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Dezembro, 2002
Passo Fundo, RS

Introdução

A ferrugem da folha, doença causada pelo fungo Puccinia triticina Erikss (Anikster et al., 1997), anteriormente Puccinia recondita, ocorre anualmente de forma generalizada nas regiões tritícolas brasileiras. Sua ocorrência representa expressiva limitação ao aumento da produção tritícola, contribuindo para redução da área cultivada, instabilidade de colheitas e aumento da evasão de divisas, esta pela necessidade de importação do produto.

A obtenção de genótipos com resistência à ferrugem da folha sempre recebeu atenção especial nos programas de melhoramento de trigo conduzidos no Brasil. Mesmo assim, tem-se observado a superação dessa resistência pelos patógenos, principalmente por ela ser controlada por gene(s) que confere(m) imunidade. A dificuldade em usá-los por métodos convencionais potencializa-se pelo fato de que, para a maioria desses genes, o modo de herança ainda não está completamente elucidado (Barcellos, 1994). Contudo, o conhecimento da presença de genes de resistência é um fator importante a ser considerado por melhoristas na escolha de genitores para os cruzamentos (Zoldan, 1998).

Muito tem sido estudado sobre a herança, sobre a expressão e sobre as interações dos genes que conferem resistência à ferrugem da folha, denominados genes Lr (leaf rust), que se caracterizam pela ampla variação em expressão. Técnicas de biologia celular e molecular têm contribuído para o estudo dos fatores de resistência e para a identificação e transferência de genes. Algumas das dificuldades encontradas na seleção fenotípica de caracteres agronômicos, tanto na escolha dos pais como na seleção em populações segregantes, podem ser eliminadas pelo uso das ferramentas disponibilizadas pela biologia molecular.

 

O uso de marcadores moleculares e bioquímicos na identificação de genes

Marcadores moleculares ou bioquímicos podem ser empregados para caracterizar o genótipo de um indivíduo a partir de amostras de células ou de tecidos. Marcadores baseados em DNA, teoricamente, podem ser usados em qualquer estádio de desenvolvimento da planta, desde que suficiente DNA possa ser obtido. Tal possibilidade oferece a vantagem de se poder fazer seleção dos indivíduos (superiores) ainda nas gerações iniciais de recombinação, o que aumenta consideravelmente a eficiência de um programa de melhoramento (Ferreira & Grattapaglia, 1998). Por sua vez, Shields et al. (1983) destacam que as proteínas são marcadores interessantes para o estudo genético, porque elas são o produto primário dos genes estruturais. Alterações na seqüência de bases codificadoras, na maioria dos casos, resultarão em mudanças na estrutura primária da proteína correspondente.

As isoenzimas, por exemplo, são enzimas com propriedade catalítica que apresentam diferentes propriedades cinéticas e podem ser separadas por processos bioquímicos. Isso posto, o número de isoenzimas de uma determinada enzima está relacionado ao número de compartimentos subcelulares onde a mesma reação catalítica é realizada (Gottlieb, 1982).

Nesse contexto, marcadores bioquímicos, como aqueles baseados em eletroforese de isoenzimas, são úteis em programas de melhoramento, permitindo, a partir de fenótipos isoenzimáticos, a identificação, já na fase de plântula, de genes que conferem resistência a doenças, bem como a caracterização do controle genético desses genes. Tais marcadores foram desenvolvidos nas décadas de 60-70 e tiveram grande aceitação pela comunidade científica, pois permitiram que muitas das dificuldades detectadas pelo uso dos marcadores morfológicos fossem resolvidas (Brammer, 2000).

Segundo Alfenas et al. (1991), a variabilidade dos padrões enzimáticos de uma população, designada polimorfismo, é, geralmente, atribuída à segregação genética. Dessa forma, isoenzimas/aloenzimas constituem uma importante fonte de marcadores genéticos, que podem ser usados em vários programas experimentais teóricos e práticos. Essa classe de marcadores apresenta as seguintes vantagens, em relação a outros tradicionalmente usados: permitem a análise de vários locos simultaneamente; os alelos de cada loco são codominantes, permitindo a identificação de heterozigotos; e medem a variabilidade em nível mais próximo do DNA do que outras características fenotípicas, pois constituem um produto direto da ação gênica. Além disso, em conseqüência de suas propriedades catalíticas, as enzimas, em especial as isoenzimas, podem refletir o estado metabólico e diferenciado das células (Scandalios, 1979).

Hart (1983) descreve que uma quantidade considerável de informações está disponível em relação ao controle genético das isoenzimas do trigo, incluído o número mínimo de alelos e a localização dos genes nos cromossomos, principalmente porque o uso de séries aneuplóides serviu para as análises das bases genéticas das isoenzimas nessa cultura. Especificamente para a esterase, que se apresenta como um sistema com grande número de locos, há a possibilidade de alguns desses locos compreenderem famílias multigênicas. Do mesmo modo, Liu & Galle (1994) citam oito conjuntos de genes supostamente independentes.

