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ISSN 1517-4964
Dezembro, 2002
Passo Fundo, RS
 

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Inoculação de rizóbio no sulco de semeadura para soja, em um campo nativo, no Norte do Rio Grande do Sul

Marcio Voss1

Em primeiro plano, soja com inoculação na semente, em segundo plano, soja sem inoculação e ao fundo, soja inoculada no sulco de semeadura.


Introdução

A inoculação de Bradyrhizobium específico em soja é uma prática indispensável em locais de primeiro ano de cultivo dessa leguminosa (REUNIÃO, 2002). Ocasionalmente, em soja de primeiro ano, mesmo com inoculação, pode não haver formação de nódulos em número suficiente para prover a planta com todo o nitrogênio de que esta necessita para a produção de grãos. Diversos fatores concorrem para determinar a falha de inoculação, todos eles ligados a baixo número final de células vivas de rizóbio durante a formação de raízes de soja, dentre os quais, inoculantes de má qualidade, período de seca antes da germinação, fungicidas e micronutrientes aplicados nas sementes. A má qualidade do inoculante, considerando-se apenas o aspecto de quantidade de rizóbio fornecida, pode causar falha. No entanto, em virtude da atuação da fiscalização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do aumento das exigências nos padrões, os inoculantes melhoraram muito a partir de 1996, normalmente excedendo as quantidades mínimas exigidas de células de rizóbio. Falhas de inoculação por esse motivo são muito raras atualmente. Período de seca antes da germinação pode afetar a nodulação, sendo pior quanto maior for o lapso de tempo (VARGAS e SUHET,1980). Alguns fungicidas, não só pelo princípio ativo, mas também por ação de outros componentes da formulação, eliminam quase completamente o rizóbio (CAMPO e HUNGRIA, 2000). Nas publicações anuais das reuniões de pesquisa de soja, são atualizadas as indicações de fungicidas mais compatíveis com o inoculante rizobiano (REUNIÃO, 2002).

Outro insumo que tem sido aplicado na semente de soja é fertilizante contendo micronutrientes, geralmente molibdênio e cobalto, indispensáveis no processo de fixação biológica de nitrogênio. Diminuição do número de células de rizóbio tem sido encontrada conforme a formulação usada (CAMPO et al., 1999).

Entende-se que a associação de condições adversas, como solo com pouca umidade, uso de fungicidas e micronutrientes e calor muito intenso, especialmente no momento da semeadura, pode levar a grande perda de viabilidade do rizóbio inoculado, mesmo em condições de plantio direto. Entre as alternativas adotadas por agricultores para superar esses fatores, está a inoculação exclusiva na semente, isto é, sem fungicida ou micronutrientes. Para isso, emprega-se semente de alto vigor e com análise fitossanitária, para dispensar o uso de fungicidas, e aplica-se molibdênio via foliar, aos 30-40 dias após a germinação, misturado ou não com inseticidas (CAMPO et al, 1999). No entanto, a dispensa de uso de fungicidas com o uso de semente de elevado padrão fitossanitário ainda não foi indicada oficialmente nas reuniões de pesquisa da soja do Sul do Brasil. Mantém-se a indicação do uso de fungicidas, mesmo na abertura de áreas novas, como medida preventiva para evitar a introdução de doenças (REUNIÃO, 2002). PERES et al. (1989) demonstraram, em solos de Cerrado, a possibilidade de usar inoculação na cultura anterior (arroz), para colonizar o solo com rizóbio de soja e, assim, evitar falhas comuns da nodulação em cultivo de primeiro ano com essa leguminosa, nessas condições. No Rio Grande do Sul, experimento de VOSS e BEN (1997) mostrou essa possibilidade com aveia preta em campo nativo, em Latossolo Vermelho Distrófico, típico.

Essas alternativas são baseadas na facilidade que o rizóbio de soja tem de se estabelecer no solo e sobreviver com os substratos orgânicos aí disponíveis. Em decorrência disso, outra alternativa também buscada é a aplicação de rizóbio no sulco de semeadura, no momento de instalação da lavoura de soja. Indicada para casos de condições adversas, tais como solos secos e quentes ou sementes tratadas com produtos deletérios para o rizóbio (WILLIAMS, 1984), essa prática apresentava dificuldades técnicas para adoção. Atualmente, a existência de inoculantes líquidos com elevada concentração de rizóbio e de máquinas apropriadas para pulverização tornaram-na acessível. Por outro lado, a aplicação de inoculante no sulco de semeadura em áreas novas é técnica de alto potencial para aumento da produtividade de soja no primeiro ano. A inoculação apenas na semente de soja produz nodulação nos primeiros pêlos radicais (DART, 1977). A nodulação inicial degenera antes da completa formação de grãos, num período crítico de demanda de nitrogênio pela planta de soja (VARGAS et al., 1982). Os nódulos formados posteriormente nas raízes, em solo com população estabelecida de rizóbio, estendem o período de fixação biológica de nitrogênio em soja (CIAFARDINI & BARBIERI, 1987). Eventualmente, em campo nativo, a inoculação no solo poderia propiciar essa nodulação secundária.

Poucos estudos têm sido realizados sobre inoculação de rizóbio de soja no sulco de semeadura. O presente ensaio teve como objetivo comparar a inoculação no sulco de semeadura com a inoculação em semente de soja, em campo nativo.

