Dezembro, 2007
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Passo Fundo, RS
Seqüestro de carbono no solo e mitigação do efeito estufa

O papel do solo frente à problemática exposta é muito importante. O solo é considerado o principal reservatório temporário de carbono no ecossistema (Bruce et al., 1999), por apresentar, em média, 4,5 vezes mais carbono do que a biota e 3,3 vezes mais do que a atmosfera (Lal, 2004a). Com esses valores de estoque de carbono presente no solo e na biota é evidente que a preservação desses reservatórios é de grande importância para o equilíbrio da concentração do gás carbônico na atmosfera.

A pesquisa tem mostrado que, indubitavelmente, a manutenção do estoque de carbono no solo cultivado é intrínseco ao manejo dispensado ao solo e às culturas, que também interfere, de forma incontestável, na qualidade dos recursos hídricos inseridos no contexto das bacias hidrográficas dos ecossistemas envolvidos. Para exemplificar, somente a conversão de ecossistemas naturais para agricultura pode corresponder a perdas superiores a 60% do estoque de matéria orgânica em solos temperados e superar 75% do estoque original em solos tropicais, implicando portanto, em significativa emissão de gás carbônico para a atmosfera (Lal, 2004a).

No Brasil, em sistemas de manejo de solo baseado no preparo convencional com intenso revolvimento de solo, normalmente, a perda do estoque original da matéria orgânica do solo, em solo não cultivado e em mata natural, pode atingir 50% em períodos que variam de 15 a 23 anos (Pöttker, 1977; Bayer et al., 2003). Além disso, esses sistemas são comumente mais predispostos à erosão, que, segundo Lal (2003), é responsável por emissões globais de até 1,0 Pg C ano-1 (1Pg= Petagrama – 1015 g = 1 bilhão de Mg).

A dimensão da contribuição das diferentes formas de exploração agrícola (mudanças no uso do solo) na emissão de gás carbônico é evidente ao observar que este gás corresponde a, aproximadamente, 22% do total emitido, embora essa estimativa tenha grande incerteza. Por outro lado, o potencial mundial do solo em seqüestrar carbono, segundo Lal (2004b), pode atingir um terço do acréscimo anual (3,3 Pg) de carbono na atmosfera quando manejado por meio de práticas conservacionistas adequadas. No Brasil, o sistema plantio direto, ao preconizar elevada adição de matéria seca ao solo, faz parte desse contexto e deve ser amplamente recomendado e, principalmente, qualificado, diante de conjunturas que pregam a inobservância de princípios básicos de manejo do solo e da água.

No País, são escassas as pesquisas que avaliam a contribuição da agricultura na emissão de gás carbônico. Estimativas de Cerri et al. (2004) demonstram ter ocorrido emissão líquida anual de 46,4 milhões de toneladas no período de 1975-1995, enquanto que a mitigação decorrente da adoção do sistema plantio direto alcançou 33 milhões de toneladas de gás carbônico anualmente, no mesmo período. Cabe ressaltar que, neste período, na subdivisão do país por regiões os estados do Sul e do Sudeste apresentam seqüestro líquido de gás carbônico de, aproximadamente, 6,5 milhões de toneladas, enquanto que as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste possuem emissão líquida superior a 52 milhões de toneladas anualmente, para o período considerado (Bernoux et al., 2001). Portanto, a geração de um excedente superior a 13 milhões de toneladas desse gás lançado na atmosfera, resultante de mudanças do uso da terra (culturas, pastagens, florestas, entre outras), pode indicar a necessidade de avaliações mais detalhadas nesse sentido e, também, refletir a importância de ampliar a adoção e de qualificar o manejo do sistema plantio direto.

Desse modo, maior atenção deve ser dispensada ao manejo da matéria orgânica do solo, a qual é considerada essencial para a fertilidade integral do solo, por atuar em aspectos de natureza química, física e biológica. O incremento da matéria orgânica do solo no sistema de produção apresenta impactos positivos na melhoria da qualidade do solo (Conceição et al., 2005). Além disso, estudos demonstram que acréscimos em 1% no teor de matéria orgânica do solo pode resultar em aumentos de 20 a 70 kg ha-1 na produção de trigo, 10 a 50 kg ha-1 na produção de arroz e de 30 a 300 kg ha-1 na produção de milho (Lal, 2006).

Para que o estoque de matéria orgânica do solo se estabilize ou não decresça, os sistemas de manejo de solo e de culturas adotados devem preconizar adições de material orgânico em maior quantidade do que as perdas por decomposição. No solo, a dimensão do estoque de matéria orgânica é representada pela dinâmica do equilíbrio entre a adição e a perda (Fig. 1).

