Ministério da Agricultura e do Abastecimento
Embrapa Trigo ISSN 1517-4964
Comunicado Técnico Online
Nº 31, dez./99

Aplicações de previsões climáticas na agricultura
Gilberto R. da Cunha 1

Introdução

Um grande esforço sobre aplicações de previsões climáticas foi desenvolvido, em nível mundial, a partir do evento El Niño de 1997-1998. Buscou-se incorporar informações relacionadas com previsões climáticas, feitas nas escalas de tempo estacional e interanual, nos processos de tomada de decisões práticas. Para isso, foram considerados e envolvidos todos os setores da atividade humana que são sensíveis aos impactos causados pela variabilidade climática, tais como: agricultura, abastecimento de alimentos, energia, saúde pública, gerenciamento de recursos hídricos, defesa civil etc.

A divulgação intensa de informações, valendo-se dos poderosos recursos da Internet, nas páginas mantidas por instituições que atuam na área das ciências atmosféricas em vários países, e do amplo espaço dedicado ao tema pelos veículos convencionais de comunicação (jornal, revista, rádio e TV), fez com que o público geral tivesse acesso, quase que simultaneamente à comunidade científica, a uma série de informações, muitas ainda de caráter experimental, relacionadas com a previsão do fenômeno El Niño-Oscilação do Sul (Enso) e seus possíveis reflexos sobre a variabilidade climática e impactos socioeconômicos em algumas regiões do mundo. Esse fato, apesar da realização de reuniões entre especialistas científicos da área de previsões climáticas e representantes dos setores usuários, quando da divulgação em veículos de comunicação, muitas vezes causou dúvidas, dando margem a interpretações equivocadas e apressadas sobre o que efetivamente estava sendo previsto, que impactos na variabilidade climática regional poderiam ser esperados e qual a melhor forma de se utilizar esse tipo de informação para reduzir os riscos decorrentes de condições adversas ou otimizar o aproveitamento de situações favoráveis.

Entre os setores da atividade humana que podem se beneficiar de previsões climáticas, destaca-se a agricultura. Particularmente naquelas regiões do mundo em que há sinais de variabilidade climática associados às fases do fenômeno Enso. El Niño e La Niña, fase quente e fase fria do Enso respectivamente, influenciam principalmente o regime de chuvas da Região Sul do Brasil. Em geral, El Niño causando chuvas acima dos valores normais e La Niña sendo responsável por diminuição na quantidade de chuvas. Esse conhecimento, por si mesmo, não assegura qualquer utilidade à informação relacionada com a divulgação de previsões do fenômeno Enso.

A Embrapa Trigo, consciente da necessidade de agregação de valor às informações relacionadas com as previsões das fases do fenômeno Enso, desenvolveu várias atividades na área de meteorologia agrícola, visando a compreender os impactos da variabilidade climática regional associada às fases do Enso e a orientar o segmento produtor sobre suas aplicações na agricultura do Sul do Brasil.

O objetivo deste artigo é sintetizar as atividades realizadas pela Embrapa Trigo no tocante às aplicações de previsões climáticas na agricultura do Sul do Brasil e atualizar informações referentes ao fenômeno La Niña de 1999 e seus possíveis impactos na variabilidade climática regional, durante o período da safra de verão 1999-2000.

Resultados

A incorporação de previsões climáticas nos processos de tomada de decisão na agricultura não é tão simples como possa parecer à primeira vista. A credibilidade da informação, a noção clara dos aspectos fortes e dos pontos de incerteza das previsões, o conhecimento dos impactos da variabilidade climática sobre o rendimento econômico das culturas, a identificação das práticas de manejo de plantas que podem ser feitas diferentes, de acordo com cenários de variabilidade climática, e, acima de tudo, a consciência de que os resultados esperados, em se tratando de futuro, serão sempre probabilísticos são questões que exigem um processo intenso de educação de usuários e de difusão de resultados, visando a transformar conhecimento científico e informação em tecnologia com características pragmáticas, como demandam os segmentos do agronegócio, em particular o produtor.

