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Dezembro, 2002
Passo Fundo, RS

Resultados e Discussão

Rendimento de grãos

Comparando o rendimento de grãos entre as cultivares lançadas no período de 1940 a 1992 no Sul Brasil, observou-se que o rendimento de grãos das cultivares modernas foi significativamente superior às antigas, nos anos de estudo (Tabela 2). As mudanças no rendimento de grãos em função dos anos de lançamentos das cultivares foram descritas por modelo quadrático: Y= 5,0397 – 0,1056 X + 0,001X2 ( p< 0,01) (Figura 1). Esta relação matemática, sugere a ocorrência de dois períodos bem distintos no melhoramento do potencial de rendimento: um antes e outro após os anos 70. Tal comportamento diferencial, pode ter sido decorrente de estratégias distintas adotadas na seleção de plantas nesses períodos. Numa primeira fase, até próximo da década de 70, o rendimento de grãos de cultivares introduzidas no mercado, foram semelhantes às precedentes. O mesmo foi observado em estudos similares na Inglaterra (Austin et al.,1980,1989), na Nova Zelândia (McEvan & Cross 1979), na Argentina (Slafer & Andrade,1989), no Canadá (Hucl & Baker, 1987), na Austrália (Perry & D’Antuono, 1989) entre outros (Slafer & Satorre,1994 ). É possível que o baixo desempenho produtivo das cultivares lançadas nessa primeira fase, seja reflexo do direcionamento do melhoramento na seleção para resistência/tolerância às doenças, tolerância ao alumínio tóxico, e não para o aumento do potencial de rendimento de grãos. A selecão para qualidade de grãos é outro fator que poderia ter contribuído para o baixo avanço no potencial, contudo nesse período no sul do Brasil tal fator não mereceu esforço do melhoramento. Numa segunda fase, após os anos 70, o melhoramento parece ter sido direcionado principalmente para o aumento no potencial de rendimento, associado às outras características de interesse. Esses resultados evidenciam também que o avanço no rendimento de grãos, a partir dos anos 70 não atingiu um limite, sugerindo que os programas de melhoramento ainda podem aumentar significativamente o potencial de rendimento de grãos.

Com relação a estatura das cultivares de trigo lançadas no período em estudo, constatou-se que as cultivares mais novas sofreram redução de altura, comparativamente às cultivares mais antigas como Frontana, BH 1146 e Nobre (Tabela 2). Essa redução de altura foi marcante com o lançamento da cultivar IAS 54 portadora do gene de nanismo, a qual representou um marco em termos de estatura de planta, em relação as cultivares estudadas. Comparativamente à cultivar IAS 54, as demais cultivares liberadas posteriormente apresentaram, de forma geral, elevação de altura (Tabela 2). Portanto o aumento de rendimento de grãos, observado a partir da década de 70, parece não estar associado a seleção de genótipos de menor estatura.

Considerando o período entre os anos de 1955 a 1992, no qual a análise de regressão linear entre rendimento de grãos e anos de lançamento das cultivares foi significativa (r = 0,90 , p< 0,01), calculou-se um ganho genético de 44,9 kg ha-1 ano-1 (Figura 2). Esse ganho genético foi superior ao estimado por Nedel (1994), adotando-se o mesmo procedimento. Estudos de ganho genético em trigo em diferentes regiões do mundo (Slafer & Andrade,1991), indicam que os maiores valores de ganho genético foram obtidos no México (58,4 kg ha-1 ano-1) e na Nova Zelândia (43,8 kg ha-1 ano-1). Países como Argentina, Canadá, Austrália, Inglaterra e E.U.A têm mostrado valores intermediários de ganho genético, sugerindo uma semelhança em termos de eficiência entre seus programas de melhoramento genético (Slafer & Andrade, 1991). Segundo esses mesmos autores, os ganhos genéticos observados nesses últimos países podem ter sido o resultado de estratégias similares adotadas nos respectivos programas de melhoramento genético.

