Embrapa Trigo
 
Dezembro, 2012
141
Passo Fundo, RS
2. Conceitos e fundamentos inerentes ao manejo conservacionista do solo

2.1. Por que conceituar fundamentos em manejo conservacionista do solo

A importância de se estabelecer conceitos quando se aborda um determinado tema ou estudo, com ênfase para aquele voltado ao ensino e à capacitação, é das mais destacadas, pois conceito diz respeito à primeira operação mental. Conceituar algo constitui o primeiro passo indispensável para entendê-lo.

Os mestres, os livros e muitos outros materiais didáticos se mostram eficientes, e, por conseguinte, claros e inteligíveis, se conceituarem suficientemente o objeto alvo. Conceitos nada mais são do que a reunião dos elementos constitutivos do juízo e, finalmente, do raciocínio. Conceitos fazem parte do dia-a-dia, tanto da vida pessoal, quanto da vida profissional. Portanto, antes da abordagem de cunho aplicativo ou prático e de julgamento do objeto alvo, é primordial e prudente atribuir-lhe valor e significado.

O entendimento do significado de palavras e de termos desconhecidos, principalmente de natureza técnica, aplicados a algo sem a devida relação etimológica, indiscutivelmente requer minuciosa e detalhada conceituação.

Nas ciências, a terminologia técnica universal, normalmente é formada por palavras etimologicamente associadas ao fato que representam.

Exemplos de palavras ou termos técnicos que guardam significado etimológico

·        etimologia (étimo + logo + ia): corresponde ao estudo da origem e da formação das palavras;

·        cardiologia (cárdio + logo + ia): corresponde ao estudo do coração;

·        cardiologista (cárdio + logo + ista): corresponde ao profissional especializado nos tratos relativos ao coração;

·        quimioterapia (quimio + therapeía): corresponde à terapia ou ao tratamento de certas doenças por meio de compostos químicos;

·        fitopatologia (fito + pato + logo + ia): corresponde ao estudo das doenças das plantas;

·        mineralogia (mineral + logo + ia): corresponde ao estudo dos minerais;

·        pedologia (pedo + logo + ia): corresponde ao estudo do solo;

·        pedólogo (pedo + logo): corresponde ao profissional especializado em solo; etc.

Na ciência do solo, entretanto, há inúmeros casos em que se emprega um vocábulo ou uma expressão a fatos sem a correspondente relação entre o significado da palavra ou das palavras que o compõe e a respectiva expressão do fato.

Exemplos de expressões ou vocábulos técnicos que não guardam significado etimológico

·        Capacidade de campo do solo: o que um estudante, em seu primeiro contato com a ciência do solo, entenderia por “capacidade de campo do solo”, na ausência do conceito que atribui a essa expressão significado diverso daquele determinado pela etimologia das palavras que a compõe? Capacidade de campo do solo corresponde ao potencial de água no solo ideal para o desenvolvimento das plantas.

·        Preparo convencional do solo: o que um leigo entenderia por “preparo convencional do solo”, sem a manifestação de seu conceito, que empresta a esta expressão sentido diferente daquele expresso pelo significado das palavras que o descreve? Preparo convencional do solo corresponde ao preparo do solo efetuado por uma aração seguida por uma ou mais gradagens.

·        Perfil e horizonte de solo: como um novato em ciência do solo interpretaria a afirmativa de que “o perfil de solo possui horizontes”, se na percepção do significado das palavras é o horizonte que possui perfil?

·        Plantio Direto ou Semeadura Direta: No caso do presente estudo, o que é possível inferir às expressões “plantio direto” e “semeadura direta” e, inclusive, às expressões “plantio direto na palha”, “sistema plantio direto” e “sistema plantio direto na palha”, sem o estabelecimento e a exposição de conceito ou atribuição de significado a cada uma destas expressões? As expressões “plantio direto” ou “semeadura direta” se originaram de uma inadequada tradução, do inglês para o português, das expressões no tillage, no-till e zero tillage. A correta tradução dessas expressões para a língua portuguesa seria “sem amanho”, visto que, a palavra tillage, em inglês, significa “amanho” em português, ou seja, preparo do solo para a semeadura.

