Ministério da Agricultura e do Abastecimento
Embrapa Trigo ISSN 1517-4964
Comunicado Técnico Online
Nº 47, fev./2000

Os benefícios de corós em lavouras sob plantio direto 1
Dirceu N. Gassen 2

1 - Introdução

Os insetos e outros invertebrados de solo desempenham importante função na fragmentação e na incorporação de material orgânico, estimulando a atividade microbiológica na mineralização de material orgânico necessário ao crescimento das plantas.

Nas décadas de 70 e 80, o preparo de solo com arado e grade, precedido da queima de palha e o uso de inseticidas clorados e fosforados de alta persistência no ambiente, impediram o desenvolvimento de fauna de solo em agroecossistemas.

A adoção da prática do plantio direto (PD) com a palha mantida na superfície do solo, criou condições para o restabelecimento de fauna nativa de campos e de pastagens nos agroecossistemas.

Os profissionais da agricultura ainda preferem o controle químico, objetivando matar as pragas. Entretanto, os novos conceitos sobre agricultura e as exigências relacionadas à redução do impacto negativo sobre os recursos naturais, determinam a necessidade de manejar a fauna dos agroecossistemas de acordo com os princípios da sustentabilidade econômica, social e ecológica.

A adoção de estratégias de manejo de pragas passa pelo entendimento da função dos organismos afetados na cadeia alimentar, no controle biológico natural e nos aspectos positivos relacionados à decomposição de palha e abertura de galerias no solo.

Nesse trabalho serão apresentados aspectos benéficos de escarabeídeos de solo em lavouras sob plantio direto e informações sobre a importância de escarabeídeos na fragmentação de material orgânico, na reciclagem de nutrientes e na recuperação da estrutura física de solos.

2 - A degradação de material orgânico

Na camada superficial do solo ocorrem as atividades biológicas mais intensas da natureza, em que as cadeias alimentares são formadas pelos produtores (plantas), consumidores e redutores.

Os componentes da fauna podem ser agrupados de acordo com os hábitos alimentares em animais fitófagos (consumidores de plantas), zoófagos (predadores e parasitóides de outros animais), saprófagos (consumidores de animais e vegetais em decomposição), necrófagos (consumidores de animais e vegetais mortos) e geófagos (alimentam-se de terra) (Tabela 1). Também pode ser agrupada, de acordo com o tamanho do corpo, em micro (< 0,2 mm), meso (0,2 a 20 mm) e macrofauna (> 20 mm).

O resultado da ação dos decompositores primários produz a base alimentar para os decompositores secundários e assim sucessivamente até a mineralização do material orgânico. Os escarabeídeos participam no consumo de plantas e, principalmente, na fragmentação de material orgânico.

Os microrganismos apresentam maior capacidade metabólica e enzimática do que os insetos, na decomposição de material orgânico (Curry, 1987) e são muito importantes no processo de mineralização de material orgânico.

A lei dos mínimos (Liebig), inicialmente adotada para demonstrar o efeito de deficiência de nutrientes do solo sobre o desenvolvimento de plantas, pode ser adotado para identificar fatores limitantes ou de maior efeito sobre o fluxo de energia no ecossistema (Odum, 1977). Assim, o fator biótico ou abiótico de maior influência sobre a mortalidade limitará a expansão da população de animais no agroecossistema.

Nos agroecossistemas, a queima de palha, o preparo de solo, as monoculturas extensivas e o uso de agrotóxicos são os fatores de maior influência na quebra do fluxo de energia da natureza. A sucessão de duas culturas anuais extensivas (trigo e soja ou aveia e milho), expondo tipos diferentes de alimento em grande quantidade no ecossistema propicia a explosão de populações de espécies que consomem essas plantas, tornando-se praga.

A abundância de palha na superfície do solo é o fator básico para o restabelecimento de fauna diversificada e para o equilíbrio entre as populações dos agroecossistemas.

O plantio direto restabeleceu as condições para o aumento da atividade biológica e o controle da erosão, atendendo as demandas para a sustentabilidade ecológica dos agroecossistemas.

