Embrapa Trigo

Dezembro, 2004
Passo Fundo, RS

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O desvendamento da estrutura do DNA

Esta história começa em 1937, com a figura do pesquisador sueco Torbjörn Caspersson, do Karolinska Institute de Estocolmo, Suécia, que trouxe para o Instituto de Química, de Rudolf Signer, em Berna, uma amostra de DNA de timo de bezerro que tinha sido extraída por métodos biológicos. Como Signer havia desenvolvido métodos para manter macromoléculas em solução, juntamente com Caspersson, extraiu novamente ácido nucléico de timo de bezerro e mediu o respectivo peso molecular. Comprovaram que consistia em mais de 500.000 nucleotídeos formando fibras compridas e que as bases aminadas eram perpendiculares às fibras. O resultado foi publicado na revista Nature de 15 de janeiro de 1938. Nesse mesmo ano, William Thomas Astbury (1898-1961), professor de Estrutura Biomolecular na Universidade de Leeds, Inglaterra, que estava estudando a difração de raios X de diversas fibras orgânicas, realizou as primeiras difrações de raios X de DNA, em amostras que foram-lhe enviadas pelo próprio Torbjörn Caspersson. Astbury determinou que os nucleotídeos estavam posicionados em intervalos de 3,4 Angströms (um Angström equivale a 0,1 mµ) e publicou os resultados no simpósio de Biologia do Cold Spring Harbor Laboratory, em 1938, e num artigo na mesma revista Nature.

Anos mais tarde, Signer desenvolveu, juntamente com seus estudantes de doutoramento, novos métodos para extrair DNA mais purificado, comprovando que as novas fibras eram mais compridas que as extraídas anteriormente. Em maio de 1950, Rudolf Signer foi a Londres para proferir uma conferência sobre seus trabalhos, durante uma reunião da Sociedade Faraday, levando consigo 15 g de fibras de DNA. Agindo como um legítimo cientista, preocupado apenas com a Ciência e não com seu interesse pessoal, ofereceu as amostras a pesquisadores que pudessem estar interessados. Wilkins assistiu à palestra e ficou com a amostra.

A partir dessa amostra, Wilkins e Gosling conseguiram cristalizar o DNA, fotografaram as primeiras difrações de raios X e mediram a largura, que estimaram em 20 Angström. Alec Stokes, fisico-matemático, desenvolvia a parte teórica. Colaboravam com eles Bruce Fraser, estudante que trabalhava com espectrografia do infravermelho, e William Seeds, estudante irlandês que trabalhava em microscopia. Baseados na tese do norueguês Sven Furberg, publicada em 1949, presumiram que a molécula do DNA tinha forma helicoidal.

Furberg reestruturou o modelo de Astbury determinando que os nucleotídeos apresentavam angulo de 36º, o arranjo que ele denominou a "configuração standard". Mas o modelo de Furberg constava de uma única hélice. Os resultados foram apresentados no Congresso de Nápoles, em 1951, chamando a atenção de James Watson. A importância do trabalho de Signer e seu assistente, Hans Schwander, foi reconhecida por Maurice Wilkins, em seu discurso ao receber o Prêmio Nobel.

Em janeiro de 1951, Rosalind Franklin, especialista em difração de raios X, contratada por Randall, passou a trabalhar no laboratório do King’s College no estudo do DNA. Ela acreditava que iria trabalhar sozinha no DNA, com a ajuda de R. Gosling, e Wilkins entendia que ela fora contratada para ser sua assistente. Durante os primeiros meses não houve problemas, mas, depois, Rosalind não conseguia entender por que Wilkins continuava pesquisando o DNA e surgiram desentendimentos. A porcentagem de mulheres que trabalhavam no King’s College não chegava a 25%. O ambiente era muito anglicano, em 1953, e a Faculdade de Teologia era a mais importante. Como mulher e judia, Rosalind teve certamente dificuldades de aceitação. Embora pareça difícil acreditar hoje, no King’s College existia um refeitório misto e outro exclusivo para homens.

Segundo Maurice Wilkins, Rosalind Franklin encontrara a forma de medir o conteúdo de água e a densidade das fibras de DNA. Ela descobriu que o DNA fornecido por Signer apresentava-se em duas formas: uma, pouco hidratada, com 72% de umidade, que foi denominada DNA-A, e outra hidratada, com 92%, denominada DNA-B. O DNA-A hidratava-se, passando à forma B, e as fibras estendiam-se cerca de 30%.

Mas Randall queria que Wilkins deixasse de trabalhar com DNA, mas como este não queria desistir, sugeriu-lhe que trabalhasse com o DNA-A, e Rosalind Franklin trabalharia com o DNA-B. Nessa divisão de trabalho, Rosalind ficou com o DNA fornecido por Signer, e Wilkins, com o que tinha recebido de Chargaff.