Marcadores moleculares e ferrugem da folha

As espécies de trigo formam uma série poliplóide, com número básico x=7, tendo três níveis de ploidia: diplóides (2n=2x=14), tetraplóides (2n=4x=28) e hexaplóides (2n=6x=42). O conjunto cromossômico denominado A teve origem a partir de T. monococcum e o D de T. tauschii (sinônimo: Aegilops squarrosa), mas há dúvidas quanto à espécie diplóide que contribuiu com o genoma B das espécies tetraplóides e hexaplóides, havendo evidências de que seria uma espécie semelhante a Aegilops speltoides. A poliploidia natural confere ao trigo certas características que facilitam a incorporação de genes de espécies próximas. A hibridação interespecífica é importante na utilização do reservatório de genes de algumas espécies silvestres que possuem resistência a fatores bióticos e abióticos, transferindo-se essa resistência para espécies cultivadas suscetíveis. Essa técnica permite, também, diversificar genes para uma característica, aumentando a variabilidade da cultura (Brammer, 2000). O conhecimento das relações citotaxonômicas, da estrutura citogenética e da história evolutiva das espécies envolvidas nos cruzamentos também é importante para a escolha da espécie doadora da resistência (Moraes-Fernandes et al., 2000).

Diversos genes que conferem resistência à ferrugem da folha têm sido localizados nos três genomas do trigo. Porém, em razão do baixo nível de polimorfismo encontrado nas cultivares, o uso de linhas isogênicas possuindo genes de resistência à ferrugem provenientes de espécies selvagens representa, provavelmente, um melhor germoplasma para identificar tais genes, por apresentarem maior nível de polimorfismo (Autrique et al., 1995; McIntosh et al., 1995).

Pelo menos 48 genes já foram descritos para resistência à ferrugem da folha, além dos que ainda têm designação temporária (Brammer et al., 2000). Destes, 25 têm origem na espécie cultivada T. aestivum (Lr12, 13, 22 a, 22b, 34 e 35) e os demais foram introgredidos de espécies afins, entre os quais Lr9, 19, 24, 26 e 37. A introgressão de genes de espécies silvestres, afins às plantas cultivadas, é importante porque eles representam um reservatório de genes úteis, principalmente para resistência a estresses bióticos e abióticos, constituindo valiosa contribuição ao melhoramento de plantas cultivadas.

Resistência às três ferrugens que atacam o trigo (Puccinia striiformis f. sp. tritici, P. graminis f. sp. tritici e P. triticina) vem sendo sistematicamente transferida de espécies perenes afins (Sharma & Gill, 1983; Gill et al., 1990; Cox et al., 1995; Bai et al., 1998; Helguera, et al., 2000; Harjit-Singh et al., 2000; Menon & Tomar, 2001; entre outros especialistas.

O uso de marcadores bioquímicos, em programas de melhoramento que visam à resistência à ferrugem da folha do trigo, pode ser observado em diversos trabalhos. McMillin et al. (1993) relatam que a isoenzima endopeptidase apresenta-se ligada ao gene Lr19, proveniente de Agropyron elongatum, localizado no cromossomo 7D. Das 59 progênies, em geração F2, que se desenvolveram em casa de vegetação, todas foram avaliadas para resistência à ferrugem da folha e para o fenótipo endopeptidase. Com relação às análises fitopatológicas, constatou-se que toda a progênie F2 exibindo o fenótipo Lr19 ligado à endopeptidase foi resistente à ferrugem da folha .

Além desses, Wang et al. (1994) estudaram mudanças na atividade das peroxidases, associadas aos genes Lr, durante as infecções de P. recondita. Narasimham & Chawla (1989) analisaram a expressão da enzima polifenol oxidase em linhas isogênicas de trigo com relação à resistência à ferrugem da folha. Vasil et al. (1989) empregaram nove diferentes sistemas isoenzimáticos, a fim de obterem o padrão e a localização de genes de resistência em trigo e em arroz.

Com relação aos marcadores de DNA, Procunier et al. (1995) analisaram linhas isogênicas para os genes de resistência Lr29 (originário de Agropyron elongatum) e Lr25 (originário do centeio), a partir de retrocruzamentos com a linhagem suscetível Thatcher como parental recorrente. O objetivo do referido trabalho foi a obtenção de marcadores moleculares associados a esses genes. Como método, usaram os marcadores RAPD/DGGE, e os resultados revelaram dois marcadores de DNA altamente ligados ao Lr29 e um ao Lr25, demonstrando que os marcadores RAPD serviram para monitorar a introgressão de DNA em trigo. De modo semelhante, Schachermayr et al. (1994; 1995) demonstraram que marcadores moleculares do tipo RFLP ligados aos genes Lr9 (originário de Aegilops umbellulata) e Lr24 (originário de Agropyron elongatum) também serviram para a identificação de genes de resistência à ferrugem da folha do trigo.


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