Ministério da Agricultura e do Abastecimento
Embrapa Trigo ISSN 1517-4964
Comunicado Técnico Online
Nº 20, dez./99

Doenças de soja
Leila Maria Costamilan 1

Chamar a atenção sobre doenças de soja, no momento atual, é tarefa fácil, pois o segmento produtivo envolvido com o agronegócio de soja sabe da importância das doenças para o sucesso ou o fracasso da lavoura. Mas nem sempre foi assim. Quando pensamos em doenças de soja, no Rio Grande do Sul, podemos traçar duas situações distintas: antes e depois da década de 90.

No primeiro período, as doenças, em número ainda pequeno, ocorriam de forma restrita, isoladas em algumas localidades, sem causar graves prejuízos. Eram, por assim dizer, mais uma "curiosidade" que a cultura apresentava. Neste período, um dos problemas mais freqüentes era a morte em reboleira (Rhizoctonia solani) que ocorre próximo ao florescimento, principalmente devido ao alto teor de matéria orgânica que apresentavam os solos de campos naturais e de matas recém incorporados ao cultivo intensivo. Com o passar dos anos, essa doença entrou em equilíbrio, provavelmente pelo controle biológico, mantendo-se constante em algumas lavouras, mas em menor intensidade. Dessa época, ainda, cabe rememorar o terrível ataque de uma mancha foliar, a mancha "olho-de-rã" (Cercospora sojina), no Paraná. Com o desenvolvimento de cultivares resistentes, seus danos foram minimizados.

O segundo período iniciou, aproximadamente, a partir de 1990, quando as doenças começaram a causar danos significativos no rendimento, e a preocupar a todos envolvidos com soja em todo Brasil. Por que? Entre as causas, podemos citar a monocultura de soja, a compactação de solo e a introdução de doenças de outros países, através de sementes. Inaugurando essa nova fase, ocorreu o cancro da haste, causado pelo fungo Diaporthe phaseolorum f.sp. meridionalis, no Paraná na safra 1989/90 e, já na safra seguinte, em praticamente todas as grandes regiões produtoras do país. No Rio Grande do Sul, os maiores danos foram observados na safra 1993/94. Provavelmente, esta doença foi introduzida no Brasil através de sementes contaminadas trazidas dos Estados Unidos, o que demonstra a importância da fiscalização eficaz para importação de material vegetal e do tratamento químico de sementes. De grande potencial destrutivo, com clima favorável e não encontrando resistência genética nas cultivares de soja em uso naquela época, o cancro disseminou-se rapidamente, causando perdas totais em algumas lavouras. Foi necessário grande esforço da pesquisa, em uma corrida contra o tempo, para desenvolver cultivares de soja resistentes e com rendimento satisfatório. Atualmente, esta doença encontra-se sob controle, pois grande maioria das cultivares indicadas apresenta adequado nível de resistência. Pela importância e pelo potencial destrutivo do cancro, deve-se sempre optar por cultivares resistentes e realizar tratamento de sementes, para evitar uma possível reintrodução.

De forma similar ao cancro da haste, constatamos a ocorrência da podridão parda da haste (Phialophora gregata) na safra 1989/90, pela primeira vez no Brasil, em Passo Fundo e região. Esta doença encontrava-se disseminada em todo Planalto Médio, Serra, Alto Uruguai e parte das Missões e da Depressão Central, no Rio Grande do Sul, além de toda região produtora de Santa Catarina, estendendo-se, provavelmente, até a região de Guarapuava, no Paraná. Sua ocorrência está condicionada à suscetibilidade de cultivares de soja e, principalmente, às condições climáticas, sendo que temperaturas entre 15 e 27 °C proporcionam máximo desenvolvimento da doença. Nas condições brasileiras, já foram verificadas perdas de até 60 % no rendimento de cultivar suscetível ('Cobb'), e as perdas médias situaram-se em 22 % para cultivares de ciclo precoce, em 27 % para as de ciclo médio e em 35 % para as de ciclos semitardio e tardio. Também neste caso, este problema foi solucionado pelo desenvolvimento de cultivares resistentes, sendo, hoje, dos principais objetivos do programa de melhoramento de soja da Embrapa Trigo.

Na safra 1991/92, os produtores de soja tomaram conhecimento de um novo e, potencialmente, o pior inimigo da cultura: nematóide de cisto (Heterodera glycines), nos estados de Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Hoje, encontra-se disseminado em 69 municípios, em sete estados (foram incluídos Rio Grande do Sul, São Paulo e Paraná), em 1 milhão e setecentos mil hectares. Sua expansão está ocorrendo com grande rapidez. No Rio Grande do Sul, houve uma ocorrência em 1995, no município de Cruzeiro do Sul, mas, devido às características de pequena propriedade do local, foi possível isolar e controlar a doença e, desde então, não houve mais casos confirmados de nematóide de cisto no estado. Entretanto, devido à sua fácil disseminação, ao seu elevado potencial destrutivo e à sua prolongada sobrevivência, este nematóide representa séria ameaça a todas lavouras de soja. A disseminação ocorre, principalmente, pelo transporte de solo, sendo que o trânsito de máquinas, de equipamentos e de veículos que trabalharam ou circularam em solo infestado têm sido o principal meio de disseminação pelo País. O controle envolve vários métodos que permitem a convivência com o nematóide, passando pelo planejamento, a longo prazo, da utilização da área. O uso conjunto de rotação de culturas, de cultivares resistentes e o manejo do solo é necessário. Mas a prevenção continua sendo a principal estratégia de controle. Com o desenvolvimento recente pela pesquisa de cultivares com adequado nível de resistência, e através de rotação de culturas, de plantio direto e de cuidados com a calagem excessiva, muitas propriedades estão obtendo rendimentos iguais aos das áreas onde não ocorre nematóide de cisto.

