Ministério da Agricultura e do Abastecimento
Embrapa Trigo ISSN 1517-4964
Comunicado Técnico Online
Nº 27, dez./99

Controle biológico de pulgões de trigo: o sucesso que perdura
José Roberto Salvadori 1

O Problema

Os pulgões ou afídeos que atacam plantas de trigo são insetos que ao se alimentarem ocasionam danos diretos, devido à sucção da seiva, e danos indiretos, pela transmissão de doenças e pela injeção de toxinas. A invasão dos pulgões da folha (Metopolophium dirhodum) e da espiga de trigo (Sitobion avenae), que ocorreu no Cone Sul da América do Sul na década de 60, foi acompanhada, no Brasil, por grande expansão da área de cultivo de trigo, que aumentou de 258,3 mil hectares em 1962 para 3,5 milhões, em 1976. Nativos da Europa e da Ásia, os pulgões chegaram ao Brasil livre de inimigos naturais. A conjugação destes fatores levou a grande explosão populacional e ampla dispersão dos pulgões no Sul do Brasil, onde vieram a se constituir, nos anos 70, nas principais pragas da cultura de trigo e de outros cereais de inverno.

No planalto gaúcho, as populações de pulgões atingiram níveis alarmantes, provocando drásticas reduções na produtividade de trigo. Em 1974, em áreas sem controle de pulgões, o rendimento de trigo foi reduzido em até 88%. Estima-se que em todo Sul do Brasil, no período 1967-72, os danos causados por pulgões tenham sido da ordem de 20%.

Na época, generalizou-se o uso do controle químico, gerando grande desequilíbrio biológico e tornando a produção de trigo completamente dependente do uso de inseticidas. Durante aproximadamente uma década, toda a área tritícola do Rio Grande do Sul recebeu, pelo menos, uma aplicação anual de inseticida. Na maioria das situações, porém, eram feitas duas aplicações por safra na mesma lavoura, e, em muitos casos, três a quatro aplicações de inseticidas eram necessárias para um efetivo controle de pulgões. Considerando-se apenas o Rio Grande do Sul, com área média de 1,5 milhão de hectares cultivados com trigo, no período l970 a 1979, não é difícil avaliar o volume de inseticidas que foi aplicado, bem como estimar os riscos de efeitos paralelos no ambiente e na saúde pública.

A Solução

Os pulgões servem de alimento para grande número de insetos e de substrato para desenvolvimento de doenças causadas por microorganismos. Entre os inimigos naturais de pulgões, destacam-se os parasitóides, microhimenópteros das famílias Aphidiidae e Aphilinidae. São vespinhas que parasitam pulgões, matando-os para manter sua própria sobrevivência.

Essas vespas, de tamanho diminuto (aproximadamente 2 mm de comprimento), colocam seus ovos dentro do corpo dos pulgões e do ovo eclode a larva, que se alimenta do conteúdo interno do pulgão, e aí empupa, levando o hospedeiro à morte cerca de uma semana após. O exoesqueleto do pulgão morto adquire aspecto característico, sendo denominado múmia. A capacidade de postura e, por conseguinte, de parasitação, varia com a espécie de parasitóide, situando-se em torno de 300 ovos/fêmea. Cada múmia dá origem a uma nova vespa. Nos anos 70, os níveis de parasitismo natural de pulgões de trigo eram insignificantes e ineficientes para controlar a praga.

Em julho de 1978, com o apoio da FAO e da Universidade da Califórnia - Berkeley, EUA, a Embrapa Trigo, situada em Passo Fundo, RS, iniciou um projeto para controlar biologicamente os pulgões de trigo, através da importação de vespinhas desde as regiões de origem dos pulgões. A hipótese era que, de diversas espécies introduzidas, algumas se adaptariam às condições ecológicas do Sul do Brasil, aí se estabeleceriam e passariam a se multiplicar livremente sobre os pulgões de trigo, contribuindo para controlar as populações da praga. Esperava-se obter controle natural adicional da ordem de 15%.

Assim, o projeto foi iniciado com a busca, principalmente em países da Europa e do Oriente Médio, e posterior introdução no país, de 14 espécies de vespinhas, as quais passaram a ser produzidas na Embrapa Trigo e liberadas nas lavouras de trigo. Até 1992, foram produzidos e liberados cerca de 20 milhões de indivíduos.

A Equipe

O projeto constituiu-se, também, num caso exemplar de trabalho de equipe. Pelo volume de trabalho e pela abrangência geográfica das atividades houve necessidade de participação de diversos especialistas e instituições, que estiveram envolvidos com diferentes atribuições e em diferentes épocas. Considerando-se apenas o pessoal da Embrapa Trigo, participaram os entomologistas Luis A. B. de Salles, Franco Lucchini, Enrique S. Zúñiga, Fernando J. Tambasco, Dirceu N. Gassen e José R. Salvadori; o técnico agrícola Egídio Sbrissa; os laboratoristas Iedo Santos, Gilson Gregoris, Edir de Almeida, Nereide de Almeida e Maria L.M. de Almeida; e os auxiliares de campo Djalmo A. da Rosa, Valdomiro Michelini, Volmar de P. e Silva, Geraldo G. de L. Nunes e Abrão de S. Guimarães.

Os Resultados

Algumas espécies de vespinhas introduzidas se estabeleceram e os índices de parasitismo dos pulgões na cultura de trigo superaram a meta do projeto. Além disso, os parasitos também passaram a agir nos locais de sobrevivência e de multiplicação de pulgões nas entressafras de trigo, em gramíneas espontâneas e em outras plantas cultivadas. Os níveis populacionais dos pulgões da folha e da espiga de trigo e os danos por eles causados, extremamente altos na década de 70, foram reduzidos drasticamente nos anos 80.

O uso de inseticidas químicos para o controle de pulgões de trigo diminuiu gradualmente. Em 1977, o controle químico de pulgões no Rio Grande do Sul foi realizado em 99% das lavouras; em l981, caiu para menos de 5%. Essa situação se mantém até hoje, pois apenas ocasionalmente, em áreas ou em anos de clima atipicamente quente e seco durante o outono e o inverno, ocorrem casos isolados em que o uso de inseticidas para controle de pulgões de trigo se faz necessário.

Estima-se que, com essa redução do uso de inseticidas, tenham sido economizados 16,23 milhões de dólares/ano e que cerca de 855 mil litros/ano de inseticidas deixaram de ser jogados no ambiente.

Esses números, que por si só já seriam importantes, adquirem maior significado quando se considera que, em dez anos, o consumo de praguicidas nas lavouras brasileiras cresceu 44%. Além disso, o controle biológico se estendeu naturalmente aos pulgões de outros cereais de inverno (cevada, aveia, triticale etc.) e a diminuição do uso de inseticidas, possivelmente, também favoreceu o desenvolvimento de populações de insetos úteis nas culturas de verão (soja, milho etc.).

Esses resultados permitem afirmar que o projeto brasileiro de controle biológico de pulgões de trigo, vinte anos após ter sido implementado, se constitui um dos maiores exemplos de controle biológico bem-sucedido em culturas anuais, em todo o mundo.


1 Pesquisador da Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS. jrsalva@cnpt.embrapa.br
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