Esses casos são exemplos típicos de terminologia em que o significado técnico da expressão ou do vocábulo só é compreensível quando acompanhado de conceito que empresta valor às palavras que o compõe.

A assimilação de conceitos propicia a geração de novas ideias, subsidia e facilita a projeção e a comunicação de estruturas mais complexas, colabora para a avaliação e a interpretação de diagnósticos abrangentes e auxilia o processo de aprendizagem, integrando conhecimentos novos e antigos. Conceituar é valorizar e considerar o conhecimento prévio ou consolidado como base, e mecanismo para a evolução do aprendizado e de sua aplicação. O aprendizado significativo ou fundamentado necessariamente envolve a assimilação de conceitos. Entender, interpretar e julgar conceitos é dotar o aprendiz de poder para inovar as “receitas” ou os processos dos quais o objeto alvo é constituído.

2.2. Ecossistema e agroecossistema

Ecossistema designa o conjunto formado por todos os fatores bióticos (animais, vegetais e microrganismos) e abióticos (ar, água, luz, calor, solo, minerais etc.) que atuam simultaneamente em um determinado meio. Ecossistema é entendido como comunidade de organismos que interagem entre si e com o meio ao qual pertencem, organizados em produtores, decompositores e compositores. Ecossistema pode ser interpretado como o conjunto de relações mútuas entre fauna (animais), flora (vegetais) e microrganismos em interação com fatores geológicos, atmosféricos e meteorológicos.

Do ponto de vista da termodinâmica, ecossistema é um sistema aberto, com fluxos de entrada e saída de energia e matéria, constituindo ciclos naturais em equilíbrio dinâmico e em permanente relacionamento com os sistemas do entorno.

Equilíbrio dinâmico, no rigor científico, não é equilíbrio pleno. Pode-se afirmar que é apenas um estado de estabilidade da matéria e não da energia, pois a energia dissipada para a estabilização da matéria é perdida e não mais recuperada. De outro modo, equilíbrio dinâmico, em sistemas termodinamicamente abertos, é a estabilidade atingida pela matéria quando as trocas de matéria e energia se mantêm constantes ao fim de um determinado período ou ciclo. No equilíbrio dinâmico a taxa de ganhos de matéria é igual à taxa de perdas de matéria, e as reações se caracterizam pela reversibilidade. Para toda reação, que em um determinado sentido causa desequilíbrio, há outra reação em sentido contrário que resgata o equilíbrio. No momento em que qualquer reação deixar de ser reversível, o equilíbrio dinâmico se desfaz.

Interferência humana em um determinado ecossistema, com a finalidade de explorá-lo mediante a implantação de sistemas agrícolas produtivos, resulta na alteração da dinâmica dos fluxos de matéria e de energia, na desarticulação da sincronia dos ciclos naturais e no rompimento do equilíbrio dinâmico existente, transformando-o em agroecossistema. Agroecossistema, portanto, pode ser conceituado de modo similar a ecossistema, sendo entendido como o conjunto de relações mútuas entre fauna (animais), flora (vegetais) e microrganismos em interação com fatores geológicos, atmosféricos e meteorológicos, porém acrescido do fator antrópico.

O fator antrópico, presente ativamente no agroecossistema, indistintamente é o promotor da quebra de sincronia dos ciclos naturais e da interrupção do equilíbrio dinâmico anteriormente perceptíveis no ecossistema. Os agroecossistemas, convencionalmente representados por áreas agricultadas ou pelo sistema agrícola produtivo, são ecossistemas transformados por interferência humana, em permanente e estreita relação com os sistemas das interfaces. Portanto, o prefixo “agro” do termo “agroecossistema” representa interferência antrópica ou manifesta a existência de relacionamento entre o homem e os elementos da biosfera ou recursos naturais no âmbito das áreas agricultadas.

Exemplos de equilíbrio dinâmico

A osmose, um fenômeno físico correspondente à passagem de fluídos através de uma membrana semipermeável, é um exemplo clássico de equilíbrio dinâmico. No processo osmótico, o fluído se desloca para um ou para outro lado da membrana semipermeável, buscando, permanentemente equilibrar a concentração hídrica em ambos os lados. Nesse processo se estabelece um balanço entre forças opostas em contínua alteração e reposição. Contudo, a energia dispensada para a busca permanente desse equilíbrio é perdida e não mais recuperada.