Nos últimos anos, o esforço dedicado pela Embrapa Trigo na área de aplicações de previsões climáticas na agricultura do Sul do Brasil compreendeu: palestras, artigos para jornais, artigos técnico-científicos para revistas de divulgação, artigos científicos para revistas especializadas e anais de congressos, apresentação de resultados em eventos científicos, participação em audiência pública da Câmara dos Deputados e em entrevistas sobre o tema para jornais, rádios e TVs.

Palestras

Entre 1997 e 1999, foram realizadas 42 palestras sobre aplicações do fenômeno El Niño-Oscilação do Sul na agricultura. Engenheiros-agrônomos, técnicos agrícolas, produtores rurais, autoridades, líderes locais e público geral de 25 municípios da região produtora de grãos do Rio Grande do Sul estiveram presentes nesses eventos, atingindo, diretamente, 6.465 pessoas (Tabela 1).

Artigos em jornais

Divulgaram-se artigos de opinião, em jornais com circulação regional, estadual e nacional, relacionados com aplicações de previsões climáticas na agricultura. Particularmente sobre El Niño e La Niña. Muitos desses artigos foram veiculados em vários jornais. Na seqüência, apresenta-se a relação de artigos, com uma referência de publicação apenas.

CUNHA, G.R. O olhar oblíquo da Menina. Zero Hora-Campo & Lavoura, Porto Alegre, RS, p.5, 1° de outubro de 1999.

CUNHA, G.R. O olhar oblíquo de La Niña. Gazeta Mercantil, Porto Alegre, RS, Brasil, p.2, 20 de setembro de 1999.

CUNHA, G.R. La Niña e o Ad Petendam Pluviam. Gazeta Mercantil, Porto Alegre, RS, p.2, 22 de julho de 1999.

CUNHA, G. R. El Niño e a colheita da soja. O Nacional, Passo Fundo, RS, Brasil , p.2, 23 de março de 1998.

CUNHA, G.R. El Niño na Internet. O Nacional-Caderno Informática, Passo Fundo, RS, p.3, 10-11 de janeiro de 1998.

CUNHA, G.R. O superstar da meteorologia. O Nacional, Passo Fundo, RS, p.2, 19 de janeiro de 1998.

CUNHA, G.R. Os insatisfeitos meteorológicos. O Nacional, Passo Fundo, RS, p.2, 26 de janeiro de 1998.

CUNHA, G.R. El Niño, La Niña e a utilidade da ciência. Gazeta Mercantil, Porto Alegre, RS, p.2, 27 de outubro de 1998.

CUNHA, G.R. Esperando La Niña, ainda. O Nacional, Passo Fundo, RS, p.24, 10-11 de outubro de 1998.

CUNHA, G.R. E então, será que vai chover? Gazeta Mercantil, Porto Alegre, RS, p.2, 1° de outubro de 1998.

CUNHA, G.R. Esperando La Niña e suas conseqüências. Gazeta Mercantil, Porto Alegre, RS, p.2, 14 de julho de 1998.

CUNHA, G. R. Lidando com riscos em agricultura. Gazeta Mercantil, Porto Alegre, RS, p.2, 4 de fevereiro de 1998.

CUNHA, G.R. O El Niño no Sudeste da América do Sul. Gazeta Mercantil, Porto Alegre, RS, p.2, 23-25 de janeiro de 1998.

CUNHA, G.R. El Niño: bandido ou mocinho? Gazeta Mercantil, Porto Alegre, RS, p.2, 13 de outubro de 1997.

CUNHA, G.R. Ciclo hidroilógico. Zero Hora-Campo & Lavoura, p.2, 07 de novembro de 1997.

CUNHA, G. R. Meteorologia aplicada à agricultura. O Nacional, Passo Fundo, RS, p.8, 19 de junho de 1996.

CUNHA, G.R. As previsões meteorológicas de longo prazo. O Nacional, Passo Fundo, RS, p.2, 9 de dezembro de 1996.

