Março, 2014 |
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Passo Fundo, RS
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Origem e usos da canola
A história sugere que a colza já era cultivada na Índia em 2.000 a.C e que foi introduzida na China e no Japão no início da era cristã (CANOLA COUNCIL OF CANADA, 2013a). Segundo Dias (1992), existem relatos da introdução do grão no Japão, por meio da China ou Península Coreana, há cerca de dois mil anos. O autor cita que a cultura era usada como hortaliça, no século 6, e seu óleo era usado pelas civilizações orientais e do mediterrâneo em lamparinas (para iluminação) e na fabricação de sabões no século 14.
As plantas de colza/canola tem a capacidade de crescer em temperaturas relativamente baixas, com necessidade menor que a demandada por outras oleaginosas. Este padrão crescimento permitiu seu cultivo em regiões de temperatura extrema e expandiu seu cultivo na Europa já no século 13. No século 17, desenvolveu-se no Japão o costume de comidas fritas com óleo de colza e o óleo adquiriu status de produto comestível. Com o surgimento da máquina a vapor, o óleo assumiu maior expressão como lubrificante já que apresentava melhor adesão às superfícies metálicas expostas ao vapor e a água que os demais óleos (DIAS, 1992).
A Segunda Guerra Mundial aumentou a demanda de lubrificante para máquinas a vapor dos navios de guerra e mercantes. O bloqueio das fontes de lubrificantes europeias e asiáticas, no início dos anos 1940, estimulou o cultivo de colza no Canadá. De acordo com Canola Council of Canadá (2013a), os primeiros registros de cultivo no país ocorreram em 1936, com sementes provenientes da Polônia (Brassica rapa L.), mas o cultivo da oleaginosa se estruturou e intensificou a partir de 1942, com sementes de origem argentina (Brassica napus L.). Com a conversão para motores a diesel, houve forte redução de demanda de lubrificantes elaborados com óleos vegetais e o cultivo da canola sofreu forte desestímulo.
Na América do Sul, embora se observem registros de cultivo de colza antes da década de 1940, a expansão do cultivo da oleaginosa no continente ocorreu impulsionado pelo aumento da demanda de lubrificantes de óleos vegetais ocorrida na Segunda Guerra. Iriarte e Valetti (2002) relatam cultivo de colza na Argentina desde a década de 1930, com incremento de cultivos comerciais a partir de 1940 a 1960. No Chile, a colza foi introduzida em 1953 e, em 1957, era cultivada em escala comercial (DIAS, 1992). No Brasil, os primeiros registros de cultivo da colza são do ano de 1974 (MARTIN; NOGUEIRA JUNIOR, 1993).
Para Carlsson et al. (2007), a colza é um bom exemplo de como as demandas de mercado influenciam a criação de novas variedades. Diferentes variedades de colza3 foram desenvolvidas para diferentes usos finais. Por exemplo, cultivares com elevado teor de ácido graxo erúcico de cadeia muito longa4, as chamadas HEAR (do inglês, high-erucic acid rapeseed, ou seja, colza de alto ácido erúcico), foram desenvolvidas para atender a indústria de óleos industriais. O ácido erúcico é usado para a fabricação de agentes tensioativos, lubrificantes de alta temperatura, materiais plásticos, vernizes e detergentes5. Ou no sentido contrário, cultivares com baixos níveis de ácido erúcico e de glucosinolatos foram desenvolvidas destinadas ao consumo humano e animal, as quais passaram a denominadas de canola, sigla em inglês de canadian oil, low acid. Pesquisas permitiram identificar plantas com baixo teor de ácido erúcico no óleo e outras plantas com baixo teor de glucosinolatos no farelo, as quais cruzadas resultaram no lançamento da primeira cultivar de canola, “Tower”, em 1974 (CARLSSON et al., 2007). Na Alemanha, esforço similar e simultâneo culminou com o desenvolvimento de cultivares denominadas “doble zero”. Canola é um termo genérico internacional, não uma marca industrial registrada, como antes de 1986.
