ínstar. As larvas desse predador, devido ao hábito de capturar suas presas em movimento na superfície do solo, provavelmente não são efetivas sobre o coró.

Outros predadores (Col., Staphylinidae) são encontrados nas galerias de corós, mas seus hábitos alimentares não foram determinados. Larvas-arame (Col., Elateridae) foram encontradas predando corós.

Entre os parasitos, destaca-se Campsomeris (Pygodasis) grupo quadrimaculata (Hym., Scoliidae), que chega a parasitar 96 % das pré-pupas. Além das espécies encontradas nos levantamentos no Rio Grande do Sul, os parasitos Prorhyncops sp. e Ptilidexia sp. (Dip., Tachinidae) são citados na bibliografia.

Nematódeos do gênero Mermis (Mermithidae) foram encontrados em corós, em campos nativos.

Epizootias causadas por fungos, provavelmente, são a principal causa do colapso de populações do coró em lavouras. As principais espécies de fungos encontradas foram: Cordyceps sp., Metarhizium anisopliae e Beauveria bassiana. A bactéria Serratia marcescens e protozoários também foram encontrados.

As galerias de corós e dos adultos são, também, habitadas por diplópodes, por quilópodes e por gastrópodes.

O ácaro Caloglyphus berlesei (Ast., Acaridae) ocorre sobre as pernas e articulações do coró (Gassen, 1986). Na Argentina e no Uruguai, o ácaro forético Macrocheles spinipes encontra-se associado ao coró-da-pastagem (Krantz, 1998). Pouco se sabe da relação entre o ácaro e o hospedeiro.

6 - Controle químico

Experimentos foram realizados com trigo, em campo (Gassen, 1993b), com os seguintes inseticidas e doses (g i.a./100 kg de semente): benfuracarbe 500, carbofuram 700, carbossulfam 375, imidaclopride 70 e 105 e tiodicarbe 175 e 350. As avaliações consistiram no número de plantas aos 19, aos 26, aos 43, aos 75 e aos 92 dias; na população de afilhos e de espigas aos 106 e aos 139 dias após a semeadura; e no rendimento de grãos. Todos os inseticidas, nas doses testadas, protegeram as plantas contra o dano da larva, propiciando formação de afilhos e de espigas e produção de grãos equivalentes às do tratamento sem larvas do coró-da-pastagem. Os resultados evidenciaram que o tratamento de sementes com os inseticidas e doses usados é alternativa eficiente contra o dano de larvas do coró-da-pastagem, mesmo em circunstâncias de níveis populacionais elevados.

O tratamento de semente de cereais de inverno ou de milho com inseticidas é uma alternativa eficaz de proteção de plantas, até mesmo em doses reduzidas dos produtos registrados (Alvarado et al., 1981; Silva, 1992; Gassen, 1993b) (Fig. 12).

A semeadura de leguminosas (ervilhaca ou tremoço) ou de crucíferas (nabo-forrageiro ou canola) no inverno, cujos resíduos decompõem-se até janeiro, é uma estratégia que pode levar à redução da população de larvas no ano seguinte.

A ocorrência de corós em manchas de lavoura indica a necessidade de determinar a distribuição de larvas na lavoura e de adotar o controle apenas nas áreas onde provocam a perda expressiva em rendimento.

O custo de inseticidas para o tratamento de sementes de cereais de inverno é de aproximadamente US$ 25,00 por hectare, em torno de três sacos de trigo.


1 Publicado em: REUNIÃO LATINO-AMERICANA DE SCARABAEOIDOLOGIA, 4. 1999, Viçosa. Memórias. Londrina: Embrapa Soja, 1999. p.113-122.
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