Ministério da Agricultura e do Abastecimento
Embrapa Trigo ISSN 1517-4964
Comunicado Técnico Online
Nº 14, dez./99

Sistemas de produção em plantio direto
José E. Denardin 1
Rainoldo A. Kochhann 2

A primeira etapa transcorreu no período compreendido entre meados da década de 60 e final dos anos 70. As tecnologias de manejo de solo implementadas envolveram melhoria do nível de fertilidade do solo, mediante calagem e adubações fosfatada e potássica, terraceamento, principalmente com terraços tipo base larga, e semeadura em contorno.

A melhoria do nível de fertilidade do solo, associada às condições favoráveis ao mercado de grãos e aos incentivos proporcionados pela política de crédito agrícola subsidiado, constituiu fator preponderante na introdução da cultura de soja nos sistemas tradicionais de produção agropecuária. A oleaginosa, ao ganhar importância econômica, assumiu comportamento de cultura pioneira, ampliando, também, fronteiras agrícolas. Como fruto dessa eufórica atividade agrícola, com nítida tendência para um negócio altamente lucrativo, inúmeros sistemas tradicionais de produção agropecuária, bem como florestas e campos naturais, foram transformados em simples sucessão de culturas composta por trigo e por soja, ou simplesmente soja sem rotação.

O novo sistema de produção estabelecido, produziu, num primeiro momento, a sensação de um negócio agrícola rentável e promotor de desenvolvimento regional e, num segundo momento, transformou-se na principal causa de degradação dos solos dessas regiões. A falta de consciência conservacionista, o incipiente domínio dos problemas implicados no processo de erosão hídrica e a predominância de políticas agrícolas imediatistas voltadas à exportação, ofuscando a percepção diferencial entre o conservacionismo do potencial produtivo e a oportunidade do negócio rentável, condicionaram essa sucessão de culturas a métodos inadequados de manejo de solo, diante das condições ambientais das regiões cultivadas, envolvendo queima de resíduos culturais, mobilização intensa de solo e uso de terras inaptas às culturas anuais.

Atualmente, ao analisar esses sistemas de produção, praticados diante de uma realidade agrícola altamente demandante e dependente de insumos, movida por tecnologias específicas e descomprometidas com as condições ambientais, percebem-se claramente as inúmeras características que o enquadravam num verdadeiro modelo reducionista de desenvolvimento agrícola.

A segunda etapa desse processo evolutivo transcorreu no período compreendido entre o final da década de 70 e meados da década de 80. Nesse período, embora o terraceamento continuasse sendo o principal indicador da presença de ações conservacionistas de solo, a manutenção dos resíduos culturais na lavoura, a redução da intensidade de preparo de solo e a eliminação do pousio de inverno (descanso) constituíram marcos revolucionários nos conceitos de conservação.

A partir de 1979, a Comissão Estadual Coordenadora da Conservação do Solo no Rio Grande do Sul (CESSOLO) implementou o Projeto Integrado de Uso e Conservação do Solo (PIUCS), com objetivos de: eliminar a queima de resíduos culturais, mantendo-os na superfície do solo ou semi-incorporando-os; reduzir a intensidade de mobilização de solo, substituindo a aração pela escarificação e, quando possível, abandonando a gradagem; evitar o pousio de inverno, preconizando o estabelecimento de culturas de cobertura de solo nas áreas onde trigo deixava de ser cultivado; e planejar a exploração da propriedade rural de acordo com a capacidade de uso dos solos. O grau de adoção de parte dessas práticas pode ser avaliado, de forma parcial, por meio de dados levantados pela EMATER/RS em 2.277.185 hectares de lavoura, envolvendo 123 municípios abrangidos por este projeto (Tabelas 1 e 2). A área com queima de resíduos culturais ficou restrita a 21.795 hectares, correspondendo a menos de 1 % da área total de lavoura considerada. A redução da intensidade de mobilização do solo ficou evidente com a substituição do arado pelo escarificador, na execução do preparo primário do solo.

