Ministério da Agricultura e do Abastecimento
Embrapa Trigo ISSN 1517-4964
Comunicado Técnico Online
Nº 32, dez./99

Levantamento de raças de Blumeria graminis f.sp. tritici em trigo, no Brasil
Leila Maria Costamilan 1
Walesca Iruzun Linhares 2

Introdução

O oídio do trigo, causado por Blumeria graminis (DC) E. O. Speer f.sp. tritici Em. Marchal (=Erysiphe graminis f.sp. tritici), ocorre de forma endêmica em todas as regiões tritícolas do Brasil e dos países do Cone Sul da América do Sul, além da Europa e do leste dos Estados Unidos (Linhares, 1988; Kohli, 1996; Niewoehner & Leath, 1998). Essa doença pode ocasionar perdas significativas na produção de grãos, dependendo das condições climáticas, da resistência genética das cultivares em uso e da aplicação, ou não, de fungicidas. Foram registradas perdas de 10 % a 14 % (Linhares, 1988), de 34 % a 62 % (Fernandes et al., 1988) e de 39 % (Reis et al., 1997) no rendimento de trigo afetado por oídio, nas condições de Passo Fundo, RS.

O uso de cultivares de trigo com resistência genética é a forma menos dispendiosa de controle da doença. Com esse objetivo, melhoristas de trigo têm tentado introduzir resistência em cultivares comerciais, porém baseando-se na ação de um ou de poucos genes que apresentem efetividade total contra o oídio. Sendo B. graminis f.sp. tritici um patógeno altamente variável, o uso de cultivares com poucos genes de resistência causa alta pressão de seleção sobre a população do fungo, levando ao desequilíbrio na composição racial e à seleção de raças virulentas, resultando em quebra de resistência.

Devido a isso, levantamentos periódicos da freqüência de virulência da população de B. graminis f.sp. tritici são necessários para identificar a localização das raças e os genes de resistência que estão efetivos ou inefetivos, a fim de auxiliar na escolha de genitores, em um programa de desenvolvimento de cultivares de trigo.

Este trabalho tem como objetivo relatar resultados de três anos de levantamento de raças de B. graminis f.sp. tritici em alguns estados produtores de trigo do Brasil.

Material e Métodos

Amostras de folhas de trigo infectadas por B. graminis f.sp. tritici, oriundas de lavouras e de campos experimentais localizados no Rio Grande do Sul, no Paraná, no Distrito Federal, no Mato Grosso do Sul e em São Paulo, foram enviadas ao Centro Nacional de Pesquisa de Trigo (Embrapa Trigo), em Passo Fundo, RS, nos anos de 1995, 1996 e 1997. Os locais de coleta estão listados na Tabela 1.

Os testes foram realizados em casa-de-vegetação, com temperatura variando entre 18 °C e 30 °C, iniciando com a coleta de esporos do material original, seguida da purificação e da multiplicação do fungo em cultivar suscetível ('Lemhi' ou 'IAS 54', que não apresentam genes de resistência às raças conhecidas de oídio). A seguir, três isolados monopustulares (A, B e C) foram obtidos de cada amostra, cada um sendo multiplicado separadamente várias vezes, a fim de garantir a pureza e de aumentar a quantidade de esporos.

Cada isolado monopustular foi inoculado em plantas de trigo da série diferencial (Tabela 2), com oito dias de idade, agitando-se vigorosamente folhas das cultivares suscetíveis infectadas com os isolados. A leitura da reação ocorreu sete dias após, usando-se a escala expressa na Tabela 3.

De acordo com a combinação de reações de resistência ou de suscetibilidade para os genes testados nas cultivares da série diferencial, foram determinadas as fórmulas de virulência de cada isolado, identificando-se as raças em biótipos (BOT), de numeração seqüenciada, de forma a não existirem dois biótipos com a mesma fórmula de virulência.

Resultados e Discussão

Foram analisados 36 isolados em 1995, 32 isolados em 1996 e 24 isolados em 1997, coletados a partir de 38 cultivares comerciais e de 27 linhagens. Desses isolados, 32,2 % foram provenientes das cultivares Anahuac, Trigo BR 23, Trigo BR 35, CEP 24, Embrapa 16, Frontana e OCEPAR 21. Passo Fundo (RS), Pato Branco, Londrina e Guarapuava (PR) e Planaltina (DF) representaram 64,4 % do total de locais amostrados.

Foram identificadas 67 raças de B. graminis f.sp. tritici: 18 em 1995, 23 em 1996 (sendo 13 novas) e 37 em 1997 (sendo 36 novas). Apenas uma raça, denominada BOT17, ocorreu nos três anos: no Rio Grande do Sul em 1996, no Paraná em 1995 e 1996, no Distrito Federal em 1995 e em São Paulo em 1997.

Das amostras recebidas do Rio Grande do Sul, foram isolados os biótipos BOT1, BOT2, BOT3, BOT4, BOT5, BOT6, BOT7, BOT9, BOT11, BOT12, BOT18, BOT32, BOT33, BOT35, BOT36, BOT38, BOT39, BOT40, BOT41, BOT42, BOT43, BOT44, BOT45, BOT46, BOT47, BOT48, BOT49, BOT60 e BOT61. Destes, os biótipos BOT1, BOT2, BOT4, BOT6, BOT7, BOT18 e a seqüência de BOT39 a BOT49 foram determinados apenas em amostras coletadas nesta unidade da federação.

Das amostras recebidas do Estado do Paraná, foram isolados os biótipos BOT3, BOT5, BOT8, BOT9, BOT10, BOT11, BOT12, BOT14, BOT15, BOT16, BOT17, BOT32, BOT33, BOT34, BOT35, BOT36, BOT37, BOT45, BOT47, BOT50, BOT51, BOT52, BOT53, BOT54, BOT55 e BOT56; os biótipos BOT8, BOT10, BOT14, BOT15, BOT16, BOT34, BOT37 e a seqüência de BOT50 a BOT56 não foram determinados nas outras unidades da federação.

