Dezembro, 2009
118
Passo Fundo, RS
Elementos de avaliação de impacto ambiental do processo produtivo agrícola

O Sistema Plantio Direto (SPD) é um sistema de manejo do solo onde a palha da cultura anterior permanece na superfície do mesmo e este é revolvido apenas no sulco onde são depositadas as sementes e fertilizantes. Este processo de grande complexidade em relação ao cultivo com preparo convencional de solo foi rapidamente adotado pela grande maioria dos produtores de grãos da região sul do Brasil, por ser um sistema diferenciado de manejo do solo, que permite, sobretudo, diminuir o consumo de combustível e o impacto da agricultura sobre o ambiente. O desgaste das máquinas agrícolas também é menor devido a menor quantidade de poeira gerada nas operações (a abrasão aumenta o desgaste dos motores) devido a eliminação do uso de grades e arados que eram empregados no preparo de solo das lavouras. As plantas daninhas, neste sistema, são controladas por herbicidas pós-emergentes. Não existe nenhum preparo do solo além da mobilização no sulco de semeadura no momento da semeadura.

No Brasil, a adoção pelos agricultores e o crescente número de anos de manutenção do Sistema Plantio Direto-SPD nas suas propriedades têm permitido gradualmente a elevação do conteúdo de nutrientes e de matéria orgânica, especialmente nas camadas superficiais dos solos nas áreas sob esta tecnologia. A rotação de culturas incluindo espécies como a canola, uma crucífera, família distinta das gramíneas e das leguminosas, as quais predominam nos sistemas de produção, é fundamental para o sucesso do SPD. Isto é extremamente favorável na medida em que a cultura da canola se insere perfeitamente em um sistema de rotação de culturas, em sucessão à cultura de soja, cultivo de verão, e antecedendo a semeadura de milho. Estes benefícios são atribuídos ao fato da canola não ser hospedeira de muitas doenças que prejudicam a soja e o milho, e ao contrário, são suprimidas pela rotação. Assim, o cultivo de canola se constitui numa excelente opção para a diversificação da propriedade rural. Para a cultura do trigo, semeado no inverno seguinte, obteve-se rendimentos até 20% superiores, por haver menores danos causados por pragas e doenças, resultando em maior qualidade e menor custo de produção (TOMM, 2000). Esta alternância de espécies vegetais, numa mesma área agrícola, permite a melhora das características físicas, químicas e biológicas do solo, além do controle ou minimização da ocorrência de plantas daninhas, doenças e pragas na lavoura. Salienta-se que uma grande vantagem desta forma de inserção do cultivo da canola na propriedade rural está relacionada aos seus efeitos benéficos sobre a produção agropecuária ao longo dos anos agrícolas e sobre o ambiente como um todo, bem como a oportunidade de aumento da geração de renda ao empreendimento rural.

A canola, no Brasil, é cultivada exclusivamente sob o SPD, o que constitui vantagem competitiva, econômica e ambiental muito importante em relação aos grandes produtores mundiais da cultura, tais como China, Europa e Índia, os quais, na maioria das áreas, cultivam a canola em sistemas de manejo com revolvimento do solo. A vantagem econômica do SPD se dá no menor uso de combustíveis fósseis, como óleo diesel, devido ao menor trânsito de máquinas na lavoura em função do menor número de operações agrícolas e pela maior largura de operação de pulverizadores, em comparação com arados e grades empregados no preparo de solo; bem como pelo menor impacto ambiental através da menor exposição da lavoura à erosão, maior retenção de água no solo e menor perda de nutrientes (a longo prazo reduzindo a demanda de determinados fertilizantes).

Por pertencer à família Crucífera, a planta de canola possui um caule ereto com raiz pivotante, com grande número de raízes secundárias fasciculadas, que favorecem a descompactação natural das áreas em que é cultivada, por se aprofundar mesmo em solos compactados. A raiz pivotante da canola também favorece a cultura, por explorar uma área maior de solo agrícola, por atingir camadas mais profundas do solo, bem como a reciclagem de nutrientes que estão abaixo da profundidade explorada por outros cultivos agrícolas. Estas características tornam a canola muito mais eficiente no aproveitamento de nutrientes minerais e, sobretudo de água, do que outros cultivos de cereais, como o milho e o trigo.

A operação de semeadura da canola é totalmente mecanizada. É realizada com máquinas agrícolas (plantadeiras ou semeadoras) equipadas com discos de corte, para cortar a palhada que recobre o solo, vindo a seguir sulcadores do tipo facão que fazem a ação de abertura e deposição profunda de fertilizante, a mais de 10 cm de profundidade e a aproximadamente 3 cm ao lado da linha de semeadura, e rompem a camadas compactadas logo abaixo da superfície do solo. Isto favorece o aprofundamento da raiz pivotante da canola. O desenvolvimento dessas raízes da canola nos sulcos descompactados contribui para consolidação de macroporos que aumentam a aeração e infiltração de água e desenvolvimento de raízes dos cultivos subsequentes. O emprego destas práticas sob Sistema Plantio Direto na palha tornam o cultivo da canola fundamental para a manutenção deste sistema conservacionista (TOMM, 2006a). Desta forma, o rendimento de grãos de culturas posteriores ao cultivo de canola, tais como milho, soja e trigo, é muito beneficiada após a decomposição das raízes profundas da canola, auxiliando em momentos de estresse hídrico, os quais frequentemente afetam o rendimento de grãos das culturas de verão.