Considerando essas diferenças, no presente trabalho, optou-se por utilizar o termo “colza/canola”, ao referir-se ao âmbito internacional, já que, segundo Carlsson et al. (2007), há diferentes cultivares de Brassica napus, B. rapa L., B. oleracea, B. juncea, B. carinata em cultivo no mundo. Para a situação brasileira, se empregou a denominação “canola”, pois no Brasil se empregam unicamente híbridos de Brassica napus L. var. oleífera, que atendem o padrão de baixo teor de ácido erúcico para consumo humano e pela necessidade de evitar o cultivo de cultivares de colza (com maiores teores de ácido erúcico), em função do risco de contaminação do óleo comestível.
O óleo de colza/canola permite lubrificação superior e estabilidade oxidativa estendida podendo substituir óleo mineral, ésteres e ácidos graxos em diversas aplicações, tais como lubrificantes, lubrificantes com grau alimentício biodegradáveis (biodegradable food grade lubrificants6), fluidos hidráulicos, fluidos hidráulicos resistentes ao fogo, óleos penetrantes para combustível, sabão e vernizes.
O teor de óleo nos grãos de colza/canola varia de 40% a 48% (MORETTO; FETT, 1998; NOGUEIRA, 2000). O teor médio da produção brasileira tem sido em torno de 38% (TOMM, 2005). O óleo de canola apresenta qualidade superior quando comparado às demais oleaginosas (Figura 1) e é caracterizado por possuir um baixo teor de ácidos graxos saturados (7%); alto teor de ácidos graxos monoinsaturados (61%), que confere ao óleo propriedade que induz à redução das partículas do LDL7; e nível intermediário de ácidos graxos poli-insaturados com bom balanço entre os ácidos ômega-6 e ômega-3, elementos importantes em funções de desenvolvimento do sistema imunológico e ações protetoras a doenças coronarianas (MAcDONALD, 2000).
Resultados de pesquisas, conduzidas na década de 1970, mostraram que a ingestão nutricional de ácido erúcico poderia dar origem a lipidose do miocárdio e lesões cardíacas em ratos (CARLSSON et al., 2007). Tais resultados, aliados às preocupações de que o ácido erúcico também ocasionava problemas de saúde em humanos, foram forças motrizes para o desenvolvimento de cultivares de colza com baixos teores de ácido erúcico (as chamadas LEAR, do inglês low-erucic acid rapeseed). As primeiras cultivares com esse perfil foram lançadas em 1968 (Oro, B. napus – Nugget x Liho) e em 1971 (Zephyr, B. Napus – Oro x Target - e Span, B. rapa - Polish x Arlo) (CANOLA COUNCIL OF CANADA, 2013a). Como consequência do bloqueio metabólico na síntese de ácido erúcico, as cultivares de canola tiveram incremento nos níveis de ácido oleico, assim como dos de ácidos linoleico e linolênico (CARLSSON et al., 2007).
Os esforços continuados de melhoramento conduziram ao desenvolvimento de novas cultivares com o benefício adicional de baixos níveis de glucosinolatos. Elevados teores de glucosinolatos no farelo afetam o paladar da proteína, provocando rejeição por parte dos animais. Segundo Dias (1992), ingestão de alimentos com concentrações superiores a 15 µmol/g de glucosinolato causa redução no ganho de peso de animais e afeta negativamente sua reprodução de ratos. A Universidade de Manitoba desenvolveu a primeira cultivar com baixos teores de ácido erúcico e de glucosinolatos, denominada “Tower”, lançada em 1974 (CANOLA COUNCIL OF CANADA, 2013a).
Para distinguir essas cultivares com baixos teores de ácido erúcico e de glucosinolatos (double-low), em 1978, a Western Canadian Oilseed Crusher Association registrou essas cultivares com o nome de “canola”, sigla em inglês de canadian oil, low acid (USDA, 2013a), como já comentado anteriormente. A definição de canola pela legislação canadense é “óleo que deve conter menos de 2% de ácido erúcico e menos de 30 micromoles de glucosinolatos por grama de farinha livre de óleo, seca ao ar livre” (CANOLA COUNCIL OF CANADA, 2013a).