CUNHA, G.R. Chuvas no Sul do Brasil: Principais aspectos do conhecimento. O Nacional, Passo Fundo, p.2, 15 de julho de 1996.

CUNHA, G.R. O fenômeno ENSO e suas anomalias climáticas. O Nacional, Passo Fundo, RS, p.2, 22 de janeiro de 1996.

Artigos em revistas de divulgação

Na Revista Plantio Direto, na Revista Lavoura Arrozeira e na Revista Amanhã, foram publicados os seguintes artigos:

CUNHA, G.R. La Niña e o Ad Petendam Pluviam. Revista Plantio Direto, Passo Fundo, n.52, p.30-31, 1999.

CUNHA, G.R. Esperando La Nina. Revista Plantio Direto, Passo Fundo, n.46, p.22, 1998.

CUNHA, G.R. Esperando La Nina. Amanhã-Guia Empresarial Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Agosto de 1998, p.8, 1998.

CUNHA, G.R. O fenômeno El Nino - Oscilação do Sul e suas aplicações na agricultura no sul do Brasil. Lavoura Arrozeira, Porto Alegre, v.50, n.433, p.3-12, 1997.

CUNHA, G.R. El Nino & agricultura: a arte de administrar riscos. Revista Plantio Direto, Passo Fundo, n.42, p.17-21, 1997.

CUNHA, G.R. El Niño-Oscilação do Sul: um fenômeno que influencia o clima e a agricultura de diferentes partes do mundo. Revista Plantio Direto, Passo Fundo, n.29, p.4-8, 1995.

Artigos em revistas científicas, em anais de congressos, em livros e em série documentos da Embrapa Trigo

Citam-se os seguintes artigos:

CUNHA, G.R. El Niño-Oscilação do Sul e perspectivas climáticas aplicadas no manejo de culturas no sul do Brasil. Revista Brasileira de Agrometeorologia, Santa Maria, v.7, n.2, 1999. (no prelo)

CUNHA, G.R.; DALMAGO, G.A. ESTEFANEL, V. Enso influences on wheat crop in Brazil. Revista Brasileira de Agrometeorologia, Santa Maria, v.7, n.1, p.127-138, 1999.

CUNHA, G.R.; DALMAGO, G.A.; ESTEFANEL, V. Influências do fenômeno ENSO sobre a cultura de trigo no Brasil. In: XI CONGRESSO BRASILEIRO DE AGROMETEOROLOGIA, 1999, Florianópolis, SC, Brasil. Anais XI Congresso Brasileiro de Agrometeorologia, Epagri, p.1622-1628, 1999.

CUNHA, G.R. El Niño-Oscilação do sul e perspectivas climáticas aplicadas no manejo de culturas no sul do Brasil. In: XI CONGRESSO BRASILEIRO DE AGROMETEOROLOGIA , 1999 , Florianópolis, RS, Brasil. Anais XI Congresso Brasileiro de Agrometeorologia, Epagri, p.1340-1346, 1999.

CUNHA, G. R. La Niña e suas influências na agricultura do sul do Brasil, safra 1999-2000. In: IV CONFERÊNCIA ANUAL DA REVISTA PLANTIO DIRETO, 1999, Passo Fundo, RS, Brasil. Anais IV Conferência Anual da Revista Plantio Direto, Aldeia Norte Editora, p.33-43, 1999.

CUNHA, G.R. Riscos climáticos e cultivo de trigo no Brasil. In: XVIII REUNIÃO NACIONAL DE PESQUISA DE TRIGO, 1999, Passo Fundo, Embrapa Trigo, Anais XVIII Reunião Nacional de Pesquisa de Trigo, v.1, p.85-103, 1999.

CUNHA, G. R. El Niño e a safra de cevada cervejeira de 1997. In: XVIII REUNIÃO ANUAL DE PESQUISA DE CEVADA, 1998, Passo Fundo, RS, Brasil. Anais XVIII Reunião Anual de Pesquisa de Cevada, Embrapa Trigo, p.30 -36, 1988.