Em uma floresta natural, em seu estado de clímax, as taxas de absorção e de liberação de nutrientes pelos seres vivos nela presentes se equivalem, de modo que ao fim de um determinado tempo, não há qualquer alteração mensurável na concentração de nutrientes no sistema. É fácil imaginar que nessa floresta, a todo instante há algum nutriente sendo absorvido por algum ser vivo, e, em contra partida, há algum material orgânico em decomposição, repondo este nutriente no sistema. Essas ações de sentidos contrários promovem, simultaneamente, desequilíbrio e reequilíbrio. Do ponto de vista holístico, pode-se afirmar que “equilíbrio dinâmico” é “desequilíbrio ciclicamente em harmonia ou em sincronia”.

É conhecido que grande porção dos solos sob a floresta amazônica é altamente intemperizado e de baixíssima fertilidade química. A essa constatação pergunta-se: Como é possível um solo tão pobre manter uma floresta tão exuberante? A resposta a esse questionamento reside no conceito de equilíbrio dinâmico em que a exuberância da floresta amazônica não se deve à fertilidade química do solo, mas à fertilidade do sistema no qual ela está inserida. O teor de nutrientes no solo, que é um dos indicadores de fertilidade química, apontam que esta porção de solo é de baixíssima fertilidade, porém os nutrientes não se encontram exclusivamente no solo analisado. Os nutrientes se fazem presentes no solo, mas também na massa vegetativa da floresta, em uma permanente ciclagem ou reciclagem, sem perda de matéria, isto é, em equilíbrio dinâmico. Essa percepção é evidenciada quando ocorre o desmatamento, com substituição da floresta por outra vegetação de menor massa vegetativa, como, por exemplo, uma pastagem. A pastagem, sem a devida compensação das retiradas processadas pelos animais, altera a sincronia da ciclagem ou reciclagem anteriormente existente e, consequentemente quebra o equilíbrio dinâmico do sistema, levando-o à degradação.

As interferências promovidas pelo homem na transformação de ecossistemas em agroecossistema são classificadas em:

Dependendo da intensidade e do modo como essas interferências são processadas, elas poderão resultar na conservação ou na degradação do agroecossistema e inclusive nos sistemas do entorno.

Dentre a variedade e intensidade de interferências passíveis de serem realizadas pelo homem na transformação de ecossistemas em agroecossistemas, mediante a implementação de sistemas agrícolas produtivos, se destacam quatro, quais sejam:

Esses quatro tipos de interferência são considerados os desencadeadores primordiais da série de alterações que ocorrem no equilíbrio dinâmico do ecossistema ao ser transformado em agroecossistema. Todas essas intervenções atuam diretamente sobre a biologia do solo, modificando, em maior ou menor grau, sua atividade.

O efeito decorrente em maior evidência é a alteração da taxa de decomposição do material orgânico adicionado ao solo e da própria matéria orgânica presente no solo. A alteração da atividade biológica do solo interfere no ciclo do carbono o qual modifica a quantidade e a qualidade da matéria orgânica resultante no solo. Como consequência, a estrutura do solo e, por extensão, a relação partícula/poro do solo são transformadas, com efeitos diretos sobre as seguintes propriedades do solo:

Do exposto, denota-se que as intervenções de origem antrópica, ao transformar ecossistema e agroecossistema, são avaliadas como processos de conservação ou de degradação do ciclo hidrológico e, fundamentalmente da fertilidade do solo, ou seja, da fertilidade biológica, física e química do solo.

2.3. Sistema agrícola produtivo e modelo de produção

Com o intuito de destacar a relevância do papel reservado à biodiversidade na produção de carbono orgânico e, consequentemente na atividade biológica do solo, estruturação do solo e manutenção e/ou construção da fertilidade do solo, no contexto de uma agricultura tendente à sustentabilidade, é imprescindível conceituar sistema agrícola produtivo e diferenciá-lo de modelo de produção.