Lovato et al. (2004) estimam que a adição anual de carbono necessária para manter o estoque original de carbono orgânico total no preparo convencional é superior a 100% da necessidade requerida pelo sistema plantio direto. Em termos quantitativos, Campos (2006), em trabalho realizado na região Central do Rio Grande do Sul, demonstrou que, na média dos sistemas de manejo de solo estudados, a emissão de gás carbônico alcançou 9 Mg ano-1, ressaltando com isso, a importância da adição de elevada quantidade de material orgânico ao solo pelas culturas, para suprir a taxa de perda de matéria orgânica do solo.

O equilíbrio positivo entre a entrada e a saída de carbono em solos agricultáveis passa pela implementação de sistemas de produção fundamentados em princípios da agricultura conservacionista, pois o manejo adotado visa à manutenção permanente da cobertura do solo, que contribui para o incremento do conteúdo de carbono orgânico, para a reciclagem de nutrientes, a fixação simbiótica de nitrogênio, a retenção e a infiltração de água no solo, para a redução do escoamento superficial e o eficiente controle da erosão hídrica, fatores estes que resultam na melhoria da qualidade ambiental e na preservação dos recursos naturais (Bayer & Mielniczuk, 1997; Debarba & Amado, 1997; Amado et al., 2000; Spagnollo, 2000; Santos et al., 2003; Lovato et al., 2004; Cerri et al., 2007).
Entretanto, sistemas envolvendo pastagens perenes também têm sido apontados como recuperadores do teor de carbono do solo, principalmente, nas regiões Centro-Oeste e Amazônica brasileiras (Feigl et al., 1995; Corazza, et al., 1999; Jantalia et al., 2006).

Dessa forma, a grande parcela dos sistemas agrícolas produtivos anuais do Brasil, que poderia estar inserida no intrincado conceito do complexo tecnológico conservacionista, constitui importante dreno de gás carbônico da atmosfera. A área sob sistema plantio direto no Brasil é estimada em 25 milhões de hectares (Federação, 2007), o que comprovadamente contribui para a mitigação da emissão de gases de efeito estufa através do acúmulo de carbono no solo (Lovato et al. 2004; Gomes, 2006; Cerri et al., 2007; Zanatta et al., 2007).

O acúmulo de carbono no solo está intimamente associado à utilização do sistema plantio direto. De acordo com Cerri et al. (2007), em extensa revisão de literatura, os solos brasileiros acumulam, em média, 0,5 Mg C ha-1 ano-1. Entretanto, em experimentos no sul do Brasil, quando comparado o sistema plantio direto com o preparo convencional de solo, algumas pesquisas indicam seqüestro de carbono variando de 0,12 a 1,6 ha-1 ano-1 (Bayer et al., 2000; Amado et al., 2001; Amado et al. 2006), evidenciando a extensa variabilidade que os diferentes sistemas de produção proporcionam no acúmulo de carbono no solo.

Outra alternativa que tem sido apontada como interessante no controle da emissão de gases de efeito estufa, com destaque para o gás carbônico, é a utilização de plantas para a produção de biocombustíveis (McManus et al., 2004). Isso ocorre pela produção de energia renovável (Cruz et al., 2006), que proporciona redução do uso de combustível fóssil (Janzen, 2004), além de aportarem importante quantidade de resíduos culturais ao sistema (Peterson & Hustrulid, 1998) e evitar a emissão de carbono fóssil pelo uso do biocombustível renovável produzido (Righelato & Spracklen, 2007).

Do exposto, observa-se que os sistemas de produção que preconizam a utilização de culturas voltadas à produção de energia renovável apresentam potencial para seqüestrar carbono no solo e mitigar a emissão de gases de efeito estufa. No entanto, dimensionar com relativa precisão este acúmulo é uma ação complexa, devido à expressiva dependência do tipo de solo e das condições ambientais a que as práticas de manejo estão sujeitas. Os estudos de seqüestro de carbono e de mitigação do efeito estufa no Brasil carecem de pesquisas regionalizadas, onde as variáveis preponderantes do processo sejam semelhantes. Além disso, deve-se observar os sistemas de produção quanto ao grau de efetividade no seqüestro de carbono, ou seja, se o determinado sistema em uso ainda está proporcionando aumento no estoque de carbono no solo, pois, segundo Smith (2004), a utilização contínua de uma determinada tecnologia de produção, apresentará, invariavelmente, decréscimo na taxa de seqüestro de carbono com o decorrer do tempo, enquanto o seu estoque no solo tende a aproximar-se do equilíbrio. Isso é um fator determinante para a inserção de modelos de produção mais intensivos, principalmente no que tange ao aporte de material orgânico ao solo, sem descuidar de aspectos voltados à dimensão econômica, social e ambiental dos modelos produtivos instituídos. A intensificação do sistema plantio direto, com aporte contínuo de resíduos vegetais ao solo, discrimina um processo de qualificação de modelos de produção conservacionista que, em última análise, resultará na adoção de práticas efetivas de manejo do solo, principalmente, frente à mitigação do aquecimento global.


 

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