CUNHA, G.R. Meteorologia: Fatos & Mitos. Passo Fundo: EMBRAPA-CNPT, 267p., 1997.

CUNHA, G.R. Sustentabilidade: a redução de riscos climáticos e o contexto de sustentabilidade em agricultura. In: REUNIÃO TÉCNICA ANUAL DO MILHO, 41. / REUNIÃO TÉCNICA DO SORGO, 24., 1996, Passo Fundo. Anais... Passo Fundo: EMBRAPA-CNPT, p. 241-247, 1996.

CUNHA, G.R. Meteorologia aplicada à agricultura. In: SEMINÁRIO SUL-BRASILEIRO DE INFORMÁTICA NA AGRICULTURA, 1., 1996, Passo Fundo. Anais... Passo Fundo: EMBRAPA-CNPT, p.30-33, 1996.

CUNHA, G.R.; FERNANDES, J.M.C. Meteorologia aplicada à tomada de decisão em agricultura. In: EMBRAPA. Centro Nacional de Pesquisa de Trigo (Passo Fundo, RS). Dia de campo do Centro Nacional de Pesquisa de Trigo-1995. Passo Fundo, 1995. p.18. (EMBRAPA-CNPT. Documentos, 23).

Internet

Informações e artigos sobre El Niño e La Niña e suas aplicações na agricultura do Sul do Brasil encontram-se disponibilizados no site Internet do Laboratório de Meteorologia Aplicada à Agricultura da Embrapa Trigo (Figura 1), podendo ser acessados no endereço: http://www.cnpt.embrapa.br/agromet.htm.

Outros

Além dos artigos de opinião para jornal, artigos científicos e de divulgação técnica, palestras e disponibilização de informações na Internet, destacam-se a participação em audiência pública na Câmara de Deputados (Brasília, DF, 22 de outubro de 1997, reunião da Comissão de Agricultura e Política Agrícola sobre os impactos do fenômeno El Niño) e em entrevistas para rádios, TVs e jornais, envolvendo o tema de aplicações de previsões climáticas na agricultura. Como exemplo, citam-se:
· Estiagem volta a assustar na hora do plantio, Zero Hora-Campo & Lavoura, Porto Alegre, p.4, 1º de outubro de 1999.
· Clima favorável para a safra de inverno, O Nacional, Passo Fundo, p.9, 27 de agosto de 1999.
· Frio favorece rendimento e qualidade de trigo no RS, Diário da Manhã, Passo Fundo, p.2, 7 de julho de 1999.
· Clima favorece cultivo de trigo na Região Sul, O Estado de São Paulo, São Paulo, p.4, 30 de junho de 1999.
· Cereal serve para forragem e farinha, Zero Hora-Campo & Lavoura, Porto Alegre, p.5, 25 de junho de 1999.
· Safra de trigo do sul é beneficiada pelo clima, Gazeta Mercantil, São Paulo, 14 de junho de 1999.
· Perspectivas climáticas são favoráveis para o trigo, O Nacional, Passo Fundo, p.5, 12-13 de junho de 1999.
· Perspectivas climáticas são favoráveis para o trigo, Diário da Manhã, Passo Fundo, p.16, 17 de junho de 1999.
· Seguro é opção para enfrentar La Niña, Zero Hora-Campo & Lavoura, Porto Alegre, p.40, 16 de julho de 1998.
· Fenômeno El Niño também traz benefícios, Gazeta Mercantil, Porto Alegre, p.1, 10 a 12 de outubro de 1997.
· O que fazer para enfrentar o El Niño, Zero Hora, Porto Alegre, p.30, 30 de setembro de 1997.

La Niña e a safra de trigo de 1999

O fenômeno El Niño-Oscilação do Sul (ENSO), ou apenas El Niño, como é referido nos veículos de comunicação de massa, possui duas fases: uma quente (El Niño) e outra fria (La Niña). O comportamento da temperatura da superfície das águas do oceano Pacífico tropical (parte central e junto à costa oeste da América do Sul), em associação com os campos de pressão (representados pelo Índice de Oscilação do Sul), altera o padrão de circulação geral da atmosfera e, assim, influencia o comportamento do clima global.