Em outubro de 1951, em visita ao Laboratório Cavendish, de Cambridge, Watson conheceu Francis Crick, iniciando-se uma amizade e interação científica entre eles. Como ambos estavam muito interessados no DNA, Watson resolveu solicitar a Salvador Luria transferência para Cambridge, a fim de trabalhar na estrutura da mioglobina com John Kendrew e Francis Crick. Mas a intenção dele era pesquisar o DNA.

Em novembro de 1951, de acordo com a idéia de Crick de seguir o método de Linus Pauling, começaram a construir um modelo de DNA de arame e metal, com ângulos e dimensões em escala dos espaços interatômicos, baseados em dados de difração de raios X do DNA-A, de Wilkins e Gosling. A estrutura constava de três hélices de DNA, no centro da fibra, unidas por íons de Magnésio, e as bases aminadas, no exterior. Nesse mesmo mês, Maurice Wilkins, Rosalind Franklin e Raymond Gosling os visitaram e desaprovaram o modelo proposto, já que não existiam íons no centro da fibra e os fosfatos das hélices não poderiam ficar juntos porque se repeliriam. Rosalind Franklin foi também de opinião que o DNA não tinha estrutura de hélice.

Ao saber o resultado da visita, John Randall reuniu-se com Lawrence Bragg, com o propósito de fazer com que Watson e Crick desistissem do DNA. Crick voltou à sua tese e Watson dedicou-se a pesquisar o RNA do Vírus do Mosaico do Tabaco, mediante difração de raios X. As peças do modelo foram enviadas ao King’s College, para serem aproveitadas por Wilkins, Stokes e Rosalind Franklin. Wilkins, em seu livro, reconhece que as peças não foram utilizadas por eles, devolvendo-as a Watson e Crick.

Wilkins relata que Bruce Fraser lhe mostrara, em outubro de 1951, antes da visita a Cambridge o modelo de DNA que havia construído. Este modelo consistia de três hélices com as bases no centro, o que era incompatível com as difrações de raios X. Mas Wilkins não explica por que descontinuaram a construção de modelos.

John Randall tentou fazer com que Wilkins desistisse do DNA e voltasse à microscopia, mas finalmente Rosalind Franklin, em razão dos desentendimentos, resolveu pedir transferência para o Birkbeck College e trabalhar com John D. Bernal.

Em maio de 1952, Rosalind Franklin e R. Gosling produziram a difração de raios X do DNA hidratado (DNA-B), a famosa foto 51.

Watson e Crick estavam proibidos de continuar trabalhando no DNA, mas John Kendrew deixou-os prosseguir a discussão sobre o assunto. Na primavera de 1952, John Griffith, químico e matemático galês, colega de Crick, calculou que, entre as quatro bases aminadas que formam parte do DNA, a adenina tende a atrair timina, e a citosina, a guanina. Na mesma época, Chargaff visitou Watson e Crick, mas o encontro não foi satisfatório para nenhum dos três. Chargaff achou que eles não dispunham de conhecimento suficiente para o que estavam tentando descobrir.

Em novembro de 1952, Watson foi informado de que Linus Pauling, que já começara a estudar o DNA em 1933, tinha reiniciado o trabalho. Pauling solicitou a John Randall cópia das fotos de Wilkins, o que lhe foi negado, tendo de trabalhar com as mais antigas, de William T. Astbury. Ao findar o ano, Pauling enviou um trabalho para ser publicado na revista Nature. Em janeiro de 1953, Watson e Crick tiveram acesso ao manuscrito de Pauling, no qual este propunha uma estrutura helicoidal de três hélices, no centro da molécula, e as bases aminadas, no exterior, similar ao primeiro modelo de Watson e Crick.

Comentaram com Lawrence Bragg que o modelo de Pauling estava errado e, além disso, continha um erro básico de química, que o autor logo perceberia, sendo necessário reiniciar as pesquisas com DNA, antes que o pessoal do Cal Tech vencesse a corrida. Era com Pauling que o laboratório Cavendish estava competindo. Por esse motivo, Lawrence Bragg autorizou-os a voltar a trabalhar com o DNA, e estes reiniciaram a construção do modelo. Lawrence Bragg acreditava que Linus Pauling usara suas idéias sobre ligações atômicas na publicação deste sobre a natureza das ligações químicas. Bragg achava que ter comunicado a Pauling suas idéias fora o pior erro de sua carreira científica.

Em janeiro de 1953, Gosling, sem o conhecimento de Rosalind Franklin, entregou uma cópia da foto 51 a Wilkins e este mostrou-a a Watson. De acordo a Wilkins, era muito mais clara e mais nítida que as anteriores. Watson percebeu claramente que o DNA somente podia ter uma estrutura helicoidal de duas cadeias, com as ligações fosfato-desoxiribosa na parte externa. Como posteriormente foi dito que ele furtara a foto, Wilkins argumentou, em seu livro, que imaginara, uma vez que Rosalind estava deixando o Kings College, que ela estaria entregando o material.