3 - A fauna de solo nos agroecossistemas

A competição entre espécies e o grau de dependência entre as populações nos ambientes naturais são complexas e levam ao equilíbrio nas comunidades.

A fauna de solo é de grande importância na decomposição e mineralização de plantas e resíduos orgânicos e na estruturação do solo. Os artrópodes, destacando os insetos, participam na fragmentação das plantas, na incorporação dos resíduos, na abertura de galerias e na predação de outros insetos (Tabela 1).

O volume de poros, a umidade, a ventilação e a temperatura do solo são os fatores abióticos que mais influenciam na ocorrência e na seleção de artrópodes de solo. Em florestas, por exemplo, o solo apresenta espaços amplos na camada superficial orgânica. Nas lavouras, a mecanização e o preparo intenso do solo, causam o adensamento, a desestruturação e a impermeabilização. A exposição da terra à radiação solar, resulta na elevação da temperatura, atingindo níveis letais para a fauna, nas horas mais quentes do dia (Fig. 1).

O preparo de solo, associado ao uso de inseticidas persistentes, determinam a redução na diversidade da fauna associada à agricultura. A palha na superfície do solo e o plantio direto permitem o restabelecimento de comunidades diversificadas com espécies ainda desconhecidas na agricultura.

A importância da fauna de solo na mineralização da matéria orgânica é destacada através da liberação de ácidos orgânicos (oxálico, cítrico, tartárico e málico) (Sá, 1993). Os organismos vivos, durante este processo, atuam como agentes complexantes de elementos tóxicos como o alumínio e o manganês. Isso pode explicar o crescimento exuberante de plantas nativas em solos considerados fracos.

Sob a palha na superfície do solo desenvolve-se uma fauna diversificada cobrindo os diversos níveis da cadeia de decomposição e de mineralização de material orgânico.

4 - Os escarabeídeos nos agroecossistemas

Os insetos conhecidos como corós, bicho-bolo, capitão, pão-de-galinha ou escarabeídeos, são besouros que pertencem a superfamília Scarabaeoidea, um grupo com numerosas espécies, cuja biologia e identificação são pouco conhecidas na América do Sul.

Em agricultura, os escarabeídeos caracterizam-se, tipicamente, como insetos de solo subterrâneos, compondo parte da macrofauna dos agroecossistemas. Algumas espécies alimentam-se de plantas causando danos econômicos, outras alimentam-se de resíduos de material orgânico, de excrementos (rola-bosta), de material em decomposição e até de outros insetos (predadores).

As espécies que se alimentam de plantas em agricultura também apresentam características benéficas na abertura de galerias e na incorporação de nutrientes. Outras espécies, presentes em lavouras sob plantio direto e em pastagens, são exclusivamente úteis na incorporação e na fragmentação de palha.

4.1 - Coró-da-pastagem, Diloboderus abderus

O coró-da-pastagem é nativo das regiões de vegetação rasteira no Rio Grande do Sul, na Argentina e no Uruguai. Com a adoção da prática do plantio direto, encontrou ambiente favorável estabelecendo-se como praga em lavouras e causando danos em culturas de inverno e em pastagens no período de junho a setembro.

Apesar dos danos causados pelas larvas, a divulgação de informações relacionadas a importância do inseto na abertura de galerias e na incorporação de nutrientes no perfil do solo, justificou a denominação de praga-útil para o coró-da-pastagem.

Estudos relacionados aos aspectos positivos da presença do coró-da-pastagem, determinando a distribuição dos teores de nutrientes no perfil de solo e a importância do inseto na incorporação e na mineralização de material orgânico, foram realizados por Gassen et al. (1993). Amostras foram coletadas no perfil de solo, em camadas de 5 cm, até 25 cm de profundidade, e dos resíduos encontrados nas câmaras de larvas de D. abderus. As amostras foram tomadas em lavouras de Santa Rosa e Giruá, RS, em solo classificado como Latossolo Roxo, com mais de 60 % de argila e, em Pontão, RS, em lavoura de Latossolo Vermelho Escuro distrófico. Os teores de fósforo (P), de potássio (K), de matéria orgânica (MO), de cálcio (Ca) e de magnésio (Mg) estão concentrados na camada superfi-cial, até 5 ou 10 cm de profundidade no solo (Tabela 2).

