Ministério da Agricultura e do Abastecimento
Embrapa Trigo ISSN 1517-4964
Comunicado Técnico Online
Nº 23, dez./99

Cevada brasileira: situação & perspectivas
Euclydes Minella 1

Introdução

O Brasil produz cevada em escala comercial desde 1930. Desde o início, a produção é feita em resposta a demanda da indústria de malte cervejeiro. O malte é o produto obtido pelo processo de malteação. Este, consiste da germinação do grão de cevada, em condições controladas, por tres a seis dias, interrompida bruscamente por secagem sob altas temperaturas (torração). No Brasil e no mundo, malte de cevada é destinado principalmente ao fabrico de cervejas. Até o final da década de 50, a produção foi realizada nas "Colônias" do RS, SC e PR, com sementes importadas. Nos anos 60, com variedades locais mais resistentes a acidez de solo, a produção foi transferida para as zonas de campo, com agricultura mecanizada.

A produção brasileira, caracteriza-se por ter sido sempre realizada mediante contrato firmado entre empresas fornecedoras de semente, as quais provêm orientação técnica e os produtores. Até meados de 70 a produção contou com pouco ou nenhum apoio oficial. Entretanto, em 1976, o Governo Federal lançou o Plano Nacional de Auto-Suficiência em Cevada e Malte (PLANACEM), visando substituição do produto importado, pelo doméstico. Embora não tenha atingido a meta da auto-suficiência até 1984, os incentivos propiciaram ampliação significativa da capacidade interna de malteação e armazenagem, e a intensificação e diversificação de pesquisa, realizada então pela iniciativa privada. O engajamento da Embrapa Trigo no plano, executando e coordenando esforços de pesquisa, foi fundamental para consolidação e expansão da cevada no país.

Os avanços tecnológicos obtidos através de cultivares adaptadas e de técnicas de manejo adequadas as condições locais de clima e solo, tem sido rapidamente incorporados a produção, através de ações conjuntas dos diferentes segmentos da cadeia produtiva.

Graças à integração e à sintonia existente entre os segmentos do agronegócio, a cultura de cevada está em expansão, apresentando competitividade para continuar crescendo de forma sustentada, em tempos de globalização e intensa competição por mercados.

MERCADO / DEMANDA

Demanda atual

Em função da exclusividade do uso, o mercado atual seria no máximo, igual ao da capacidade de malteação instalada. As três maltarias em operação (Brahma em Porto Alegre-RS, Agraria em Guarapuava-PR e Antarctica em Jaguaré-SP) podem processar juntas cerca de 330.000 toneladas de cevada classificada ou seja, 360.000 toneladas ao nível de propriedade. Somando-se o volume para semente, a demanda sobe para 380.000 toneladas/ano. A nova maltaria (Malteria do Vale, Taubaté-SP) elevará para 460.000 toneladas/ano a demanda para o ano 2000. Considerando-se como rendimento potencial a média dos últimos três anos, esta demanda seria suprida com o plantio de 200.000 hectares já nesta safra ou seja, uma área 45 % maior que a da última (Tabela 1).

Conforme estabelecido na Portaria 691/96 do Ministério da Agricultura e Abastecimento, para ser comercializada para malte, a cevada deve atender os seguintes padrões de qualidade:

  • Teor de umidade: máximo 13 %
  • Poder germinativo: mínimo 95 %
  • Teor de proteínas : máximo 12 %
  • Grãos avariados: máximo 5 %
  • Matérias estranhas e impurezas: máximo 3 %

O preço praticado para a cevada padrão malte tem sido no mínimo igual ao do trigo da classe superior (pão). A cevada fora deste padrão é comercializada principalmente para alimentação animal. Para esta finalidade, o preço praticado é no máximo igual ao do milho o que, torna a produção não competitiva atualmente.

Demanda potencial

O consumo atual de malte para cerveja no país está estimado em 850.000 toneladas/ano. Caso o país fabricasse este volume, a demanda total por cevada seria de 1,2 milhões de toneladas/ano. A área necessária para a produção deste volume chegaria então a 550.000 hectares. Isto seria atingido facilmente somente nas atuais regiões produtoras. Nos cerrados do Brasil Central, há disponibilidade de áreas irrigadas aptas para a cevada, ampliando ainda mais o potencial de oferta nacional.

PRODUÇÃO / OFERTA

A Tabela 1 evidencia aumentos significativos na área cultivada e na produção nos últimos três anos. O volume total produzido em 1998 representa 78 % da demanda interna para 1999. Entretanto, descontando-se as 60.000 toneladas que não atingiram o padrão malte, este número baixa para 65 %. A rápida expansão verificada indica que o consumo atual nas maltarias poderia ser suprido domesticamente num espaço curto de tempo. Entretanto, a inconsistência (instabilidade) das safras em quantidade e/ou qualidade, o alto custo de produção e a falta de mercado alternativo para a produção fora do padrão indústria, destacam-se entre os obstáculos ao auto abastecimento.