Há muitos anos existem no Canadá as variedades de canola resistentes a herbicidas, tais como as tolerantes à triazina (1984) e as tolerantes a imidazolinonas (1995), onde ambas foram obtidas a partir de mutação observada em variedades selecionadas. A partir de 1995 foram registradas as primeiras cultivares de canola obtidas exclusivamente por transgênia e resistentes ao herbicida glyphosate. Em 1999, surgiram as cultivares resistentes ao herbicida bromoxinil. Informações mais detalhadas estão disponíveis em Tomm (2006b).

O Brasil e outros países da América do Sul, como o Paraguai, não utilizam variedades transgênicas de canola embora a nível mundial, sobretudo no Canadá e nos Estados Unidos os agricultores utilizem variedades e híbridos de canola transgênica na maioria das lavouras. A tecnologia de canola transgênica para resistência a herbicidas não é, e não deverá ser empregada no Brasil, Argentina e Paraguai, principalmente pelo risco de cruzamento com várias espécies de crucíferas nativas ou plantas voluntárias de espécies cultivadas como o nabo forrageiro. Existe potencial risco de cruzamento com a canola, a qual apresenta taxa de fecundação cruzada superior a 20% (HALL et al., 2002).

O não emprego de cultivares transgênicas constitui uma vantagem competitiva indireta, pois parcela significativa dos consumidores de diversos países (especialmente na Europa) e também consumidor brasileiro, procura produtos não transgênicos, embora o custo de tais produtos possa ser mais elevado. Os produtos transgênicos, embora sem evidências científicas que comprovem, têm sido percebidos por determinados públicos como menos seguros.

Quanto aos aspectos fitossanitários, a cultura da canola tem apresentado menor dependência de defensivos, especialmente fungicidas, quando comparada com a cultura do trigo. Assim, muitas vezes é dispensável o uso de agroquímicos. Entretanto, existem poucos estudos e defensivos registrados para o uso em culturas com área de cultivo limitada, constituindo dificuldade para agricultores e técnicos. Salienta-se que o controle químico de doenças em canola, na parte aérea, não é apregoado por ocorrerem em baixo nível de intensidade e não apresentarem, até o momento, comprovado retorno econômico ao produtor.

A canola é uma planta autógama com taxa de alogamia superior a 20%, melífera, muito visitada por insetos polinizadores, cuja produção se beneficia da presença de insetos polinizadores, que aumentam o número de flores fecundadas e, consequentemente, contribuem para aumento da produção de grãos. De acordo com estudos5 realizados em Três de Maio-RS, em 2007, existe um potencial de aumento no rendimento de grãos de canola de até 15% quando da presença constante de insetos polinizadores, desde o inicio da floração da lavoura de canola.

A cultura da canola, por estar sendo cultivada em pequenas e médias áreas de cultivo, entre 10 e 100 hectares, representa uma boa opção de uso da terra, na medida em que o solo está sendo cultivado, evitando o pousio, como é comum de ocorrer na região sul do Brasil. A utilização da terra com cultivo constitui uma dinâmica agronômica muito mais interessante do que o pousio, pois se evita a proliferação de plantas daninhas e sua disseminação na área, bem como a erosão causada por chuvas intensas, extremamente comuns nos estados onde se cultiva a canola, a forte lixiviação de nutrientes que estão sendo liberados gradualmente pela matéria orgânica em decomposição, além de gerar emprego e renda ao agricultor.

Também é relatada a existência de alelopatia (liberação de compostos orgânicos pelas plantas que impedem ou inibem o crescimento de outras plantas) da palhada de canola sobre as plantas daninhas, motivo pelo qual se recomenda semear soja ou milho somente 20 dias após a colheita da canola (NEVES, 2005; TOMM, 2007b).

Portanto, a expansão do cultivo de canola permite a otimização do uso dos fatores de produção (terra, máquinas, recursos humanos, etc.) nos sistema de produção de grãos e melhorias no desempenho da produção de trigo ou outras culturas de inverno e não a sua substituição, mesmo porque o cultivo continuado de canola na mesma área também não é desejável.

É relevante salientar que a cultura da canola, mesmo que o seu cultivo seja implementado de forma muito intensa em safras próximas, não acarretará nenhuma necessidade de expansão da área agrícola no sul e centro-oeste do Brasil, justamente pela existência de áreas já agricultáveis e que permanecem ociosas nestas regiões durante parte do ano. Como exemplo, cita-se o Rio Grande do Sul onde a cultura da soja e milho juntos ocupam aproximadamente 5 milhões de hectares no verão e que no inverno é cultivado somente 1,8 milhão de hectares entre trigo e outros cereais de inverno. Esta área subaproveitada poderia ser utilizada para produzir culturas como a canola, seja para a produção de alimentos e/ou para a produção de bioenergia, sem a necessidade de abertura de novas áreas de exploração agrícola e seu consequente impacto ao meio-ambiente.


5 Comunicação pessoal da Mestranda Annelise de Souza Rosa - Laboratório de Entomologia da PUC-RS, para Gilberto Omar Tomm em 4/3/2008.

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