Embrapa Trigo
 
Abril, 2014
150
Passo Fundo, RS

O triticale no Brasil

Em 1977, um ensaio regional de cultivares e populações de triticale foi organizado no Rio Grande do Sul, sendo realizado anualmente a partir de 1979, em mais de 20 locais em todo o Brasil (BAIER; NEDEL, 1985). Também, durante a década de 1970, muitas instituições receberam coleções e linhagens oriundas do CIMMYT. A primeira cultivar de triticale registrada no Brasil, oriunda destas introduções, foi BR 1, lançada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 1985. Além desta, por ocasião da primeira Reunião Brasileira de Triticale em 1985, também foram indicadas as cultivares CEP 15 Batovi, IAPAR 13 Araucária, OCEPAR 1 e OCEPAR 2, evidenciando os esforços realizados por instituições de pesquisa no Brasil para o desenvolvimento desta espécie neste período. Em 2005, a Embrapa registrou a primeira cultivar desenvolvida no Brasil com base em hibridização de materiais já adaptados às condições do país, a BRS Minotauro (NASCIMENTO JUNIOR et al., 2008). Em 2013, 27 cultivares de triticale estavam registradas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) (BRASIL, 2013).

Apesar dos esforços realizados pela pesquisa no Brasil, tem-se verificado aumento na incidência e na severidade de doenças em triticale, principalmente, de manchas foliares como mancha-bronzeada (Drechslera tritici-repentis), mancha-marrom (Bipolaris sorokiniana) e fusariose ou giberela (Giberella zeae), nas regiões tradicionais. É possível que forte pressão de seleção de inóculo e condições favoráveis ao desenvolvimento de doenças estejam proporcionando este incremento (CARVALHO et al., 2008). Apesar disto, cultivares recentemente lançadas apresentam melhor comportamento para giberela (como BRS Minotauro e BRS Saturno) e para ferrugem da folha (como BRS Harmonia), com ocorrências verificadas em 2010, no Rio Grande do Sul, e em 2013, até o norte do Paraná.

O foco inicial do cultivo de triticale no Brasil foi para consumo humano. As principais limitações iniciais de cultivo referiam-se à suscetibilidade às doenças de espiga (helmintosporiose, septoriose e giberela) e a pouca resistência à germinação na espiga (BAIER; NEDEL, 1985). Em 1983, a área de cultivo do cereal atingiu, aproximadamente, 250 ha com produção de 600 t. Já em 1984, a área alcançou 1.500 ha e, em 1985, 4.500 ha (BAIER; NEDEL, 1985).

O perfil da farinha de triticale (de baixa qualidade para panificação e de cor escura), o menor rendimento de moagem e a logística limitada11 resultaram em baixa aceitação do cereal por parte de moinhos brasileiros, o que reduziu o interesse no cultivo do cereal no fim da década de 1980. O cultivo voltou a ter novo estímulo na década de 1990, porém com mudanças no direcionamento do produto final.

Os bons rendimentos observados nas safras 1987, 1988 e 1989; a realização, em 1990, do II Simpósio Internacional de Triticale em Passo Fundo (BAIER, 1994; BAIER et al., 1994) e o aumento do preço do milho despertaram o interesse de uso de triticale como substituto do milho pela indústria de rações e de integração de aves e suínos. No início da década de 1990, programas de fomento para o cultivo de triticale para consumo animal foram desenvolvidos com instalações de lavouras demonstrativas. Em 1991, mais de 180 lavouras demonstrativas e, em 1992, mais de 250 lavouras demonstrativas foram instaladas para difusão do cultivo de triticale como ingrediente para alimentação animal (BAIER, 1993). Desde então, a alimentação animal tem sido o principal destino da produção de triticale no país, embora a valorização do cereal em relação ao milho, observado nos últimos anos, tenha limitado o uso para tal fim e influenciado na redução da área de plantio.

A Figura 2 apresenta a evolução da cultura de triticale no Brasil nos últimos 20 anos com base em dados do IBGE (FAGUNDES, 2003; HUBNER, 2008; IBGE 2013). Durante a década de 1990 e primeiro quinquênio dos anos 2000, observou-se tendência crescente em termos de área colhida e de quantidade produzida. Os maiores registros de área colhida (134,9 mil ha) e de produção (278,3 mil t) ocorreram em 2005 (Tabela 4) (IBGE, 2013).