Em fevereiro de 1953, Max Perutz mostrou a Watson e a Crick uma cópia do relatório do Medical Research Council, sumariando o trabalho dos principais pesquisadores, incluindo o de Rosalind Franklin, que apresentava medidas detalhadas da estrutura do DNA. Finalmente todos eles estavam trabalhando para o Medical Research Council. Max Perutz, como bom administrador de pesquisa, encarregou-se de reciclar a informação disponível para que houvesse bom aproveitamento dos avanços que estavam sendo realizados.

Nas renovadas tentativas de construir o modelo, Watson e Crick formavam pares de bases iguais de adenina-adenina, citosina-citosina, guanina-guanina e timina-timina. Como as bases apresentavam diferentes tamanhos, os pares formados eram desuniformes e a dupla hélice tinha um diâmetro muito variável.

Em fevereiro de 1953, um cristalografista americano, Jerry Donohue, discutiu o modelo com Watson, afirmando que as formas tautoméricas "keto" de timina e guanina eram as que deveriam ser usadas no modelo, e não as formas "enol" (Fig. 3). Watson argumentou que a fórmula que figurava na literatura científica era a forma "enol". Donohue concordou que na maioria dos textos predominava a forma "enol", mas as formas "keto" de timina e guanina eram mais compatíveis com adenina e citosina. Encomendaram novas peças de metal das bases aminadas, com as novas medidas, para substituir as que até então faziam parte do modelo.

Em 28 de fevereiro de 1953, um sábado de manhã, Watson subitamente deu-se conta de que um par adenina-timina preso por ligações de hidrogênio igualava-se em tamanho a um par citosina-guanina. Se as adeninas parearam somente com as timinas, o número delas deveria ser sempre igual, e o mesmo aconteceria com as bases guanina e citosina, o que explicava a regra de Chargaff. Sem poder aguardar a chegada das peças de metal das bases aminadas, Watson recortou peças similares, em cartolina, para completar o modelo (Fig. 4). Chamou Crick para discutir a nova idéia. Crick concordou, mas resolveram aguardar as peças de metal, para conferir a exatidão da estrutura. Quando foram almoçar no pub "Eagle", Crick anunciou, a quem quisesse ouvir, que "hoje desvendamos o segredo da vida."

Na semana seguinte, Watson e Crick convidaram Max Perutz e John Kendrew a discutir o modelo. Mais tarde, reuniu-se a eles Sir Lawrence Bragg, o qual recomendou que se consultasse Sir Alexander Todd, que considerou a estrutura viável do ponto de vista químico. Posteriormente, Maurice Wilkins, Rosalind Franklin e Raymond Gosling foram a Cambridge conhecer a nova estrutura, e todos concordaram com a dupla hélice. Em abril, Linus Pauling, em viagem na Bélgica, conheceu o modelo e anunciou a descoberta durante uma reunião de cientistas.

Watson e Crick convidaram Wilkins para participar da publicação "A Structure for Deoxyribose Nucleic Acid", como terceiro autor. Mas este sentiu-se ofendido e recusou, alegando não ter participado da construção do modelo. Em seu livro, Wilkins admite não ter percebido que formavam parte de um grupo informal de trabalho e não consegue explicar claramente sua atitude de recusar o convite. Lembra não ter sido mencionado nas primeiras apresentações da nova estrutura, realizadas posteriormente por Watson em Cambridge. Crick não lembrava, e não se mencionou nos livros, se a oferta havia sido estendida a Rosalind Franklin; aparentemente ela não fora convidada. Se Wilkins não aceitava participar como autor, deveria pelo menos ter proposto que se convidasse a Rosalind Franklin, já que as fotos e as medições por ela obtidas foram cruciais na construção do modelo.

Ficou resolvido que cada grupo apresentaria seu trabalho a Nature separadamente. Watson e Crick apresentaram dois trabalhos: A Structure for Deoxyribose Nucleic Acid. Nature, v. 171, 737-738; e Genetical Implications of the Structure of Deoxyribonucleic Acid. Nature, v. 171, 964-967.

Rosalind Franklin e Raymond Gosling mencionaram a nova estrutura no trabalho que enviaram à revista: Molecular Configuration in Sodium Thymonucleate. Nature, v. 171, 740-742. Os cálculos da função de Bessel contidos no artigo deram suporte à validação da nova estrutura, e, em 25 de julho, publicaram outro artigo sobre o DNA-A: Evidence for 2-chain Helix in Crystalline Sodium Deoxyribonucleate. Nature, v. 172, 156-158. Os cálculos das funções Patterson confirmavam a estrutura em hélice, também para o DNA-A.

Maurice Wilkins, A. R. Stokes e H. R. Wilson publicaram o artigo: Molecular Structure of Deoxypentose Nucleic Acids. Nature, v. 171, 738-740.


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