Em geral, os teores de P e de K encontram-se em níveis muito baixos na camada de 15 a 25 cm no perfil do solo (Tabela 2). O conteúdo das câmaras do coró, nesta faixa, apresenta teores de nutrientes várias vezes superiores e equivalentes aos da camada superficial mais fértil do solo. O depósito de fezes e de resíduos orgânicos, no fundo das galerias, é um importante benefício decorrente da presença de larvas do coró em lavouras sob plantio direto. Além disso, as galerias verticais, com 1,8 cm de diâmetro, absorvem a água de chuvas e são canais abertos para o transporte vertical de nutrientes e de resíduos orgânicos e para o desen-volvimento de raízes no perfil do solo.

Outros estudos foram realizados por Gassen e Kochhann (1993) em lavoura de trigo há seis anos sob plantio direto, em Ernestina, RS. Constatou-se a presença de 73,3 ± 8,6 galerias/m², numa área de aproximadamente 12 ha.

Os teores de argila e de alumínio (Al) foram menores na camada superficial e equivalentes aos dos resíduos orgânicos e solos encontrados na câmara da larva do coró-da-pastagem (Tabelas 3 e 4 e Fig. 2).

Os teores de P, de K, de Mg, de Ca e de MO estavam concentrados na camada superficial, até 10 cm de profundidade, e eram equivalentes aos teores dos mesmos fatores nas câmaras das larvas (Tabelas 3 e 4 e Fig. 3, 4, 5 e 6).

O conteúdo das câmaras do coró apresentou teores de nutrientes várias vezes superiores aos da camada entre 10 e 25 cm e equivalentes aos da camada superficial mais fértil do solo (0 a 5 cm) (Tabelas 3 e 4 e Fig. 2, 3, 4, 5 e 6).

A abertura de galerias verticais, a fragmentação de material orgânico e o depósito de excrementos na câmara larval no perfil do solo são importantes benefícios decorrentes da presença de larvas de D. abderus em lavouras sob plantio direto.

A variação nos dados obtidos nos teores de fósforo e de potássio, expressa pelo coeficiente de variação mais elevado (Fig. 4 e 6), pode ser explicado como conseqüência da aplicação destes elementos na linha de semeadura, que determina distribuições concentradas nas fileiras das plantas. Os outros elementos em geral não são aplicados nas lavouras e não sofrem esta influência na distribuição, resultando em coeficientes de variação menores.

A abertura de galerias verticais, a transformação de material orgânico e o depósito de excrementos na câmara larval no perfil do solo são importantes benefícios decorrentes da presença de larvas de D. abderus em lavouras sob plantio direto (Gassen, 1993c).

4.2 - Coró-da-palha, Bothynus sp.

Os adultos apresentam tamanho do corpo com 26 mm de comprimento e 16 mm de largura, coloração preta, marrom escura e as vezes acastanhada, com pernas robustas e pelos longos de coloração alaranjada e distintos na face ventral. São atraídos por lâmpadas em noites quentes nos meses de outubro a dezembro.

As larvas coletam palha (feno) na superfície do solo e armazenam na galeria (Fig. 7). Após coletar o volume necessário de palha para se alimentar e atingir a fase de pupa, as larvas fecham a parte superior e segmentos da galeria com terra endurecida com saliva. Espécies do gênero Bothynus, encontradas nos cerrados, fecham a entrada da galeria simulando a pisada de um animal, vista de cima, como provável estratégia de despiste predadores.

A profundidade das galerias varia entre 0,4 e 1,0 m. Na região de Sapezal, MT, foram cavadas galerias até 1,28 m, contendo aproximadamente 48 g de excrementos.

A larva passa à fase de pupa, no inverno, após o consumo da palha, entre os excrementos depositados no funda da galeria.

Os teores de P, de K e de MO, encontrados na câmara larval, são equivalentes aos da camada superficial do solo e várias vezes superiores aos da camada onde se encontram as câmaras das larvas (Tabela 5) (Gassen, 1993a,b).