Comparando-se o ganho genético no rendimento de grãos obtido no sul do Brasil, com os valores de ganho genético apresentados por Slafer & Andrade (1991), observa-se que na Inglaterra, nos EUA e na Austrália esses ganhos foram menores. Contudo, deve ser considerado que esses valores são representativos de períodos superiores a um século. Enquanto no sul do Brasil o ganho genético foi obtido nos últimos 40 anos, período em que introdução de cultivares mais modernas e mais produtivas poderiam ter provocado maior impacto relativo no potencial de rendimento de grãos, dificultando a base de comparação. Por outro lado, comparando com países como Argentina e Canadá em que os ganhos genéticos foram obtidos nos últimos 50 anos, o ganho genético obtido no sul do Brasil pode ter sido mais efetivo em aumentar o rendimento de grãos. Já no México (Waddington et al.,1986) o ganho genético, determinado para as cultivares lançadas entre os anos de 1950 a 1982, foi superior aos obtidos no Canadá e Argentina. Este alto valor de ganho genético para trigo obtido no México, tem sido atribuído ao efeito do gene de nanismo (Rht) e ao grande investimento realizado pelo CIMMYT no melhoramento genético de trigo (Austin et al.,1989). No entanto, se esse ganho genético for expresso como percentual em relação à média de rendimento de grãos do experimento (ganho genético relativo), observa-se um valor de 0,90% ano-1 no México e 1,10% ano-1 na Nova Zelândia (Slafer & Andrade,1991), inferiores ao obtido no Sul do Brasil que foi de 1,54% ano-1. Esse elevado ganho genético relativo no rendimento de grãos de trigo, observado no estudo, foi mais evidente à partir da década de 70, com a introdução da cultivar IAS 54, contendo o gene Rht. À semelhança do México, esse gene pode ter sido a principal causa desse impacto no rendimento de grãos de trigo observado no Sul do Brasil a partir da década de 70.

Rendimento biológico e índice de colheita

Nos anos de estudo, as alterações no rendimento biológico em relação aos anos de lançamento das cultivares, foram melhor descritas pelo modelo quadrático: Y = 1114,2 – 17,872 X + 0,1666 X2 ( r = 0,78 p< 0,01) (Figura 3). Por outro lado, a análise de regressão entre índice de colheita e ano de lançamento das cultivares, revelou inexistência de associação significativa ( r = 0,49 n.s. ; p < 0,05) (Figura 4). Assim, uma vez que o rendimento de grãos foi melhorado geneticamente durante o período analisado (Figura 1) e o índice de colheita permaneceu praticamente inalterado (Figura 4), grande parte desse avanço no rendimento de grãos foi devido a mudanças relacionadas com a produção de biomassa total. Resultados semelhantes foram obtidos no México, com cultivares lançadas durante os anos de 1950 a 1982 (Waddington et al.1986). No Canadá, Hucl & Baker (1987) encontraram um significativo e positivo coeficiente de correlação entre produção de biomassa na maturação e ano de lançamento das cultivares. Em outras situações, no entanto, o aumento no rendimento de grãos foi associado a aumentos semelhantes na biomassa e no índice de colheita (Perry & D’Antuono,1989). Por outro lado, a maioria dos estudos sobre as bases fisiológicas do melhoramento genético do rendimento de grãos em trigo, indicam que a biomassa na maturação fisiológica não foi alterada substancialmente ao longo da história dos programas de melhoramento (Slafer & Satorre,1994).

Considerando o limite máximo de partição de fotoassimilados a órgãos reprodutivos (índice de colheita) em torno de 62% (Austin et al., 1980), o aumento de biomassa poderia representar, para as condições do presente estudo, uma possibilidade real de avanço no potencial de rendimento de grãos. Assim, a identificação e exploração de genótipos com maior capacidade de produção de biomassa, pode ser um caminho para o futuro progresso no melhoramento genético do rendimento de grãos (Austin et al., 1980).

As bases fisiológicas para aumento na produção de biomassa total, estão normalmente relacionadas com a interceptação de radiação fotossintéticamente ativa e a eficiência da sua conversão em biomassa (Gifford et al., 1984). Dessa forma, nas condições, onde freqüentemente ocorrem restrições hídricas durante o cultivo do trigo, a melhor forma de incrementar o rendimento de grãos poderia ser através do aumento da eficiência de conversão da radiação em biomassa, como sugerido por Deckerd et al., (1985). Por outro lado, uma vez observada associação direta entre o aumento na produção biológica e a maior estatura das cultivares (Hanson et al., 1985 ; Brooking & Kirby, 1981), cuidados devem ser tomados para evitar acamamento de plantas ao definir estratégias para aumento de biomassa.