A doença que vem sendo considerada, atualmente, o principal desafio, é a podridão vermelha da raiz (Fusarium solani f.sp. glycines), a qual está aumentando em incidência a cada ano, afetando grande número de lavouras no Brasil, sendo encontrada do Rio Grande do Sul até o Maranhão. Observou-se que todas as práticas culturais que propiciam elevado rendimento de soja favorecem, também, a ocorrência dessa doença. No momento, a pesquisa está envidando esforços no sentido de encontrar fontes de resistência e, a partir disso, desenvolver cultivares resistentes. Nenhuma outra prática agronômica apresenta resultados no seu controle.

Nas últimas duas safras (1996/97 e 1997/98), o agricultor tem enfrentado duas doenças que afetam as folhas: oídio (Microsphaera diffusa) e o complexo de doenças foliares de final de ciclo (Septoria glycines e Cercospora kikuchii).

O oídio ocorreu de forma generalizada e surpreendente em 1997 em todo Brasil, pois não era considerada doença importante. Provavelmente, as prolongadas estiagens de anos anteriores favoreceram o aumento de inóculo do fungo, a ponto de causar danos econômicos e de ser necessário recomendar, em caráter emergencial, o controle químico, em todo país. Foram registradas perdas de até 40 %, mas, na média, ocorre uma perda de rendimento de 8 %. Também nesse caso, o uso de cultivares resistentes é indicado. Como é uma doença que se desenvolve melhor com clima seco, pode ser potencialmente perigosa durante períodos de estiagem. O controle químico só deve ser utilizado quando o nível de infecção atingir entre 40 e 50 % da área foliar total das plantas, não sendo recomendado, dessa forma, o controle preventivo.

Quanto ao complexo de final de ciclo, como o próprio nome diz, pode ocorrer a partir do enchimento de grãos, causando desfolha acentuada, acarretando deficiência no enchimento de grãos, além de reduzir a qualidade e a germinação de sementes. É mais freqüente em climas chuvosos e de temperaturas altas, como ocorreu na safra 1997/98, devido ao fenômeno climático "El Niño". Solos pobres em nutrientes e a prática da monocultura de soja favorecem esta doença, que é causada por dois fungos que ocorrem no mesmo momento, sendo muito difícil identificar qual dos dois predomina em uma lavoura. É comum nas regiões dos Cerrados, e há recomendação de controle químico em todo o Brasil. No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, esporadicamente causa danos que justifique a pulverização.

Outro problema crescente é os nematóides de galhas (Meloidogyne javanica e Meloidogyne incognita), nas regiões dos Cerrados e, no Rio Grande do Sul, na região de Santa Rosa e em lavouras de solo mais arenoso. Existem poucas cultivares de soja resistentes à M. javanica, que é considerado o mais disseminado, restando a rotação de culturas como medida de controle. Com a descoberta de que alguns híbridos de milho são hospedeiros dos nematóides e que poderiam mantê-los ou, até mesmo, multiplicá-los, tornou-se necessário também conhecer a reação dos híbridos de milho para recomendá-los em áreas com nematóides.

Muitas outras doenças ocorrem na cultura de soja. No mundo, são mais de 100; no Brasil, mais de 40. Algumas atingem níveis de dano econômico, outras passam despercebidas. Mas o que fazer para minimizar os prejuízos causados pelas doenças? Para soja, quase não há instrumentos eficientes para solução imediata de uma doença, com exceção da pulverização de fungicidas para controle das doenças foliares. A palavra de ordem continua sendo PREVENÇÃO. O agricultor, ou quem lhe der assistência, deve identificar corretamente a doença que está ocorrendo em uma safra, e preparar-se para evitá-la ou minimizá-la, na próxima vez que voltar a cultivar soja. Algumas medidas podem ser tomadas:

  • o tratamento de sementes com fungicidas evita a entrada de algumas doenças e protege a semente contra o apodrecimento no solo.
  • a escolha de cultivares resistentes é a medida de controle mais eficiente, inteligente e econômica.
  • a descompactação do solo favorece o crescimento radicular, diminuindo a ocorrência de doenças nas raízes.
  • a adubação equilibrada também desfavorece a incidência e a severidade de doenças.
  • observar sempre a população ideal de plantas, evitando a formação de excesso de umidade entre as plantas.
  • a rotação de culturas sempre favorece a soja, não só no aspecto fitossanitário. Com a adoção do sistema plantio direto pela maioria dos agricultores, tornou-se obrigatória.

Assim, o surgimento de novas doenças, com real potencial destrutivo, está levando à transformação no modo de planejar e de manejar a lavoura de soja. E, nesse contexto, a pesquisa tem papel fundamental, tanto na busca de soluções para os problemas atuais como na realização antecipada de estudos sobre doenças que poderiam se constituir em problemas para o futuro. Através da geração de informações para controle das doenças, esperamos contribuir para maior estabilidade e lucratividade no agronegócio da soja.


1 Pesquisadora da Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS. leila@cnpt.embrapa.br
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