O crescimento da área semeada no início da década de 2000 esteve associado à busca de substitutos para milho, cujos preços estavam em elevação. Problemas na safra de milho, em 2001/2002, e aumento da exportação, pela alta dos preços internacionais e desvalorização cambial, diminuíram a oferta interna de milho, que teve aumento de preços, alcançando valores mensais médios acima de R$22,00/saca de 60 kg, no final de 2002, no Paraná. Após 2005, observou-se retração de preços de milho, que atingiram média anual de R$12,60/saca de 60 kg, no Paraná, frente à média de R$15,73/saca de 60 kg, no ano de 2003. Tal queda de preços do milho e o expressivo aumento de produção interna, com o estabelecimento do milho de segunda safra, podem ter contribuído para a queda de área de cultivo de triticale e o desinteresse como ingrediente substituto na alimentação animal.

Nesse sentido, após 2005, a área colhida sofreu forte queda, atingindo 39,6 mil ha, em 2011 (IBGE, 2013), a menor registrada nos últimos 20 anos. No período de 1993-1999, a área média anual foi de 75,28 mil ha, aumentando para 95,9 mil ha/ano, na década de 2000, e retroagindo para 44,6 mil ha/ano12, no período de 2010-2013 (Tabela 4) (adaptado de FAGUNDES, 2003; HUBNER, 2008; IBGE, 2013).

Além do aumento na área, o aumento na produção, observado nas décadas de 1990 e início dos anos 2000, foram expressivamente influenciados pelo aumento no rendimento. No período de 1993-1999, o rendimento médio anual13 foi de 1.734 kg/ha; na década 2000, o rendimento médio alcançou 2.042 kg/ha, ampliando para 2.531 kg/ha no período de 2010-2013. Entre 1993 a 2012, o acréscimo anual médio foi de 43,7 kg/ha/ano.

O cultivo no país apresenta regionalização acentuada, com maior área situada nos estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul (Tabela 5 e Figura 3). O estado do Mato Grosso do Sul apresentou registro de cultivo entre os anos de 2005 a 2007, e o estado de Santa Catarina possui registro de cultivo em pequena quantidade.

No período de 1993-1999, as estatísticas oficiais do IBGE (FAGUNDES, 2003; HUBNER, 2008) registravam cultivo de triticale somente nos estados do Paraná e do Rio Grande do Sul, os quais respondiam por 64,7% e 35,3% da produção do país13, respectivamente. Na década de 2000, segundo os dados do IBGE (HUBNER, 2008; IBGE, 2013), houve registro de cultivo no Mato Grosso do Sul, expansão de área no estado de São Paulo, oscilação de área no Paraná e retração do cultivo no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.

Nos anos 2000, o Paraná consolidou-se como principal produtor de triticale do país e respondeu por 65,0% da área colhida e por 63,2% da produção nacional, no período, conforme cálculo efetuado com base em dados de IBGE (2013). Na safra de 2002, a área colhida no estado foi de 89.365 ha, maior registro de área; porém, já no final da década, a área oscilou entre 37,0 e 40,0 mil ha (adaptado de IBGE, 2013).

Por outro lado, observou-se decréscimo constante de área no Rio Grande do Sul, que passou de 41,5 mil ha, em 1995 (IBGE, citado por FAGUNDES, 2003), para 20,3 mil ha, em 2000 (IBGE, citado por FAGUNDES, 2003), e terminou a década com, aproximadamente, 5,0 mil ha colhidos (IBGE, 2013). Na década de 2000, o estado representou, em média, 12,2% da área colhida e 10,9% da produção13, ocupando o terceiro posto em termos de representatividade de cultivo. Em Santa Catarina também houve queda de área, passando de 10,0 mil ha cultivados, no início dos anos 2000 (IBGE, citado por FAGUNDES, 2003), para menos de 2,0 mil ha no final da década (IBGE, 2013). O estado chegou a responder por 10,3% da produção brasileira em 2003, mas terminou a década com participação em torno de 3,0%13.