Componentes do rendimento de grãos

Entre os componentes do rendimento de grãos, observou-se que o número de grãos por metro quadrado esteve associado significativamente com o ano de lançamento de cultivares (r =0,81 ; p<0,01), e o rendimento de grãos, por sua vez, esteve também estreitamente correlacionado com o número de grãos por unidade de área (r =0,94 p<0,01) (Figura 5). Esta associação também foi observada por outros autores (Slafer & Andrade, 1989; Waddington et al., 1986; Cox et al., 1988; Austin et al., 1989; Siddique et al., 1989 ; Perry & D’Antuono, 1989 ; Slafer et al., 1990). Os resultados indicam claramente que o melhoramento do potencial genético do rendimento de grãos foi associado a maior capacidade de estabelecimento do número de grãos, fato também demonstrado pela maior associação entre número de grãos por metro quadrado com número de grãos por espiga (r= 0,84 p<0,01) do que com número de espigas por metro quadrado (r= 0,60 p<0,01).

Não foi observada associação significativa entre peso de grãos com ano de lançamento das cultivares e com rendimento de grãos durante o período estudado (r= 0,39 n.s) (Tabela 3). Por outro lado, observou-se correlação negativa entre massa de grãos e número de grãos por metro quadrado(Figura 6). Essa associação tem sido observada freqüentemente em estudos de cultivares modernas e antigas (Waddington et al. 1986, 1987; Perry & D’Antuono,1989; Siddique et al. 1989; Slafer & Andrade, 1989). A associação negativa entre número e massa de grãos por unidade de área, pode estar relacionada em primeiro lugar à menor quantidade de assimilados disponíveis (fotossíntese corrente e reservas geradas na pré-antese) para satisfazer a demanda gerada para crescimento de todos grãos (Fischer & Aguilar, 1976). Em segundo lugar, menor peso de grãos pode ser decorrente da produção adicional de grãos, em função do estabelecimento de mais drenos reprodutivos. Nessa situação, os grãos localizados na porção distal nas espiguetas centrais, e/ou localizados nas espiguetas das extremidades da espiga, possuem menor potencial de acúmulo de massa seca, independentemente da disponibilidade de assimilados para seu crescimento. Em decorrência, observa-se massa final média menor para todos os grãos.

A correlação entre massa seca individual do grão com número de grãos por metro quadrado, indica que a redução da massa seca de grãos não é resultante da compensação pelo aumento do número de grãos por metro quadrado, observado nas cultivares modernas (Slafer & Andrade,1993). Seguindo este mesmo procedimento de análise, resultados semelhantes foram observados para as cultivares lançadas durante o período de 1940 a 1992 no Sul do Brasil (Figura 6). Esses resultados indicam que a demanda estabelecida para crescimento dos grãos foi satisfeita nas cultivares antigas e modernas. Assim, é possível considerar o número de grãos por unidade de área como um indicador do potencial de rendimento de grãos. Essa forte associação entre número de grãos por unidade de área e rendimento de grãos, estaria indicando que o fornecimento de assimilados para crescimento dos grãos (capacidade da fonte), em conjunto com as reservas acumuladas em órgãos vegetativos na fase de pré-antese, foram suficientes para satisfazer a demanda dos grãos em crescimento (capacidade dos destinos). O elevado número de grãos por metro quadrado e a produção adequada de assimilados para crescimento de grãos adicionais observado nas cultivares modernas, pode ser originário de maior período de crescimento da espiga em pré-antese. Por outro lado, também tem sido atribuído ao gene Rht (Waddington et al.,1986) a capacidade de modificar o padrão morfogenético dentro da espiga, favorecendo a determinação de maior número de grãos por espiga.

Dessa forma, estratégias de aumento de rendimento de grãos, deveriam dirigir esforços no sentido de aumentar o número de grãos, pois ao contrário do índice de colheita (Austin,1980), parece não haver um valor-limite para essa variável.