Localização

O Rio Grande do Sul é o maior produtor, contribuindo em 1998, com 70,6 % da produção, seguido pelo Paraná e Santa Catarina com 27,4 e 2,0 %, respectivamente (Tabela 2). No Rio Grande do Sul a produção está concentrada em duas regiões distintas. A região Norte responde por 90 e 65 % da produção do Estado e do país, respectivamente. Esta região abrange o Planalto Superior no nordeste e o Planalto Médio no norte /noroeste. Passo Fundo representa o centro desta região. A região Sul engloba parte da Depressão Central, Serra do Sudeste e da Campanha. Em Santa Catarina o cultivo ocorre no planalto de Canoinhas e vale do Rio do Peixe, com concentração em Campos Novos e Mafra. No Paraná a produção se concentra em Guarapuava e Ponta Grossa no centro sul do Estado.

Condições de clima favoráveis à produção de grãos com qualidade cervejeira definem as concentrações da produção. Basicamente, qualidade cervejeira é obtida em regiões de alta luminosidade, baixa umidade relativa do ar e de temperaturas amenas (frescas) durante as fases de formação, enchimento e maturação dos grãos.

A CEVADA NO SISTEMA DE PRODUÇÃO

Sendo plantada no outono/inverno, a cevada disputa espaço com as culturas de trigo, aveia e triticale cultivadas nesta época. O ciclo do plantio à colheita se completa entre 130 e 150 dias, dependendo da época de semeadura, região, cultivar e do ano. Na fase vegetativa a planta é semelhante a de trigo e aveia. Na emergência, a cevada apresenta rapidez na germinação e grande vigor de plântulas, cobrindo o solo mais rapidamente que as demais culturas. Apresenta também ciclo mais curto e maior tolerância a baixas temperaturas (geadas) que trigo ou aveia. Assim, pode ser plantada e colhida mais cedo, permitindo o plantio da cultura de verão na época de melhor resultado. Nas regiões produtoras, a cevada vem apresentando médias de rendimento superiores as de trigo e de aveia. Maior sensibilidade a acidez e/ou alumínio tóxico do solo, a seca e ao calor excessivo e palha mais fraca são as principais desvantagens da cevada relativas as outras espécies. Economicamente, em igualdade de preço, a cevada tem proporcionado, em geral, maior retorno que trigo ou aveia, em função do maior potencial de rendimento, menor custo de produção e maior liquidez de mercado. A liquidez de mercado está associada ao sistema de contrato com garantia de compra celebrado antes do plantio.

FATORES LIMITANTES A EXPANSÃO

Nesta altura, os leitores já devem estar perguntando: se temos consumo, área, cultivares e tecnologia para produzir, porque é que não produzimos tudo o precisamos ou, pelo menos, mais do que já estamos produzindo? A resposta é complexa visto serem muitos os fatores associados, entre os quais, destacamos:

  • Ausência de apoio/política oficial
  • Importações facilitadas por financiamentos de longo prazo a baixas taxas de juros
  • Baixa competitividade em preço e/ou qualidade no mercado internacional
  • Instabilidade das safras em rendimento e qualidade
  • Alto custo de produção
  • Ausência de mercado alternativo para cevada fora do padrão malte
  • Infra-estrutura de recebimento, secagem e armazenamento deficientes
  • Mão-de-obra pouco qualificada e/ou deficiente

A Embrapa Trigo vem contribuindo de forma significativa para o aumento da competitividade da produção nacional, procurando soluções tecnológicas para os problemas que são de competência da pesquisa: instabilidade das safras, custo de produção e competitividade em qualidade. Como resultado destes esforços criou cultivares como Cevada BR 2 que, desde 1995, tem ocupado entre 70 e 90 % da área semeada no país. Grande parte do aumento de rendimento observado nas últimas safras pode ser atribuído ao uso generalizado desta cultivar. Pela sua resistência a mancha reticular, BR 2, além de viabilizar novamente a cultura, reduziu em pelo menos uma, o número de aplicações de fungicidas na lavoura, com a conseqüente redução no custo de produção. A tecnologia do plantio direto aperfeiçoada e difundida pela Embrapa Trigo é usada atualmente em mais de 80 % da lavoura de cevada, contribuindo grandemente para o aumento da produtividade e a redução do custo de produção associado.

A integração dos esforços de pesquisa iniciada nos anos 70, hoje formalizada em convênio entre a Embrapa e as empresas do ramo malte-cerveja, tem sido e continuará sendo, fundamental para a consolidação e o avanço tecnológico da cultura no Brasil.

O suporte tecnológico promovido pela pesquisa e desenvolvimento, integrado aos demais segmentos do negócio cevada no país, será fundamental também para eliminar ou minimizar os demais fatores que limitam a expansão da produção.


1 Pesquisador da Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS. eminella@cnpt.embrapa.br
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