O farelo de colza/canola, fração sólida resultante do processo de extração de óleo, apresenta de 36 a 39% de proteína (CANOLA COUNCIL OF CANADA, 2013a), um nível intermediário quando comparado com o farelo de girassol, que contém 30,2%, e o de soja, que contém entre 45% a 48%8. Quando a extração é realizada apenas por prensagem a frio, geralmente permanece em torno de 12% de óleo na fração sólida e neste caso, a fração sólida resultante é denominada torta. Tal distinção é feita para diferenciar do produto proveniente do processo mais empregado, a extração mista, no qual aproximadamente a metade do conteúdo de óleo dos grãos consegue ser extraída mecanicamente (óleo virgem) sendo complementada pela extração com solvente hexano e resultando o farelo.
O farelo de canola é uma fonte de proteína econômica para animais que não tenham altos níveis de requerimentos de energia e lisina. De acordo com Bertol e Mazzuco (1998), a inclusão de 20% de farelo de canola, em dieta de frangos de corte para as fases distintas da criação (inicial, crescimento e final) é plenamente recomendado. Cabe salientar sobre o risco de mistura de grãos e de cruzamento entre cultivares de canola e de colza quando cultivadas na mesma região e suas implicações para o uso na alimentação animal. Na Europa, onde grande parte da produção se destina à produção de biodiesel, para diminuir o risco da presença de níveis elevados de ácido erúcico no óleo e de glucosinolatos no farelo destinados à alimentação optou-se por evitar o cultivo de cultivares de colza.
Entre as culturas usadas como adubação verde, a colza/canola apresenta o maior teor de nutrientes/ha, ou seja, 100 kg de N; 110 kg de P; 40 kg de K; 120 kg de Ca e 12 kg de Mg, na biomassa verde (SOLO, 1986, citado por MARTIN; NOGUEIRA JUNIOR, 1993). Segundo Pavinato et al. (1994), o uso da planta como adubo verde de inverno possibilitou a mobilização de 31 kg.ha-1 de N, 14 kg.ha-1 de P205 e 76 kg.ha-1 de K2O, para o milho cultivado em sucessão. O uso de subproduto, da extração do óleo, como farelo de colza, na fertilização também é possível. Segundo Dias (1992), o farelo de colza era usado como adubo nitrogenado na cultura do fumo no Japão.
O óleo de colza/canola constitui principal matéria-prima na produção de biodiesel na União Europeia compondo dois terços do total produzido (FLACH et al., 2011). No período de 2008 a 2010, a canola representou 67% da matéria-prima utilizada na produção de biodiesel na União Europeia9. O biodiesel de colza/canola somente torna-se gel10 em uma temperatura atmosférica mais baixa do que o biodiesel produzido a partir de outras matérias-primas, tornando o biodiesel de colza/canola, a opção mais adequada para regiões mais frias. Adicionalmente, os padrões estabelecidos pela normativa europeia (DIN EN 14214) para o biodiesel, em relação ao índice de iodo e a estabilidade, favorecem o uso do óleo de canola e limitam o uso dos óleos de soja e de palma11.
No Brasil, todo o óleo de canola é destinado ao consumo humano. O consumo per capita de óleo de canola no Brasil, no período 2008-2009, estimado pelo IBGE (2012), foi de 0,064 kg/habitante/ano, valor bastante inferior ao consumo estimado de óleo de soja de 6,34 kg/habitante/ano, e representava 0,90% do consumo per capital total de óleos (7,1 kg/habitante/ano). Considerando o dado de consumo per capita acima mencionado, em 2012, estima-se um consumo aparente de 13,5 milhões de litros de óleo de canola no Brasil. No entanto, se considerada a produção e a importação de (canola-grão e óleo), o consumo aparente de óleo de canola no Brasil pode ser superior a 42,0 milhões de litros de óleo.