Várias regiões no mundo têm o clima afetado pelas fases do ENSO. Entre estas, no caso do Brasil, citam-se a parte norte da Região Nordeste e o leste da Amazônia (na faixa tropical) e a Região Sul (na faixa extra-tropical), que está inserida em uma grande região localizada no sudeste da América do Sul, abrangendo também o Uruguai, o sudeste do Paraguai e o nordeste da Argentina.

Particularmente no Sul do Brasil, há excesso de chuvas nos anos de El Niño e estiagem em anos de La Niña. Apesar da influência dar-se durante todo o período de atuação desses eventos, há duas épocas do ano que são mais afetadas pelas fases do ENSO. São elas: primavera e começo de verão (outubro, novembro e dezembro), no ano inicial do evento, e fim de outono e começo de inverno (abril, maio e junho), no ano seguinte ao de início do evento. Assim, nessas épocas, são maiores as probabilidades de chuvas acima do normal em anos de El Niño e de chuvas abaixo do normal em anos de La Niña.

No Brasil, o trigo tem sido cultivado principalmente no Sul. Nessa região, Paraná e Rio Grande do Sul são os principais estados produtores. Também há trigo em Santa Catarina, embora em menor escala. No restante do país, há disponibilidade de estatísticas de trigo em Mato Grosso do Sul, em São Paulo e em Minas Gerais. Com isso, pela expressão no total da produção brasileira de trigo e considerando a sensibilidade da região às variações climáticas associadas às fases do fenômeno ENSO, serão apresentados e discutidos, primeiramente, os resultados obtidos para os estados da Região Sul (PR, RS e SC; nessa ordem, pela importância da cultura). Na seqüência, os efeitos sobre o rendimento médio nos estados de MS, de SP e de MG e no país.

No período de tempo considerado, 78 anos, ocorreram 23 eventos El Niño e 15 eventos La Niña. Os outros 40 anos foram anos neutros. A análise dos dados da Tabela 2 evidencia que os impactos dos eventos El Niño são, na maioria das vezes, negativos sobre o rendimento de trigo, nos três estados da Região Sul do Brasil. O inverso ocorre nos anos de La Niña, quando os impactos predominantes são positivos. E nos anos neutros os impactos positivos são igualmente maioria.

Para os estados de Mato Grosso do Sul, de São Paulo e de Minas Gerais, a influência regional das fases do ENSO sobre o clima não é tão evidente quanto o é no Sul do Brasil, por exemplo. Associado ao fato de a análise basear-se em uma série histórica mais curta de rendimentos, os resultados devem ser vistos com cautela. De qualquer forma, os dados da Tabela 2 indicam maior ocorrência de desvios negativos em anos de El Niño, comparativamente aos anos de La Niña e neutros, embora, tanto nos episódios El Niño quanto nos de La Niña, tenham predominado desvios negativos para Mato Grosso do Sul.

Considerando-se os dados de rendimento de trigo agregados no Brasil, no período de 1920 a 1997, constata-se que o Rio Grande do Sul e o Paraná têm maior influência na composição das estatísticas de trigo em nível nacional. Assim, há uma dominância dos eventos La Niña, em relação aos eventos El Niño, quanto às probabilidades de trazerem impactos positivos sobre o rendimento da cultura de trigo no Brasil.

Os dados da Tabela 2 mostram que, no Brasil, nos 23 episódios El Niño analisados, em 61 % deles os desvios nos rendimentos foram negativos. Nos eventos La Niña (15 eventos considerados) ocorreu o inverso, pois em 73 % dos casos os desvios no rendimentos foram positivos, ou seja, acima do esperado. Nos 40 anos considerados neutros, em 55 % das vezes os desvios foram positivos, e em 45 % das restantes, negativos.