Sistema agrícola produtivo é entendido como a interação entre os fatores clima, planta e solo, em que o fator clima participa com o potencial energético, o fator planta com o potencial genético e o fator solo com o potencial fertilidade (Figura 1). Assim, a produtividade agrícola, isto é, a quantidade de produto gerado por unidade de área, é o resultado da interação entre os fatores que compõem o sistema agrícola produtivo, de modo que não tem sentido referir-se, isoladamente, à produtividade do clima, à produtividade da planta ou à produtividade do solo, visto que não há geração de produto na ausência de qualquer um desses fatores ou sem a interação entre eles.

A interação desses fatores determina que a produtividade do sistema agrícola não pode ser maior do que aquela potencializada pelo fator mais limitante, sendo essa condição denominada de “lei dos fatores limitantes”. Exemplificando: nenhuma interferência no fator clima ou no fator planta, com vistas a aumentar a produtividade do sistema agrícola produtivo surtirá efeito se o fator solo encontrar-se no limite de sua potencialidade. Desse modo, é possível inferir que o manejo de um sistema agrícola produtivo nada mais é do que a exploração das potencialidades dos fatores de produção que o compõem.

Modelo de produção, por sua vez, compreende o arranjo espaço-temporal das espécies vegetais e/ou animais que compõem os sistemas agrícolas produtivos.

Na Figura 2, percebe-se que o modelo de produção de um sistema agrícola produtivo é que determina a quantidade e a qualidade do material orgânico aportado ao solo, bem como a frequência com que esse aporte ocorre. O modelo de produção interfere na taxa de decomposição do material orgânico aportado ao solo e, consequentemente, na quantidade e qualidade da matéria orgânica do solo gerada no sistema agrícola produtivo. Portanto, são as espécies, vegetais e animais, componentes dos modelos de produção, que determinam a intensidade da atividade biológica do solo. A atividade biológica é que define a qualidade da estrutura do solo. E é a estrutura do solo que rege o nível de fertilidade do solo. De outro modo, o modelo de produção interfere nas propriedades do solo que conferem fertilidade ao solo, a qual é expressa, não apenas pela disponibilidade de nutrientes e reação do solo, mas pela interação das seguintes propriedades:

Do exposto na Figura 2, percebe-se que a manutenção e/ou a construção da fertilidade do solo é condicionada pela quantidade, qualidade e frequência do material orgânico produzido e aportado ao solo pelas plantas que compõem o modelo de produção adotado no sistema agrícola produtivo. A estrutura do solo emerge da atividade biológica ao decompor o material orgânico aportado ao solo pelas espécies cultivadas.

Para as regiões subtropical e tropical do Brasil, são requeridos cerca de 8.000 a 12.000 kg/ha de matéria seca por ano agrícola para atender a demanda da atividade biológica do solo na manutenção e/ou construção de solo biológica, física e quimicamente fértil. A fertilidade de solos manejados sob “sistema plantio direto” sem interrupções ao longo do tempo, indubitavelmente está alicerçada nessas relações mútuas entre material orgânico e microrganismos, explícitas no âmbito do sistema agrícola produtivo, que invariavelmente imitam os ciclos naturais percebidos nos ecossistemas. São esses processos articulados e complementares que justificam a diversificação de espécies, vegetais e animais, estruturadas em modelos de produção agrícolas, pastoris, silvícolas, agropastoris, agrossilvícolas, agrossilvipastoris e silvipastoris, em rotação, sucessão e/ou consorciação de culturas, a chave-mestre para o sucesso do “sistema plantio direto”.

Demonstração de como a estrutura do solo atua como fator de fertilidade do solo

Exemplo 1:

1. Colocar um tijolo, ou seja, um bloco de barro moldado e cozido, em estufa a 105 ºC, por 24 horas. Observação: nesse procedimento, o tijolo perderá a água nele retida.

2. Preparar uma solução nutritiva para plantas, devidamente balanceada em termos de pH e de macro e micronutrientes.

3. Emergir o tijolo seco em estufa na solução nutritiva. Observação: nesse procedimento o tijolo será embebido pela solução nutritiva.

4. Recolocar o tijolo na estufa a 105 ºC, por 24 horas. Observação: nesse procedimento o tijolo perderá a água nele retida, mas os macro e micronutrientes que se encontravam na solução nutritiva permanecerão adsorvidos ao tijolo.