Além da produção de grãos, é possível a obtenção de produção de mel a partir da instalação de colmeias em lavoura de canola em floração. Segundo Buntin et al. (2013), o potencial de rendimento de mel pode variar de 90 a 450 libras por acre (o que representaria de 102 a 510 kg/ha12), na Europa, e de 35 kg/colmeia a 70 kg/colmeia, na Geórgia, EUA. No Brasil, a produção de mel obtida em lavouras de canola tem sido em torno de 40 kg por hectare (Figura 2). Vale ressaltar que a produção de mel requer a gestão de aplicação de inseticidas para evitar danos às abelhas13 quando a cultura está em floração. O mel de canola tem coloração creme/amarelo opaco, textura firme cremosa e sabor leve com um muito ligeiro sabor picante. De acordo com Rosybee (2011), em decorrência da rápida cristalização em temperaturas amenas, relatos de dificuldade na sua extração e menor tempo de vida de prateleira têm sido registrados na Europa.
Apesar da obtenção de bom rendimento de grãos no cultivo da canola na ausência de introdução programada de polinizadores, o impacto do uso de colmeias na lavoura sobre o rendimento de grãos do cultivo e a agregação de uma fonte de renda adicional não deve ser ignorado. Em experimento realizado no Canadá, Sabbahi et al. (2005) mostraram uma melhoria do rendimento de grãos de 46 % na presença de três colmeias de abelhas por hectare, em comparação a lavouras com a ausência de colmeias14. Manning e Boland (2000), em estudo conduzido na Austrália, observaram que o número de síliquas/planta diminuiu com o aumento da distância entre apiários15. No Brasil, Mussury e Fernandes (2000) demonstraram um aumento de 31,9% de grãos/ planta em condições de polinização naturais quando comparado às condições de autogamia. Segundo Gavloski (2012), o efeito sobre o rendimento de grãos depende da densidade de polinizadores no campo, das condições atmosféricas durante o período de floração e da variedade de canola. A polinização não só melhora o rendimento de grãos da cultura, mas também contribui para uniformidade e precocidade da formação de síliquas (ABROL, 2007).
3Citadas por Carlsson
et al. (2007): “canola (double-low)”, “low linolenic canola”,
“’high-oleic canola”, “laurate canola”,” high myristable/ palmitate”’ e “very
high eurucic acid rapeseed”.
4Very long chain fatty
acid – VLCFA - erucic
fatty acid (22:1).
5Em 1992, foi lançada a cultivar “Mercury”, com 54% de
ácido erúcico, e, mais tarde, as cultivares “Castor” e “Millenium”, com níveis
de até 55% (SCARTH et al., 1995b e MCVETTY et al., 1998 citados por CARLSSON,
2007). Tais cultivares possibilitaram em redução de custos de processamento
industrial.
6Referem-se
a potenciais aditivos alimentares indiretos por contato incidental em decorrência
de vazamentos, excesso de lubrificação, aplicação erroneas durante a
manutenção, etc.
7Lipoproteína de baixa
densidade, do inglês, low density
lipoprotein, chamado colesterol ruim.
8Valores de teor de
proteína bruta, segundo Rostagno (2011).
9Calculo efetuado
pelos autores com base em dados primários de FLACH et al.(2011).
10Em condições de baixa
temperatura atmosférica, o biodiesel tende a solidificar-se parcialmente ou
perder sua fluidez, o que ocasiona problemas na partida do motor, em função da
interrupção do fluxo do combustível e entupimento do sistema de filtração.
11A restrição para o
óleo de soja é decorrente do nível estabelecido para o índice de iodo (pela
normativa, limitado em 120, quando o biodiesel de soja alcança 133) e, no caso
do óleo de palma, a restrição está relacionada à estabilidade do biodiesel a
baixas temperaturas (FLACH et al., 2011).
12Valor calculado pelos
autores com base na referencia citada pelos autores Buntin et al. (2013).
13Em caso da aplicação
ser inevitável, recomenda-se que seja feito o uso de produtos com menores danos
às abelhas e em horários de menor transito das abelhas, como no final do dia ou
no início da manhã.
14O rendimento de grãos
passou de 338 g/m2, em condição de autopolinização para 497 g/m2 com presença de três colmeias de abelhas por hectare (quantidade de
insetos por área considerada alta).
15A análise de regressão feita pelo estudo
estimou perda de 15,3 síliquas/planta com distância de 1.000 m entre apiários,
o que equivaleu à perda de 16%.
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