O comportamento da variabilidade dos rendimentos de trigo no Brasil ante as fases do fenômeno ENSO pode ser explicado pela influência que este exerce nas anomalias de chuva nos períodos de primavera e começo de verão, no Sul do Brasil. Essa região concentra, no Paraná e no Rio Grande do Sul, grande parte da produção nacional. E excesso de chuva para o trigo, como ocorre em anos de El Niño, cria condições de ambiente favoráveis ao desenvolvimento de doenças, além de o encharcamento do solo e redução de luminosidade, verificados em períodos chuvosos, inibirem o crescimento de raízes e da parte aérea de plantas (massa seca), influindo negativamente nos componentes de rendimento. No evento El Niño de 1997, foram estimadas perdas de 568.641 toneladas na safra agrícola da Região Sul. Deste total, 82 % era referente à cultura de trigo.

Também ficou evidente que nem todo El Niño causa, necessariamente, impactos negativos sobre o rendimento da cultura de trigo no Brasil. O nível de impacto vai depender muito da intensidade do fenômeno e da anomalia causada no regime de chuvas, e, para quantificação de efeitos, os episódios podem ser classificados como fracos, moderados, fortes ou extremamente fortes.

Pelo exposto, em virtude do peso representado pelos estados do Sul na produção brasileira de trigo, fica evidente o maior risco para essa cultura nos anos que o fenômeno El Niño está atuando. As maiores probabilidades de impactos climáticos positivos ocorrem nos anos de La Niña, seguidos dos anos neutros, devido ao comportamento do regime de chuvas no Sul do Brasil em associação com as fases do fenômeno ENSO. Uma discussão detalhada dos impactos das fases do fenômeno El Niño-Oscilação do Sul sobre a cultura de trigo no Brasil pode ser encontrada em Cunha et al. (1999). Esta expectativa foi confirmada na safra de 1999, tanto em rendimento como em qualidade, pelo menos nas primeiras colheitas.

La Niña 1999 e perspectivas climáticas para a safra de verão 1999-2000

O boletim Enso Diagnostic Advisory, liberado pelo Climate Prediction Center em 10 de novembro de 1999, destaca que as condições de um episódio La Niña dominaram o Oceano Pacífico tropical durante o mês de outubro. As anomalias de temperaturas da superfície do mar situaram-se entre -0,5 e -1,5 °C, indicando uma condição que tem persistido desde junho de 1998 e que provavelmente se manterá nos próximos meses. A continuidade do atual evento La Niña até abril do ano 2000 está sendo prevista tanto por modelos estatísticos como de acoplagem oceano-atmosfera, como por exemplo o do NCEP, atualizado em 10 de novembro de 1999, conforme consta na Figura 2.

Assim, para o Sul do Brasil, a expectativa é de que no período da safra de verão, as precipitações pluviais não ocorram em abundância como se verifica em anos de El Niño (tipo 1997/98, por exemplo). Pelo menos até janeiro de 2000, a tendência é de chuvas próximas da média histórica; conforme o Boletim Infoclima, ano 6, número 11, de 18 de novembro de 1999, do Cptec-Inpe.

Por isso, em anos como este, mais do que nunca, valem as orientações relacionadas com manejo de culturas voltadas à redução de riscos climáticos, particularmente os causados por seca. Por exemplo: diversificar épocas de semeadura, plantar cultivares de ciclos diferentes, optar por culturas mais resistentes ao estresse hídrico (sorgo comparativamente a milho, quando for o caso), plantar quando há umidade no solo suficiente para garantir o estabelecimento da cultura, usar sistemas que conservam a umidade no solo (plantio direto na palha em relação ao sistema convencional de preparo), ficar atento ao nível de dano econômico causado por pragas, entre outras. Acima de tudo, definir o nível tecnológico a ser empregado a partir de riscos climáticos conhecidos.


1 Pesquisador da Embrapa Trigo. Caixa Postal 451. CEP 99001-970 Passo Fundo, RS. cunha@cnpt.embrapa.br Bolsista do CNPq-PQ
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