O coró-da-palha pode ser caracterizado como verdadeiro símbolo do plantio direto, pela adaptação às condições de lavouras, pela freqüência elevada que ocorre, pela ampla distribuição geográfica desde o sul do Brasil até a região Amazônica, pela incorporação de palha e depósito de excrementos em galerias profundas e pela ausência de danos diretos às plantas cultivadas.

A larva do coró-da-palha apresenta características morfológicas e hábitos de construção de galerias semelhantes aos do coró-da-pastagem, gerando expectativa de danos e apreensão aos agricultores.

As larvas do coró-da-palha caracterizam-se pelo hábito de se movimentarem com o dorso do corpo voltado para a superfície do solo e as pernas para o ar (Fig. 8), enquanto, as larvas do coró-da-pastagem, danosas nos meses de inverno no sul do Brasil, movimentam-se com as pernas para o solo (Gassen, 1999).

4.3 - Coró, Cyclocephala flavipennis

O coró Cyclocephala flavipennis ocorre em lavouras sob PD e em pastagens. Alimenta-se de palha e não causa danos às plantas cultivadas, mesmo em populações elevadas (100 larvas/m2). As larvas dessa espécie podem ser caracterizadas pelo tipo e pela distribuição de espinhos e cerdas no raster, parte ventral do último segmento abdominal (Fig. 9) (Gassen et al., 1984; Gassen, 1989).

Esta espécie é encontrada em lavouras com abundância de palha e em pastagens. As larvas não cavam galerias e deslocam-se em busca de palha e de resíduos vegetais para alimentação (Gassen, 1989). Em laboratório, confinados em baldes e na ausência de palha, as larvas causaram danos em plantas de trigo (Gassen e Linhares, não publicado).

Nas infestações de lavouras pode-se assegurar que as larvas não causarão danos e que são úteis na decomposição de palha e no revolvimento de solo nas camadas superficiais.

As larvas apresentam características morfológicas e localização no solo, semelhantes às do coró-do-trigo, Phyllophaga sp., que ataca plantas no verão e no inverno. A diferenciação entre as larvas pode ser feita através das características de distribuição de espinhos e cerdas no raster, parte ventral do último segmento ab-dominal (Gassen et al., 1984, Gassen,1989 e 1999) (Fig. 9).

O coró C. flavipennis e o coró-do-trigo Phyllophaga sp. ocorrem no sul do Brasil e foram identificadas por Miguel A. Morón**.

5 - Considerações finais

Os escarabeídeos de solo desempenham importante função na fragmentação de material orgânico e na reciclagem de nutrientes. As galerias permitem maior infiltração de água das chuvas, a incorporação de nutrientes, o crescimento de raízes e a melhor estruturação física do solo.

Entre agricultores formou-se a opinião de que o plantio direto beneficia os escarabeídeos e a alternativa de controle das espécies-praga seria o preparo intensivo do solo. Estudos evidenciam que os corós passaram a ser considerados aliados do agricultor, após a identificação de espécies úteis e as alternativas de controle das espécies-praga, através do tratamento de sementes com inseticidas e do estímulo aos agentes de controle biológico com a palha na superfície.

Sob plantio direto, o uso de inseticidas de amplo espectro de ação pode causar a morte de insetos benéficos, que consomem palha, cavam galerias, ou são inimigos naturais de pragas, exigindo conhecimento dos profissionais de agricultura e valores éticos diferentes dos adotados nas lavouras sob preparo convencional de solo.


1 Publicado em: REUNIÃO LATINO-AMERICANA DE SCARABAEOIDOLOGIA, 4. 1999, Viçosa. Memórias. Londrina: Embrapa Soja, 1999. p.123-132.
2 Pesquisador da Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS.
sac@cnpt.embrapa.br
** Correspondência do taxonomista Miguel A. Morón, do Instituto de Ecología, Area de Ecologia y Biossistematica de Animales. Xalapa, Mexico, enviada ao eng.-agr. Dirceu N. Gassen, pesquisador da Embrapa Trigo, em 9.7.91.
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