Material e Métodos

O ensaio foi instalado no município de Capão Bonito do Sul, localidade de Encruzilhada, em área arrendada pelo sr. Gilmar Scariot, em 8 de dezembro de 2001, sob sistema plantio direto, em campo nativo dessecado com duas semanas antes da semeadura. Usou-se a cultivar de soja BRS 154, semeando-se o equivalente a 400.000 sementes por hectare, em linhas distanciadas 45 cm entre si. Não se aplicaram fungicidas ou micronutrientes nas sementes. A correção da acidez de solo foi feita com calcário dolomítico, na quantidade de 4,0 t/ha, aplicados à superfície do solo cerca de 3 meses antes da semeadura. A adubação foi cerca de 300 kg da fórmula 03-30-15. A análise de solo, de textura argilosa, encontra-se na Tabela 1. A aplicação de inoculante líquido diretamente no sulco de semeadura foi realizada com aparelho usualmente empregado para inseticidas, da marca Micron, com bico leque 0,5. A ponta da mangueira foi ajustada para ejetar o líquido com inoculante antes da liberação de sementes. Colocaram-se três doses de inoculante líquido Cell-Tech em 30 litros de água, aplicando-se essa quantidade por hectare. Para comparar com a aplicação na semente, aplicaram-se duas doses de 150 ml de Cell-Tech/saco de semente. As sementes não inoculadas foram semeadas antes, depois foi instalado o tratamento com aplicação no sulco e por último o tratamento inoculante na semente. As parcelas tinham sete linhas de soja, com 10 metros de comprimento. O ensaio seguiu o delineamento de blocos ao acaso, com três repetições.

Foi efetuado o controle químico de lagartas da parte aérea, em duas ocasiões, sendo, na primeira, aplicados Mo e Co, conjuntamente com inseticida (Lorsban), cerca de 35 dias após semeadura. O controle de algumas plantas daninhas que escaparam à dessecação foi feito manualmente, cerca de 30 dias após semeadura.

A nodulação foi avaliada em dois estádios da soja, aos 31 dias após germinação e aos 95 dias, em estádio de enchimento de grãos. Foram retiradas 8 a 10 plantas de dois pontos na parcela, coletando-se as raízes, destacando-se os nódulos e contando-os. Para determinar o rendimento de grãos, colheram-se as quatro linhas centrais, totalizando 14 m2, descartando três linhas laterais e 1,5 m linear em cada extremidade da parcela. Os grãos foram secados e o peso determinado. Os nódulos foram expressos em número de nódulos por planta, e os grãos, em kg/ha, com peso corrigido para 13% de umidade. Analisou-se a variância dos dados e compararam-se as médias pelo teste de Tukey, com 5% de probabilidade de erro.

Resultados e Discussão

Os resultados de nodulação e de rendimento de grãos estão na Tabela 2. A nodulação inicial foi maior no tratamento inoculação na semente, seguida pelo tratamento inoculação no sulco de semeadura. Poucas plantas no tratamento testemunha sem inoculação apresentaram um nódulo. A soja do tratamento sem inoculação mostrou cor amarelada nos primeiros dois meses após emergência, enquanto a do tratamento inoculação no sulco de semeadura apresentou esverdeamento menos intenso nas folhas, com muitas plantas amareladas entre outras mais verdes, indicando que as raízes de muitas plantas demoraram para ser infectadas pelo rizóbio, nesse tratamento. Com o passar do tempo aumentou a nodulação na testemunha sem inoculação, indo de 0,6 nódulos por planta aos 31 dias após germinação a 19 nódulos por planta no estádio de enchimento de grãos (Tabela 2), e diminuiu a diferença com os outros tratamentos quanto ao rendimento de grãos. Outro fator que pode ter contribuído para diminuir as diferenças em rendimento de grãos foi o período de estiagem ocorrido antes e durante o florescimento de plantas.

Assim, embora maior produtividade de grãos tenha sido observada no tratamento inoculação de semente, não houve diferenças estatísticas sobre os outros tratamentos. A nodulação, porém, mostrou superioridade estatística da inoculação na semente sobre a inoculação no sulco de semeadura, e desta sobre o tratamento sem inoculação, no período inicial do estabelecimento da cultura.

É possível que em outras condições se possa encontrar maior nodulação e com mais uniformidade como resultado da inoculação de rizóbio de soja no sulco de semeadura. Uma dessas condições seria a aplicação de calcário finamente moído (Filler) na linha de semeadura (REUNIÃO, 2002), diminuindo a acidez do campo nativo (Tabela 1), pois a calagem na superfície corrige a acidez apenas nos primeiros dois centímetros de solo, no primeiro ano (VOSS e PÖTTKER, 2001). Outro aspecto que pode ser melhorado é o da quantidade de líquido aplicado. Talvez com mais água se proporcione maior distribuição do rizóbio no sulco. Quanto mais para o fundo do sulco for aplicada a suspensão de rizóbio e água, melhor, pois o rizóbio ficaria mais afastado da superfície do solo, onde ocorre maior oscilação de temperatura e de umidade (VOSS E SIDIRAS, 1985) e onde o rizóbio fica mais bem localizado para infectar as raízes de soja, que começam a se desenvolver a partir de 3 a 4 cm abaixo da superfície.

O ensaio deverá ser repetido em mais uma safra, com maior número de repetições, fazendo-se calagem no sulco e utilizando-se de maior quantidade de água na aplicação de rizóbio, para permitir inferências com maior segurança. Em virtude das vantagens potenciais de aplicação de inoculante líquido no sulco de semeadura, no intuito de se ter maior garantia de sobrevivência do rizóbio e maior possibilidade de formação de nódulos em tempo posterior ao da inoculação em sementes, e tendo em conta a nodulação mais rápida obtida pela inoculação na semente, seria recomendável estudar o efeito da inoculação simultânea na semente e no sulco de semeadura.

Agradecimento

Agradecemos a colaboração do sr. Gilmar Scariot, na realização do ensaio.

 


1Pesquisador da Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, 99001-970 Passo Fundo, RS.Fone: 0xx54 311-3444 - Fax: 0xx54 311-3617. E-mail: voss@cnpt.embrapa.br


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