Nas amostras recebidas do Distrito Federal, foram identificados os biótipos BOT3, BOT11, BOT12, BOT13 e BOT17; o biótipo BOT13 não foi determinado no Paraná e no Rio Grande do Sul.

Nas amostras enviadas do Mato Grosso do Sul, observaram-se somente os biótipos BOT12 e BOT19.

Nas amostras de São Paulo, foram determinados os biótipos BOT17, BOT38, BOT57, BOT58, BOT59, BOT60, BOT61, BOT62, BOT63, BOT64, BOT65, BOT66 e BOT67; os biótipos BOT17, BOT57, BOT58, BOT59 e de BOT62 a BOT67 não foram determinados nas outras unidades da federação.

Virulência aos genes Pm3a, Pm3c, Pm8, Pm2+6 e PmD1 foi determinada em isolados das cinco unidades da federação. No Rio Grande do Sul, no Distrito Federal, no Mato Grosso do Sul e em São Paulo, durante os três anos, mantiveram-se efetivos os genes Pm2, Pm2+Mld e Pm4a+.... No Paraná, registrou-se quebra da resistência do gene Pm2+Mld, em 1996 e em 1997, mantendo-se efetivos Pm2 e Pm 4a+....

Observou-se, nas amostras do Rio Grande do Sul, aumento na freqüência de isolados com virulência a Pm3a, Pm4a, Pm4b e Pm6, bem como diminuição na freqüência de Pm3c e PmD1. Mantiveram-se estáveis os genes Pm8, Pm2+6 e Pm1+..., e houve baixa ocorrência de isolados com virulência a Pm1 e PmD2.

No Paraná, houve incremento na freqüência de virulência aos genes Pm4a, Pm4b e Pm6, diminuição aos genes Pm3c, Pm1+... e PmD1, e estabilidade aos genes Pm3a, Pm8 e Pm2+6. Ocorreram poucos isolados com virulência aos genes Pm1, Pm2+Mld e PmD2.

Nas amostras do Distrito Federal, em dois anos, observou-se incremento de virulência ao gene Pm1+... e decréscimo aos genes Pm3a, Pm4a e PmD1. Mantiveram-se estáveis os genes Pm3c, Pm6, Pm8, Pm2+6 e PmD1, e ocorreu, em baixa freqüência, virulência aos genes Pm1, Pm4b, Pm6 e PmD2.

No estado do Mato Grosso do Sul, em 1996, determinou-se 100 % de freqüência de virulência aos genes Pm3a, Pm3c, Pm8, Pm1+... e Pm2+6, bem como menor taxa (66 %) ao gene PmD1.

Em São Paulo, em 1997, foram registradas altas freqüências aos genes Pm3a, Pm4a, Pm8, Pm1+..., Pm2+6 e PmD1 e baixas freqüências a Pm3c e Pm6. Nesse estado foi registrada a maior freqüência de virulência a PmD2.

Os isolados com composição idêntica de genes inefetivos e efetivos de resistência foram agrupados, a fim de se determinar a composição racial da população. Na Tabela 4 estão listadas essas raças, compreendendo um total de 68,1 % da população das cinco unidades da federação. Observou-se que a raça BOT12 apresentou a maior freqüência (16,8 %), ocorrendo em 1995 e 1996 no Rio Grande do Sul, no Paraná, no Distrito Federal e no Mato Grosso do Sul. Quarenta e três raças ocorreram somente uma vez. A maioria das raças foi virulenta para os genes Pm3a, Pm3c, Pm8, Pm1+..., Pm2+6 e PmD1. Nos Estados Unidos, Niewoehner & Leath (1998) identificaram virulência aos genes Pm3a e Pm3c, além de Pm2, Pm4 e Pm6, também testados no Brasil, e a Pm3b, Pm3f, Pm5, e Pm7, não testados no Brasil.

Aos isolados corresponderam de 3 a 9 genes de virulência em 1995, de 3 a 10 genes de virulência em 1996 e de 2 a 8 genes de virulência em 1997 (Figura 6). A freqüência de 20 % a 30 % do total da população foi de isolados com 5 ou 6 genes de virulência. Isolados com 7 genes de virulência foram mais freqüentes em 1997, e com 8 a 9 genes, em 1996. Dois isolados com somente dois genes de virulência (Pm8 e Pm2+6) foram identificados em 1997, no Paraná. O maior número de genes de virulência por isolado foi 10, em 1996, identificado também no Paraná, sendo inefetivos os genes Pm3a, Pm3c, Pm4a, Pm4b, Pm6, Pm8, Pm1+..., Pm2+6, Pm2+Mld e PmD1.

Dessa forma, permanecem efetivos a todas as raças de oídio do trigo, nessas unidades da federação, os genes Pm2 e Pm4a+....

A mudança na população patogênica de B. graminis f.sp. tritici pode ser exemplificada com a quebra de resistência referente ao gene Pm8, presente nas cultivares Alondra Sib, resistente ao oídio até 1983, e na cultivar Embrapa 16, resistente até 1996. Atualmente, em todas as amostras, foi constatada 100 % de freqüência de virulência a esse gene, com exceção de São Paulo, com freqüência de 87,5 %, o que descarta o uso dessa fonte de resistência.

Esses resultados devem ser considerados com reserva, devido ao pequeno número de amostras que serviram de base para as análises.


1 Pesquisadora da Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS. leila@cnpt.embrapa.br
1 Ex-pesquisadora da Embrapa Trigo.
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