5. Triturar o tijolo e peneirar o material triturado em malha de 2 mm.

6. Submeter uma amostra do material triturado à análise de fertilidade química do solo.

7. Interpretar o resultado da análise de fertilidade química do solo realizada.

A análise de fertilidade química demonstrará que a amostra representa um solo fértil, pois os valores dos atributos avaliados encontram-se na faixa de suficiência. Contudo, a amostra analisada representa apenas um tijolo triturado que fora embebido em uma solução nutritiva. Embora o tijolo contenha atributos químicos na faixa de suficiência, e o laudo da análise indique que se trata de um solo fértil, é evidente que as plantas não encontrariam, no tijolo, propriedades físicas adequadas para se desenvolverem. A experiência, portanto, demonstra que a fertilidade de um solo não se resume aos aspectos de natureza química. As propriedades físicas do solo também são fatores integrantes da fertilidade do solo.

Exemplo 2:

1. Tomar, entre as mãos, uma porção de solo úmido, com cerca de 0,5 kg, representativa da camada de 0 a 20 cm de profundidade de uma área agricultada.

2. Coletar uma pequena amostra dessa porção de solo, medir o pH em água e anotar o valor obtido.

3. A seguir apertar ou pressionar a porção de solo úmido entre as mãos, ao nível máximo possível. Esse procedimento compactará o solo, ou seja, alterará drasticamente a estrutura da porção de solo.

4. Colocar a porção de solo compactada em um saco plástico, fechar o saco hermeticamente para evitar perda de água, e reservá-la, por 48 horas, em temperatura ambiente.

5. Após esse período, abrir o saco plástico, de imediato coletar uma pequena amostra dessa porção de solo, medir o pH em água e anotar o valor obtido.

6. Interpretar os valores de pH obtidos.

O valor de pH obtido na segunda leitura é igual, inferior ou superior ao da primeira leitura? O valor de pH na segunda leitura é inferior ao da primeira leitura. A causa reside no fato de que a compactação da porção de solo alterou a estrutura do solo e as propriedades físicas do solo, aumentando a relação partícula/poro e reduzindo a permeabilidade do solo ao ar. Por essa razão, a troca gasosa do gás carbônico gerado pela respiração dos microrganismos no interior da porção de solo compactado pelo oxigênio presente na atmosfera diminuiu, concentrando gás carbônico no interior do solo. Como o gás carbônico apresenta caráter ácido, o solo, após a compactação, apresenta maior acidez, ou seja, menor valor de pH. Assim, a experiência demonstra que, com base na premissa de que a alteração do pH do solo modifica a disponibilidade de nutrientes no solo, a simples alteração da estrutura do solo, além de afetar as propriedades físicas do solo, também afeta o complexo químico do solo.

2.4. Conservacionismo

Conservacionismo é a gestão da utilização dos elementos da biosfera ou dos recursos naturais, de modo a produzir benefícios à população humana, mantendo suas potencialidades necessárias às gerações futuras. O conservacionismo compreende ações de preservação, manutenção e restauração ou recuperação dos elementos da biosfera ou dos recursos naturais, sob as seguintes conceituações:

2.5. Solo

O solo, sob enfoque elementar, é conceituado como um corpo componente da paisagem natural, representado por um elemento volumétrico e constituído por uma matriz de sólidos que abriga líquidos, gases e organismos vivos, compondo um complexo sistema biológico-físico-químico dotado de características e de propriedades resultantes dos efeitos do clima, do relevo, do tempo e da atividade biológica atuantes sobre o material de origem - processos pedogenéticos -, bem como da ação antrópica.

Solo, sob o enfoque funcional, constitui o meio natural onde se desenvolvem as plantas, atuando como elemento de suporte e de disponibilização de água e nutrientes. Entretanto, sob o enfoque funcional e do ponto de vista de sistema agrícola produtivo, o solo é um fator componente e determinante da produtividade desse sistema, em razão de limitações de sua fertilidade.

Sob essas abordagens, solo é recurso natural renovável, patrimônio da coletividade, essencial à vida e à soberania da nação, independente de sua utilização e posse. Contudo, na escala de tempo do ser humano, o solo deve ser tratado como recurso natural não renovável, tendo em vista que taxas de erosão induzidas pela atividade antrópica podem superar em muito as taxas de erosão natural, de renovação e de reposição de solo.

