Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento
283
ISSN 1517-4964
Dezembro, 2010
Passo Fundo, RS

Imagem: Paulo Pereira
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Monitoramento e distribuição geográfica do ácaro-do-enrolamento-do-trigo Aceria tosichella Keifer (Prostigmata: Eriophyidae) no Brasil no período 2009 / 2010

Paulo Roberto Valle da Silva Pereira1, Douglas Lau1, Denise Navia2, Renata S. de Mendonça2e Vânia Bianchin1

Introdução

Aceria tosichella Keifer (Acaria: Eriophyidae), comumente conhecido como ácaro-do-enrolamento-do-trigo, foi descrito em folhas de trigo (Triticum aestivum L.) na localidade de Zemun-Beograd, Iugoslávia em 1969. A. tosichella ocorre principalmente em trigo, mas populações podem se desenvolver em sorgo (Sorghum sp.), cevada (Hordeum vulgare), milho (Zea mays), aveia (Avena sativa), centeio (Secale cereale) e milheto (Pennisetum glaucum)(JEPPSON et al., 1975). A. tosichella também infesta um grande número de gramíneas (Poaceae) de menor importância econômica ou consideradas plantas daninhas (AMRINE JR e DE LILLO, 2003). Este ácaro está disperso nas principais regiões produtoras de trigo ao redor do mundo: América do Norte, Europa (CABI, 2002); Ásia e Oriente Médio (MEYER, 1981) e Oceania (THOMAS et al., 2004).

Danos devido à infestação de A. tosichella incluem descoloração, enrolamento e desenvolvimento anormal de folhas e arqueamento de plantas. Em plantas infestadas as folhas não expandem normalmente. Os ácaros permanecem dentro das folhas mais velhas, deixando as plantas arqueadas (JEPPSON et al., 1975; CABI, 2002). Perdas no rendimento de grãos de trigo devido a infestações de A. tosichella podem chegar a 30% (HARVEY et al., 2002). Entretanto, o principal dano causado é devido à transmissão das viroses Wheat streak mosaic virus (WSMV), High plains virus (HPV) (JENSEN et al., 1996; OLDFIELD e PROESELER, 1996; MALIK et al., 2003) e Triticum mosaic virus (TriMV) (SEIFERS e MARTIN, 2009). O WSMV é o agente etiológico de uma das mais importantes viroses da cultura do trigo, causando perdas severas no rendimento de grãos na América do Norte. Este ácaro ocorre também em países da Europa, Oriente Médio, Oceania e Ásia (OLDFIELD e PROESELER, 1996; FRENCH e STENGER, 2003). A ação de A. tosichella como vetor do Brome streak mosaic virus (BrSMV) foi confirmada por Stephan et al. (2008).

Na América do Sul os registros de A. tosichella e os vírus associados são recentes. WSMV foi detectado pela primeira vez na Argentina em 2002 (TRUOL et al., 2004). Dois anos mais tarde, em 2004, também foi encontrado na Argentina, em associação com plantas infectadas pelo WSMV (NAVIA et al., 2006). A presença de HPV foi confirmada na Argentina em 2007, na província de Buenos Aires, em infecções mistas com WSMV (TRUOL e SAGADIN, 2008; TRUOL et al., 2008). No Brasil A. tosichella foi detectado pela primeira vez em 2006, em quatro municípios da região noroeste do estado do Rio Grande do Sul, tendo trigo como hospedeiro (PEREIRA et al., 2009). No Uruguai, este ácaro foi detectado pela primeira vez em 2007 nas províncias de Colônia e Rio Negro, tendo trigo, azevém e Bromus unioloides como hospedeiros (CASTIGLIONI e NAVIA, 2010).

Nos anos 2007 e 2008, após a detecção de A. tosichella no Brasil, houve monitoramento para acompanhamento de sua distribuição no estado do Rio Grande do Sul, financiado pelo projeto “O Ácaro Aceria tosichella Keifer e Viroses Transmitidas Wheat streak mosaic virus e High plain virus, uma Nova Ameaça aos Cultivos de Cereais na América do Sul - Análise de Risco de Pragas, Distribuição Geográfica, Hospedeiros, Caracterização e Controle“ (CNPq/PROSUL), coordenado pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. Observou-se neste período a ampliação tanto da distribuição, como do número de hospedeiros do ácaro no estado. Além dos municípios de Passo Fundo, Palmeira das Missões, São Luiz Gonzaga e Santo Antonio das Missões, o ácaro foi detectado em Júlio de Castilhos, Almirante Tamandaré do Sul, Chapada, Santa Rosa e Três de Maio. Como hospedeiros, além do trigo, este ácaro foi encontrado em amostras de milho e Agropyron sp. (dados não publicados).

O presente trabalho apresenta resultados de uma série de levantamentos realizados nos anos de 2009 e 2010 para monitorar a distribuição do ácaro Aceria tosichella no Brasil, como atividade do projeto “Monitoramento e diagnose do complexo Aceria tosichella e vírus transmitidos (Wheat streak mosaic virus, High plains virus) no Brasil e Argentina e avaliação da resistência de cultivares para estimar o seu impacto na triticultura nacional”, financiado pelo CNPq e coordenado pelo pesquisador da Embrapa Trigo, Dr. Douglas Lau.