Taxa de crescimento e partição de biomassa

A massa seca total da parte aérea, acumulada até a antese e a taxa de crescimento entre os estádios de espigueta terminal e de antese, não foram correlacionadas com os anos de lançamento das cultivares de trigo (figuras 7 e 8), indicando ausência de influência do melhoramento genético em relação a estas variáveis. Dessa forma a significativa e positiva correlação observada entre biomassa total e ano de lançamento de cultivares, deve-se fundamentalmente ao aumento no rendimento de grãos de trigo. Esses resultados contrariam o conceito de que o melhoramento genético para rendimento de grãos evoluiu somente através da produção de mais grãos e menos palha, mantendo o rendimento biológico inalterado (Austin et al.,1980; Donald & Hamblin,1976; Gifford & Evans, 1981).

Com relação a partição de biomassa gerada em pré-antese às espigas, observou-se diferenças entre cultivares estudadas. Essas diferenças, contudo não foram suficientes para caracterizar tendência clara de evolução, em relação ao ano de lançamento das cultivares. Contudo, observou-se relevante alocação de biomassa da pré-antese à espiga nas cultivares modernas. Por isso, a massa seca da espiga na antese foi associada significativamente, com a partição de biomassa durante a pré-antese (r = 0,60 p< 0,01) (Figura 9) e não com a massa seca acumulada até antese (r = 0,07 n. s.). Assim, o padrão de distribuição de biomassa entre os órgãos vegetativos e reprodutivos na pré-antese podem estar condicionando a massa seca da espiga. Dessa forma, as variações no número de grãos por unidade de área e no índice de colheita, podem estar associadas à massa seca de espigas e/ou à partição de biomassa à espiga, fato demonstrado pela associação positiva entre o número de grãos por metro quadrado e a massa seca de espigas na antese ( r= 0,70 p<0,01) (Figura 10). Vários estudos demonstram estreita relação entre massa seca da espiga na antese e número de grãos por metro quadrado (Fischer, 1985; Fischer & Stocmann, 1986 ; Savin & Slafer, 1991; Thorne & Wood, 1987 e Wall, 1979; Brooking & Kirby,1981). Esta associação positiva entre o número de grãos por metro quadrado e a massa seca de espigas na antese, pode ser decorrente da produção de fotoassimilados em pré-antese e de sua translocação à espiga, determinando assim, maior número de grãos (Fischer,1980; Fischer & Stockman, 1986; Thorne & Wood,1987). Portanto, é possível que o melhoramento genético de trigo tenha afetado o rendimento de grãos através de um efeito durante a pré-antese, refletindo diretamente na determinação do número de grãos por metro quadrado. A correlação positiva e significativa observada, entre rendimento de grãos e massa seca de espigas na antese (r =0,67; p<0,01) e entre índice de colheita e partição de biomassa à espiga (r =0,86 p<0,01), reforçam tal possibilidade (figuras 11 e 12). Esses resultados são semelhantes aos observados na Argentina, em que as cultivares modernas e mais produtivas, foram obtidas através do aumento no número de drenos reprodutivos determinado na pré-antese (Slafer & Andrade,1989).

Duração dos subperíodos

Com relação à duração dos subperíodos entre emergência e antese, observou-se que durante a evolução das cultivares no período em estudo, a duração dos subperíodos compreendidos entre emergência e duplo anel, duplo anel e espigueta terminal não foram correlacionados com o ano de lançamento das cultivares. Por outro lado, houve associação significativa entre duração do subperíodo compreendido entre estádios de espigueta terminal e antese e o ano de lançamento das cultivares( r=0,70 p<0,01; n=36 ) (Figura 13). Dessa forma, maior duração do período de crescimento da espiga nas cultivares modernas poderia estar favorecendo maior disponibilidade de fotoassimilados para sobrevivência das flores e o estabelecimento dos grãos (Brooking & Kirby, 1981; Siddique et al., 1989 b; Stockmann et al., 1983; Ledent, 1986; Slafer & Andrade,1993). Isso explicaria o maior número de grãos observado nas cultivares modernas. Por outro lado, é possível que esse maior período de crescimento da espiga observado no período de estudo nas condições do Sul do Brasil, seja decorrente da introdução do gene de nanismo, nos programas de melhoramento a partir da década de 70. O efeito dos genes Rht1 e Rht2 tem sido freqüentemente indicado como responsável pelo aumento da produção de grãos através de uma associação positiva com o aumento no número de grãos por metro quadrado (Börner et al., 1993; Slafer et al.,1994; Gale, 1979).


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