Enquanto o preparo reduzido do solo, mediante uso de escarificador, passou a ser empregado em 975.476 hectares, ou seja, 43 % da área avaliada, o preparo convencional do solo ficou limitado a 601.707 hectares, perfazendo apenas 26 % da área total de lavoura considerada. Outra alternativa que permitiu visualizar a redução da intensidade de mobilização do solo materializou-se através da observação do parque de máquinas nas propriedades rurais, nas quais o escarificador tornou-se implemento indispensável, ao contrário do arado. Considerando o índice médio de adoção de tecnologia no meio rural, a forma como ocorreu a adoção do escarificador no preparo primário do solo foi, relativamente, abrupta. Algumas indústrias de escarificadores, em um único ano, chegaram a aumentar as vendas em mais de 10 vezes sua média histórica; outras indústrias incorporaram esse tipo de implemento às suas linhas de montagem; e até mesmo novas fábricas, específicas para esse fim, foram instaladas no estado, buscando atender a demanda criada.

O enfoque dado ao plantio direto, até essa etapa, restringia-se quase que exclusivamente à sua eficiência no controle de erosão. Embora esse enfoque fosse altamente convincente, por si só não se sustentava como tecnologia pronta para uso, e, conseqüentemente, sua adoção era lenta e instável. Situações similares foram observadas nos demais estados da região Sul do Brasil, exceção ocorrendo na região fisiográfica dos campos gerais do Estado do Paraná, onde plantio direto consolidou-se, em função da implementação de ações de geração, validação e difusão deste sistema, principalmente pela Fundação ABC.

A adoção de culturas de cobertura de solo em substituição ao pousio de inverno, basicamente representadas, nessa etapa, por aveia-preta e tremoço-branco, atingiu áreas expressivas de lavoura. Os dados levantados pela Emater/RS, em 71 municípios da região fisiográfica do Planalto Médio, abrangidos pelo PIUCS, indicaram que, na metade da década de 80, de 1.261.654 hectares de lavoura de inverno, 52 % foram ocupados por culturas de cobertura.

A terceira etapa transcorreu no período compreendido entre metade da década de 80 e início da década de 90. Essa etapa ficou caracterizada pela implementação do Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas e pela criação e proliferação de grupos associativos para trocas de experiências, objetivando o desenvolvimento do sistema plantio direto.

Os trabalhos desenvolvidos nas ações do Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas demonstraram seu sucesso no Rio Grande do Sul ao envolverem 448 unidades em 225 municípios, perfazendo 950.000 hectares de área trabalhada e beneficiando 39.000 famílias de produtores rurais.

Os grupos associativos, com destaque para os Clubes Amigos da Terra, multiplicados em todo o Estado do Rio Grande do Sul, congregando produtores rurais e técnicos, foram responsáveis, praticamente, pela totalidade da área, de aproximadamente 300.000 hectares, cultivada sob sistema plantio direto, no final da década de 80. Suas mobilizações, em conjunto com demais grupos associativos do País, levaram à criação da Federação Brasileira de Plantio Direto na Palha.

Na busca de diversificações para um sistema agrícola que apresentava como suporte econômico, basicamente, a cultura de soja, a grande alteração introduzida foi intensificação do uso de culturas de cobertura de solo, durante a safra de inverno, e seu aproveitamento como forragem, potencializando a integração lavoura-pecuária. De forma abrangente, em nível estadual, percebeu-se, no final da década de 80, que a área cultivada com aveia-preta, aveia-branca, ervilhaca, tremoço e nabo-forrageiro era maior do que aquela cultivada com trigo, cevada, centeio e com triticale.

A Quarta etapa, claramente destacada nesse processo evolutivo, é que está sendo vivenciada neste momento e que teve início nos primeiros anos da década de 90, mediante exuberante trabalho de pesquisa e desenvolvimento em plantio direto.

Em 1992, através de diagnóstico realizado nas regiões fisiográficas do Planalto Médio e do Alto Uruguai, foi detectado que, embora maioria dos produtores rurais estivesse consciente da necessidade de adoção do sistema plantio direto, havia três grandes entraves que os impediam de tomar essa decisão: necessidade de ajustes regionais de algumas tecnologias de processo envolvidas no sistema; indisponibilidade de semeadoras específicas para plantio direto adequadas à estrutura fundiária dominante; e falta de domínio pleno do sistema pelas equipes técnicas de empresas prestadoras de serviços de assistência técnica e de fornecimento de insumos e de equipamentos.