Material e métodos

Os levantamentos foram conduzidos nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul durante os anos 2009 e 2010 em 277 pontos georreferenciados de 80 municípios com aptidão tritícola (Tabela 1, Fig. 1, Anexos I e II), sendo coletadas amostras de trigo, aveia, cevada, triticale, milho e azevém, bem como de outras espécies de Poaceae presentes nas cercanias de áreas cultivadas. Neste período foram coletadas 691 amostras, compreendendo 30 espécies pertencentes a 21 gêneros de Poaceae (Tabela 2). Exsicatas foram preparadas para as espécies com maior dificuldade de identificação taxonômica e estão depositadas no Laboratório de Entomologia da Embrapa Trigo.

As amostras de gramíneas cultivadas (trigo, aveia, cevada e milho) foram compostas por colmos aleatoriamente colhidos em uma área de 100 x 5 m ao longo da borda das lavouras. As outras gramíneas foram compostas por três a dez plantas aleatoriamente coletadas nas proximidades de lavouras. As raízes foram removidas no campo e a parte aérea das plantas armazenadas em sacos plásticos devidamente identificados. As amostras foram mantidas sob refrigeração e processadas dentro de um período máximo de três dias após a coleta, visando preservar sua qualidade e a dos eventuais ácaros presentes.

Antes da extração dos ácaros as folhas foram destacadas dos colmos com o objetivo de facilitar a liberação daqueles que eventualmente estavam presentes nas bainhas. Para a extração dos ácaros, as amostras foram lavadas em uma solução de água + detergente (1%) seguida por peneiramento. Este método consiste na submersão das folhas em uma solução detergente, agitação para promover a liberação dos ácaros presentes e peneiramento da solução em uma bateria de peneiras com aberturas de 0,710 mm (24 mesh) e 0,038 mm (400 mesh), nesta ordem. O material retido pela peneira de 400 mesh foi coletado e armazenado em frascos plásticos, devidamente identificados, contendo álcool 70%. As amostras mantidas em álcool 70% foram examinadas sob microscópio estereoscópico (aumento de 40 vezes) e quando da detecção de ácaros eriofiídeos, estes foram montados em preparações microscópicas permanentes usando o meio de Berlese modificado. Estas lâminas foram então ao Laboratório de Quarentena de Plantas, Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Brasília, DF, para identificação taxonômica. Os espécimes de A. tosichella coletados durante estes levantamentos estão depositados na Coleção de Referência de Ácaros do Laboratório de Quarentena de Plantas da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

As coletas para monitoramento deste ácaro serão realizadas por mais um ano. Desta maneira, os dados que compõem esta publicação são preliminares.

Resultados e discussão

Os dados obtidos nas coletas para monitoramento do ácaro-do-enrolamento-do-trigo A. tosichella mostram que, quando comparado ao registro de sua primeira ocorrência no Brasil, houve ampliação da sua distribuição no estado do Rio Grande do Sul, com novos registros de ocorrência para os municípios de Coxilha, Ijuí, Nonoai, Pontão, Santo Ângelo, São Miguel das Missões e Vacaria (Tabela 3). A disseminação de A. tosichella está, até o momento, restrita ao estado do Rio Grande do Sul (Fig. 1), com um ponto de detecção em Nonoai, próximo da fronteira com o estado de Santa Catarina. Embora não se tenham informações sobre qual a forma de entrada de A. tosichella no Brasil (PEREIRA et al., 2009), a disseminação deste ácaro no estado do Rio Grande do Sul provavelmente ocorreu de forma natural. As principais formas naturais de disseminação de ácaros eriofiídeos, em curtas e médias distâncias são vento, vetores animais (foresia) e a disseminação passiva pela chuva e por atividades humanas (LINDQUIST et al., 1996; BERGH, 2001; LIU et al., 2005).

Também foi observado neste trabalho o aumento no número de hospedeiros para as condições brasileiras, com novos registros para Andropogon bicornis (capim-rabo-de-burro), Avena sativa (aveia), Brachiaria plantaginea, B. decumbens (papuã), Chloris polydactyla (Capim-de-Rhodes), Digitaria horizontalis (milhã), D. insularis (capim-amargoso), Lolium multiflorum (azevém), Pennisetum americanum (pasto-italiano) e Sorghum halepense (capim-massambará) (Tabela 3). De acordo com Jeppson et al. (1975), populações de A. tosichella podem se desenvolver em sorgo (Sorghum sp.), cevada (Hordeum vulgare), milho (Zea mays), aveia (Avena sativa), centeio (Secale cereale) e milheto (Pennisetum glaucum). Castiglioni & Navia (2010) registaram para o Uruguai, além do trigo, azevém (Lolium multiflorum) e Bromus unioloides como hospedeiros de A. tosichella. A gama de hospedeiros deste ácaro é ampla e estes podem agir como “pontes verdes espaço-temporais”, facilitando o processo de disseminação natural e contribuindo de forma importante não só para infestações de A. tosichella na cultura do trigo, como também para a sua dispersão para novas áreas. Embora a distribuição de A. tosichella no Brasil tenha ampliado desde a sua detecção em 2006, bem como aumentado o número de hospedeiros, até o momento as populações encontradas nas amostras positivas são pequenas, não sendo observados a campo danos diretos ocasionados pelo ácaro


1 Embrapa Trigo. E-mail: paulo@cnpt.embrapa.br; dlau@cnpt.embrapa.br; vania@cnpt.embrapa.br
2 Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. E-mail: navia@cenargen.embrapa.br; renatasm@ cenargen.embrapa.br


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