A utilização do solo, portanto interfere nos demais recursos naturais ou elementos da biosfera, na produção agrícola, na segurança alimentar, na saúde humana, na emergência de ambiência, enfim, no desenvolvimento econômico, social e ambiental de uma nação.

2.6. Conservação do solo

Conservação do solo é a ciência que estuda, desenvolve e apregoa ações de preservação, manutenção e restauração ou recuperação das propriedades biológicas, físicas e químicas do solo, mediante o estabelecimento de critérios para sua ocupação e utilização, sem comprometer suas potencialidades originais ou primitivas.

2.7. Agricultura conservacionista

Agricultura conservacionista é a arte de cultivar a terra, em conformidade com o conceito de conservacionismo e os fundamentos da ciência da conservação do solo. Agricultura conservacionista é entendida como a agricultura conduzida sob a proteção de um complexo de tecnologias de caráter sistêmico, objetivando preservar, manter e restaurar ou recuperar os elementos da biosfera ou recursos naturais, mediante o manejo integrado do solo, da água e da biodiversidade, devidamente compatibilizados com o uso de insumos externos. Agricultura conservacionista compreende um conjunto de práticas agrícolas ou de preceitos que minimiza alterações na estrutura, composição e biodiversidade do solo.

Apesar da elevada variabilidade da composição e dos regimes de gestão dos agroecossistemas, todas as formas de se praticar agricultura conservacionista compartilham de três preceitos fundamentais:

Em determinadas condições de solo, clima e espécies componentes de sistemas agrícolas produtivos, a agricultura conservacionista requer um conjunto mais amplo e mais rigoroso de práticas ou de preceitos conservacionistas, como:

Para as condições de clima subtropical e tropical, esse conjunto de preceitos, condicionado pelo conservacionismo, estudado, desenvolvido e apregoado pela conservação do solo e preconizado pela agricultura conservacionista é ainda mais amplo e rigoroso, compreendendo:

Esse conjunto de preceitos, preconizado pela agricultura conservacionista, constitui a base de sustentação da atividade agrícola, conservando o solo, a água, o ar e a biota dos agroecossistemas, prevenindo poluição, contaminação e degradação dos ecossistemas e demais sistemas do entorno, reduzindo o uso de combustíveis fósseis e amenizando a taxa de emissão de gases de efeito estufa. Portanto, a agricultura conservacionista é percebida como agricultura eficaz na utilização dos elementos da biosfera ou dos recursos naturais. Por essa razão, a agricultura conservacionista é contemplada como mecanismo de transformação, organização ou reorganização de agroecossistemas e de promoção de sustentabilidade agrícola, tendo por objetivo gerar competitividade para o agronegócio, atender às necessidades socioeconômicas, garantir segurança e qualidade alimentar e preservar o ambiente.

2.8. Plantio direto e sistema plantio direto

2.8.1. Plantio direto

O termo “plantio direto” ou “semeadura direta” expressa simplesmente o ato de depositar no solo sementes, plantas ou partes de plantas na ausência de mobilização de solo por aração ou escarificação e gradagem, e manutenção dos resíduos culturais na superfície do solo. Esse termo é fiel ao conceito dos termos zero-tillage, no-tillage, ou no-till (sem preparo de solo ou sem amanho do solo) oriundos da Inglaterra e dos EUA, de onde essa técnica foi introduzida em 1969, sob o enfoque de simples método alternativo de preparo reduzido de solo.

O termo “plantio direto na palha” contempla o mesmo conceito de “plantio direto”, ressaltando a necessidade de manutenção dos resíduos de planta da cultura antecessora na superfície do solo. Esse aspecto, entretanto, não assegura diversificação de espécies ou de modelos de produção, cobertura permanente de solo e nem aporte de material orgânico ao solo em quantidade, qualidade e frequência requeridas pela demanda biológica do solo. Portanto, “plantio direto”, “semeadura direta” e “plantio direto na palha” englobam apenas dois preceitos da agricultura conservacionista: redução ou supressão da mobilização intensa de solo e manutenção dos resíduos culturais na superfície do solo (Figura 3).