O estado de São Paulo ampliou expressivamente a participação na produção do cereal nos anos 2000, alcançando 25,5 mil ha, em 2008, segundo dados do IBGE (2013). A área colhida no estado representou, na média da década, 16,4% do total no país, com produção de 20,6%. O uso da farinha de triticale para fabricação de biscoitos, em mesclas com farinha de trigo, a melhor tolerância aos solos ácidos e ao déficit hídrico, e os melhores índices de produtividade, quando comparados a outros cereais de inverno, proporcionaram o incremento de área neste estado, pela preferência do produtor de grãos buscando alternativas ao cultivo de trigo (NASCIMENTO JUNIOR et al., 2008).

Nos últimos anos (2010-2013), com exceção do estado de São Paulo, que vem assumindo posição de destaque no cenário de produção de triticale, os demais estados (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) continuaram com tendência de queda ou estagnação de área colhida. Na média do período, o Paraná representou 49,0% da área colhida, e São Paulo, 37,0%13. O Rio Grande do Sul (11,8%) e Santa Catarina (2,3%) completam as áreas de registro de cultivo. Com relação à distribuição da produção, 46,9% da produção nacional originou-se no Paraná, 41,0% em São Paulo, 9,9% no Rio Grande do Sul e 2,2% em Santa Catarina, conforme médias calculadas com base em dados do IBGE (2013). Nos dois últimos anos (2012 e 2013), São Paulo superou o Paraná, representando, na média, 45,3% da área colhida e 53,1% da produção, ante os 41,1% e 35,7%, respectivamente, do estado do Paraná.

A produção de triticale ocorre no sul do estado de São Paulo, no norte, centro, oeste e sul do Paraná, no oeste de Santa Catarina e no noroeste do Rio Grande do Sul (Figura 3). No período de 2010-2012, as microrregiões de Itapeva (SP), com 23,6%, de Itaberá (SP), com 14,8%, de Ponta Grossa (PR), com 11,5%, de Guarapuava (PR), com 10,7%, de Campo Mourão (PR), com 8,8%, de Cascavel (PR), com 4,8%, de Avaré (SP), com 4,4%, e de Santo Ângelo (RS), com 3,5%, %, perfizeram mais de 80,0% da produção de triticale do país, de acordo com as médias calculadas com base nos dados de IBGE (2013).

Na Tabela 6, apresentam-se os dez principais municípios brasileiros produtores de triticale no período de 2010-2012 com base nos dados de IBGE (2013). Em termos de área colhida, Itaberá, SP (13,0%), Palmeira, PR (5,3%), Guarapuava, PR (4,7%) e Campo Mourão, PR (4,0%) registraram as maiores áreas colhidas e totalizaram um quinto da área do cereal no país. A lista é completada por outros seis municípios (Itapeva - SP, Taquarivaí - SP, Mariluz – PR, Peabiru - PR, Castro – PR e Paranapanema – SP), que foram responsáveis, em média, por 43,7% da área colhida no país neste período. Nos 191 municípios com registro de cultivo, a área colhida média por município variou de 1 a 5.433 ha/município, com média geral de 213,3 ha/município.

Oito dos municípios de maior registro de área de cultivo (Itaberá - SP, Palmeira – PR, Taquarivaí - SP, Guarapuava – PR, Castro – PR, Campo Mourão – PR, Itapeva – SP e Peabiru - PR) e os municípios de Cascavel – PR e Candói - PR compõe a lista de municípios de maior quantidade produzida de triticale no país, respondendo por 46,3% da produção nacional no referido período. Itaberá (SP), o município de maior registro de produção no período, foi responsável por 14,8%, em média, da quantidade produzida.

Rendimentos médios superiores a 3.300 kg/ha, no período 2010-2012, foram observados em Ipiranga, Jaguariaíva, Paraí, Arapoti, Buri e Ivaí. Dos 191 municípios com registro de cultivo, no referido período, 28,3% apresentaram rendimentos inferiores a 2.000 kg/ha, 46,1%, rendimentos entre 2.001 a 2.500 kg/ha e 25,6% tiveram rendimentos superiores a 2.500 kg/ha.