Buscando soluções para esses três problemas restritivos à adoção do sistema plantio direto, foi implementado no estado, a partir de 1993, o Projeto "METAS - Viabilização e difusão do sistema plantio direto no Rio Grande do Sul". Foi desenvolvido através de contratos de cooperação firmados entre Embrapa Trigo, Embrapa Clima Temperado, Universidade Federal de Pelotas, Emater, Adubos Trevo, Companhia Agrícola Extremo Sul, Irmãos Cioccari & Cia. - Calcário Fida, Máquinas Agrícolas Jacto, Monsanto, Semeato e Sementes Agroceres. Espeficicamente em relação ao ajuste de tecnologias de processo e de produto, referentes ao manejo da fertilidade do solo, o Núcleo Regional Sul da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo comandou intensa mobilização de pesquisadores e de extensionistas, envolvendo ações de planejamento, programação e desenvolvimento de pesquisas. E, de forma generalizada, praticamente todas as instituições de pesquisa do Rio Grande do Sul implementaram ações voltadas à geração, difusão ou divulgação do sistema plantio direto.

Os efeitos desse esforço globalizado produziram profundas alterações no sistema de produção agropecuária. A cultura de milho passou a dividir espaço com soja. As culturas de inverno, substitutas dos cereais produtores de grãos, deixaram de participar do sistema de rotação de culturas apenas como coberturas de solo, passando a assumir importância econômica, ora como adubações verdes, antecedendo a cultura de milho, ora como forrageiras, potencializando a integração lavoura-pecuária, de leite e de corte.

O sucesso dessa etapa, resultante de ajustes no sistema de manejo de solo, de culturas e da integração lavoura-pecuária, da adequação de semeadoras específicas para plantio direto às estruturas fundiárias dominantes, da capacitação técnica, da difusão e da divulgação do sistema plantio direto, pode ser avaliado, de forma parcial, através dos índices de adoção desse sistema em duas regiões de abrangência do Projeto METAS (Tabela 3).

Nas regiões do Alto Uruguai e Planalto Médio, que abrangem 917.450 hectares de área cultivada e envolvem 60 municípios e 115 técnicos treinados, no ano agrícola de 1992, havia apenas 45.000 hectares (5 %) cultivados sob sistema plantio direto, área esta estável desde meados da década de 80. Ao final do primeiro ano de atividade deste projeto, a área cultivada sob sistema plantio direto já havia desestagnado, passando para 150.000 hectares (17 %). No final do segundo ano, esta área alcançava 420.000 hectares (46 %), atingindo, no ano subseqüente, 620.000 hectares (68 %). No ano agrícola de 1997, a área de lavoura sob sistema plantio direto alcançou 820.000 hectares, perfazendo 90 % da área total dos 917.450 hectares de área cultivada.

As justificativas para esse sucesso, certamente são encontradas no enfoque sistêmico que é dedicado ao sistema plantio direto, tanto no processo de pesquisa e desenvolvimento como nos processos de adoção e de condução envolvidos neste sistema emergente. O sistema plantio direto - ao ser enfocado como um complexo de tecnologias de processo, de produto e de serviço, tendo por fundamentos a mobilização de solo exclusivamente na linha de semeadura, a manutenção dos resíduos culturais totalmente na superfície do solo e a rotação de culturas - tornou-se um mecanismo de transformação, de reorganização e de sustentação do sistema de produção agropecuária.

A mobilização de solo apenas na linha de semeadura é um dos fatores de grande contribuição para a redução dos custos da produção agropecuária e, principalmente, é responsável por alterações radicais no cronograma de atividades no âmbito da propriedade rural. O abandono das operações de preparo de solo (arações, escarificações e gradagens) reduziu a demanda de potência de tratores por unidade de área cultivada e diminuiu, de forma intensa, a demanda de mão-de-obra, o consumo de combustível e o custo de manutenção de máquinas e equipamentos. A maior disponibilidade de mão-de-obra, resultante da redução do tempo necessário para a formação da lavoura, está viabilizando a diversificação do sistema de produção agropecuária, tornando determinadas explorações rurais, especialmente a pecuária de carnes (bovina, suína e de aves) e de leite, atividades de importância econômica considerável para a rentabilidade da propriedade agrícola.


1 Chefe Adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS. denardin@cnpt.embrapa.br
2 Pesquisador da Embrapa Trigo. rainoldo@cnpt.embrapa.br
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