Para as condições de solo e clima das regiões subtropical e tropical do Brasil, esses preceitos são insuficientes para promoverem conservacionismo em agroecossistemas e, por consequência, em ecossistemas do entorno. Nessas regiões é necessário discernimento para eleger um conjunto de preceitos preconizados pela agricultura conservacionista mais abrangente e mais eficaz do que simplesmente o abandono da mobilização de solo e a manutenção de resíduos culturais na superfície do solo (Figura 3).

2.8.2. Sistema plantio direto

“Sistema plantio direto” é um termo genuinamente brasileiro. Surgiu, em meados dos anos 1980, em consequência da percepção de que a viabilidade do “plantio direto”, de modo contínuo e ininterrupto, nas regiões subtropical e tropical, requeria um conjunto de tecnologias ou de preceitos da agricultura conservacionista mais amplo do que simplesmente a redução ou supressão da mobilização do solo e a manutenção dos resíduos culturais na superfície do solo. O “plantio direto” necessitava ser entendido e praticado como “sistema de manejo” e não como simples prática ou método alternativo de preparo reduzido do solo.

Nesse contexto, o termo “sistema plantio direto” passou a ser consensualmente conceituado como um complexo de preceitos da agricultura conservacionista destinado à exploração de sistemas agrícolas produtivos, compreendendo mobilização de solo apenas na linha ou cova de semeadura ou de plantio, manutenção de resíduos culturais na superfície do solo e diversificação de espécies estruturada em modelos de produção agrícola ou agropastoril, via rotação, sucessão e/ou consorciação de culturas. No início dos anos 2000, esse conceito foi ampliado, passando a incorporar o preceito colher-semear, que representa a redução ou supressão do intervalo de tempo entre uma colheita e a semeadura subsequente.

O processo colher-semear constitui prática relevante na ampliação da biodiversidade, na diversificação de modelos de produção e, consequentemente no aumento do número de safras por ano agrícola, mantendo cobertura permanente de solo e aportando ao solo material orgânico em quantidade, qualidade e frequência compatíveis com a demanda biológica do solo. Esse preceito pode ser avaliado como primordial, tanto na manutenção, quanto na restauração ou recuperação da fertilidade do solo.

O termo “sistema plantio direto na palha” abriga o mesmo conceito de “sistema plantio direto”, apenas enfatizando a presença obrigatória de palha na superfície do solo, condição esta já implícita na palavra “sistema”. O termo “sistema plantio direto” engloba “plantio direto”, “semeadura direta”, “plantio direto na palha” e “sistema plantio direto na palha”. Assim, enquanto “plantio direto” atende a apenas dois preceitos da agricultura conservacionista (redução ou supressão da mobilização intensa de solo e manutenção dos resíduos culturais na superfície do solo), “sistema plantio direto”, em razão da palavra “sistema”, atende a, pelo menos, seis preceitos da agricultura conservacionista, quais sejam (Figura 3):

“Plantio direto” é, portanto, apenas um processo componente do “sistema plantio direto”, pois “sistema plantio direto” apregoa reduzir ou suprimir mobilizações intensas de solo, manter os resíduos culturais na superfície do solo, ampliar a biodiversidade mediante diversificação de espécies estruturadas em variados modelos de produção em rotação, sucessão e/ou consorciação de culturas, implementar o processo colher-semear, manter o solo permanentemente coberto e aportar ao solo material orgânico em quantidade, qualidade e frequência compatíveis com a demanda biológica do solo. Contudo, “sistema plantio direto”, contextualizado no âmbito da agricultura conservacionista, requer discernimento para a implementação de práticas mecânicas ou hidráulicas para controle da erosão hídrica, uso de insumos de forma precisa, controle de tráfego mecânico, animal e humano sobre o solo agrícola e, entre outras, adoção do manejo integrado de pragas.

O “sistema plantio direto” é, assim, uma estratégia de exploração de sistemas agrícolas produtivos que contempla o mais amplo complexo de processos tecnológicos preconizados pela agricultura conservacionista. Portanto, é relevante destacar que agricultura conservacionista não é sinônimo de “sistema plantio direto”, pois este contempla apenas parte dos preceitos da agricultura conservacionista.

Do exposto, é notório e evidente que esse abrangente complexo de benefícios atribuído ao “sistema plantio direto” não é passível de ser creditado ao “plantio direto”, dada a ampla diferença que apresentam em relação à amplitude de preceitos da agricultura conservacionista que contemplam.


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