Segundo os dados do Censo Agropecuário (IBGE, 2013), em 2006, a produção de triticale foi registrada em 740 propriedades, das quais metade (50,5%) possuía área total entre 10 a 50 hectares e área média de cultivo de triticale de 6,4 ha/propriedade. No entanto, 33,4% da quantidade foi produzida em propriedades de área total de 1.000 a 2.500 ha, com área média de cultivo de triticale de 209 ha, as quais representaram 3,1% do total de propriedades com registro de cultivo13.

Com base nos dados do Censo Agropecuário (IBGE, 2013), observa-se que o estado de São Paulo apresentou área de cultivo por propriedade maior que os demais estados: 18,5% das propriedades com registro de cultivo possuíam 200 a 500 ha de área de cultivo. Já no Rio Grande do Sul, as áreas de cultivo por propriedade foram menores: 42,4% das propriedades registraram de 2 a 5 ha colhidos de triticale. A área média de cultivo por propriedade foi de 95,5 ha no estado de São Paulo, de 55,0 ha no Paraná, de 36,1 ha em Santa Catarina e de 9,7 ha no Rio Grande do Sul14.

Ainda segundo dados do Censo de 2006, 73,8% das propriedades com cultivo de triticale dedicaram-se à lavoura temporária como atividade econômica principal e 23,1% tiveram a pecuária e a criação de animais como principal atividade. Em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, o registro de propriedades criação animal como atividade econômica principal foi superior aos demais estados: 30,0% e 27,0%, respectivamente14.

Em termos de tecnologia empregada, considerando a área total colhida registrada nos dados do Censo de 2006 (IBGE, 2013), a quase totalidade do cultivo ocorreu em condições de sequeiro14 e de cultivo simples15 (91,3% e 95,1% da área, respectivamente); semente certificada foi utilizada em 64,3% da área colhida; em 87,6% da área, ocorreu aplicação de agrotóxicos; em 90,3% da área, foi empregada adubação química16; e a colheita mecanizada foi predominante (em 98,4% da área colhida). Uma parte ínfima (0,04%) do cultivo ocorreu sob os princípios de agricultura orgânica, sendo que 41,0% da área de cultivo orgânico era certificada por entidade credenciada14.

Os dados do Censo Agropecuário de 2006 (IBGE, 2013) apontam que 45,7% dos estabelecimentos receberam assistência técnica regularmente, 39,7% receberam assistência ocasional e 14,6% não contaram com assistência. A assessoria em 55,9% dos estabelecimentos tecnicamente assistidos foi feita por cooperativas e, em 19,7%, pelo governo (federal, estadual ou municipal)14.

Do total produzido no ano de 2006, de acordo com os dados do Censo Agropecuário (IBGE, 2013), 74,0% foram comercializados, 16,2%, empregado no consumo animal no estabelecimento, 3,6%, utilizado como semente e 2,7% destinou-se ao consumo humano no estabelecimento. No Rio Grande do Sul, observou-se padrão diferenciado, já que somente 32,7% do total produzido no estado foi vendido, 31,6% foi destinado ao consumo animal nas propriedades, 10,1% foi empregado na alimentação humana na propriedade e 25,0% foi deixado em estoque no estabelecimento. Do total comercializado, 49,6% foram vendidos ou entregues à cooperativa, 25,5% foram comercializados diretamente com a indústria, 17,5% foram negociados diretamente com intermediários e 4,5% foram entregues a empresas integradoras14.


11 Volumes baixos com dificuldade de armazenagem separada pelo perfil da estrutura de armazenagem de silos de grande capacidade.
12 Valores calculados pelos autores com base em dados de FAGUNDES (2003); HUBNER (2008) e IBGE (2013).
13 Valores calculados pelos autores com base em dados Censo Agropecuário de 2006 (IBGE, 2013).
14 Área com irrigação foi registrada no Paraná (em 53,2% da área), em São Paulo (em 30,4%) e em Minas Gerais (em 16,4%).
15 Parte da área de cultivo (4,9%) ocorreu sob forma associada ou intercalar a outra cultura.
16 Em 4,0% da área colhida não houve adubação; em 4,1%, foi aplicada adubação química e orgânica; e em 1,6%, foi utilizada adubação orgânica. Santa Catarina registrou o maior percentual de área sem uso de adubação: 12,6%.

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