Ministério da Agricultura e do Abastecimento
Embrapa Trigo ISSN 1517-4964
Comunicado Técnico Online
Nº 45, dez./99
Grãos armazenados: resistência de pragas a inseticidas químicos
Irineu Lorini 1

O primeiro caso de resistência de insetos a inseticidas químicos foi relatado por Melander (1914) relativamente à cochonilha de São José ao enxofre. Houve uma evolução para apenas 12 espécies nos 30 anos subseqüentes, e na atualidade existem documentadas mais de 500 espécies de insetos e de ácaros que desenvolveram resistência a um ou mais grupos químicos. Com a introdução do DDT, o interesse e o estudo da resistência aumentaram expressivamente, detectando-se resistência nos diferentes grupos, como clorados, fosforados, carbamatos e piretróides (Georghiou, 1983). Espécies multirresistentes são comuns, demonstrando vários mecanismos de resistência a diferentes grupos químicos (Georghiou, 1986).

A resistência em pragas de produtos armazenados, no Brasil, tem assumido grande importância nos últimos anos. Para as principais espécies em grãos armazenados - Rhyzopertha dominica, Sitophilus oryzae, Sitophilus zeamais, Tribolium castaneum, Cryptolestes ferrugineus e Oryzaephilus surinamensis - já foram detectadas raças resistentes no Brasil a inseticidas químicos usados em operações de controle (Tabela 1), excetuando-se O. surinamensis. Isso evidencia a necessidade urgente de estratégias de manejo integrado de pragas no armazenamento (Lorini, 1999), para reduzir o problema da resistência e para que os inseticidas sejam preservados pelo maior tempo possível, haja vista a grande dificuldade de substituição desses produtos.

Classicamente, existem três mecanismos envolvidos na resistência de insetos a inseticidas, que são: redução da penetração do inseticida pela cutícula do inseto; detoxificação ou metabolização do inseticida por enzimas; e redução da sensibilidade no sítio de ação do inseticida pelo sistema nervoso.

As barreiras de penetração em insetos constituem um mecanismo de resistência viável, e a redução da penetração do inseticida pela cutícula é efetiva quando associada ao mecanismo de defesa metabólico, e mais efetiva ainda contra inseticidas prontamente degradáveis. A base genética desse mecanismo está relacionada a genes secundários, como o gene pen da mosca doméstica, que se localiza no cromossomo III e é um gene recessivo. Normalmente, esse gene confere pouca ou nenhuma resistência na ausência de outro mecanismo de resistência e provavelmente não causa, por si só, significantes falhas de controle (Roush & Daly, 1990).

A metabolização ou detoxificação é importante, e provavelmente o mais estudado, mecanismo de resistência de insetos a inseticidas. Esse mecanismo permite ao inseto modificar ou detoxificar o inseticida a uma taxa suficiente para prevenir a ação no sítio alvo. A degradação de inseticidas pode ocorrer por vários processos metabólicos nos quais o produto é convertido em forma não tóxica ou mesmo eliminado rapidamente do corpo do inseto. Diferentes enzimas e sistemas enzimáticos estão envolvidos no processo da resistência, como esterases, oxidases, transferases e outras enzimas que aumentam sua eficiência ou a quantidade nas raças resistentes. Cada enzima é mais específica para um tipo ou grupo de inseticidas. A resistência associada a esses processos é controlada primariamente por genes localizados no cromossomo II na mosca doméstica e parece ser herdada de maneira incompletamente dominante.

O terceiro mecanismo de resistência, que é a redução na sensibilidade do sistema nervoso, é caracterizado por três diferentes processos. Na resistência por "knockdown" (kdr) na mosca doméstica, existe demora na resposta do sistema nervoso do inseto aos inseticidas piretróides e ao DDT. O mecanismo neurotóxico kdr envolve seletiva modificação na sensibilidade do canal de sódio, o qual é considerado o principal sítio de ação de piretróides e do DDT. Esses autores registraram que o gene kdr é recessivo, assim como o super-kdr alelo, que confere resistência maior que a do gene kdr. Outro mecanismo que altera o sistema nervoso é a insensibilidade da acetylcholinesterase para inseticidas organofosforados e carbamatos. Outra vez, na mosca doméstica, o gene responsável por essa resistência localiza-se no cromossomo II. O último desses processos confere resistência a inseticidas ciclodienos, e o gene responsável está localizado no cromossomo IV.

A resistência de pragas a inseticidas é um exemplo de evolução de espécies, demonstrando como podem sobreviver e mudar genética e fisiologicamente sob pressão dos químicos.

Como exemplo, a resistência do besouro pequeno dos cereais R. dominica ao inseticida piretróide deltamethrin (Lorini & Galley, 1999) e a resistência cruzada aos inseticidas pirimiphos-methyl, chlorpyrifos-methyl e permethrin apresentou associação de mecanismos de resistência metabólicos e redução da sensibilidade do sistema nervoso.

Devido a falhas de controle de deltamethrin, os diferentes insetos foram coletados, multiplicados em laboratório e submetidos ao teste de resistência, que inicialmente apresentou fator de resistência de 874 vezes. Após nove gerações de seleção em laboratório com esse inseticida, o fator de resistência aumentou para 9.036 vezes, entre os mais suscetíveis e os resistentes. Essa resistência é explicada parte pelo mecanismo metabólico, através do uso dos bloqueadores enzimáticos butóxido de piperonila e DEF, parte pela mudança no comportamento de raças resistentes e parte pela redução da sensibilidade do sistema nervoso do inseto, devido a provável mudança na permeabilidade da membrana do canal de sódio (Lorini & Galley, 1998).

Dessa forma, o manejo da resistência a inseticidas no ambiente de armazenagem de grãos é uma prática essencial, pois é muito difícil controlar determinada praga depois de ela tornar-se resistente ao produto químico. O manejo adequado pode reduzir o número de espécies resistentes ou, no mínimo, retardar o aparecimento do problema. Salienta-se que, por outro lado, a resistência de parasitóides de pragas de produtos armazenados (Lorini & Galley, 1997) poderá ser um componente complementar ao controle de pragas.

 


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