MAPA
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ISSN 1517-4964
Setembro, 2009
Passo Fundo, RS

Crédito: Flávio M. Santana
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Doenças da espiga causam perda de rendimento em trigo nos estados do Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, em 2009

Gisele Abigail Montan Torres1
Flávio Martins Santana1
José Maurício Cunha Fernandes1
Márcio Só e Silva1

Todas as partes que compõem a planta de trigo podem ser infectadas por agentes causadores de doenças. No entanto, as doenças que ocorrem na espiga normalmente provocam grande impacto, pois afetam diretamente o produto econômico da cultura que são os grãos de trigo. Entre estas doenças que atacam o trigo e assumem expressiva importância encontramos a brusone e a giberela.

Brusone

A brusone é uma doença causada pelo fungo denominado Pyricularia grisea (Cooke) Sacc. (sinonímia Pyricularia oryzae Cavara), teleomorfo Magnaporthe grisea. Esta doença foi descrita pela primeira vez, em trigo, no ano de 1985, no norte do Paraná (Igarashi et al., 1986). Desde então, ela já foi relatada em diversos estados brasileiros como São Paulo, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Goiás e na região dos cerrados do Brasil Central (Goulart et al., 1989; Picinini & Fernandes, 1989; Igarashi, 1990; Prabhu et al., 1992; Anjos et al., 1996). Sua ocorrência é, ainda, restrita a países como Brasil, Paraguai e Bolívia.

Normalmente a brusone assume importância maior em condições que favoreçam sua ocorrência, como em presença de elevada temperatura e umidade. Dados de pesquisa revelam que quando a umidade relativa é elevada (> 90%) e a temperatura se encontra ao redor de 28ºC, a produção de conídios de P. grisea é favorecida (Alves & Fernandes, 2006).

P. grisea pode infectar todos os órgãos aéreos da planta, incluindo folhas, colmos e espigas. A infecção da espiga do trigo é a forma mais destrutiva de ocorrência da doença (Prestes et al., 2007) e os danos por ela ocasionados dependem do momento da infecção da espiga e do local de penetração do fungo, podendo afetar a espiga parcial ou totalmente. As espiguetas superiores ao ponto de penetração do fungo na ráquis assumem coloração esbranquiçada. A partir do ponto de infecção do fungo, ocorre estrangulamento da espiga, que provoca impedimento da passagem de nutrientes, determinando esterilidade ou “chochamento” de grãos. Considerando-se um período de cinco anos de avaliações, no Mato Grosso do Sul, foram registradas perdas médias da ordem de 32% no rendimento de grãos do trigo devido ao ataque de P. grisea (Goulart, 2005). Este autor observou ainda, dependendo da época de infecção, perdas em peso por espiga de até 74% (Fig. 1).

A severidade e os danos causados por brusone variam, sobretudo, com o genótipo de trigo considerado. A maioria das cultivares de trigo analisadas quanto à reação à infecção por P. grisea mostrou alta suscetibilidade das espigas à doença (Goulart et al., 1995; Urashima & Kato, 1998; Arruda et al., 2005; Goulart et al., 2007; Prestes et al., 2007). Até o momento, ainda não se dispõe de cultivares de trigo resistentes à brusone.

Conforme a Tabela 46, das Indicações Técnicas da Comissão Brasileira de Pesquisa de Trigo e Triticale, três fungicidas estão indicados para o controle da brusone na parte aérea. São eles: Tebuconazole (na dose de 250 g i.a./ha); Metconazole (na dose de 81 g i.a./ha) e Pyraclostrobin+Epoxiconazole (na dose de 133+50 g i.a./ha) (Reunião..., 2008). Menciona-se que “fungicidas do mercado envolvendo a mistura de estrobilurina+triazol mostraram controle mais efetivo da brusone comparativamente aos produtos com triazóis isolados”. No entanto, para nenhum deles são mencionados resultados de avaliação de eficiência de controle. Ainda, é importante ressaltar que a avaliação destes produtos foi realizada nos estados do Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul.

Segundo laudos apresentados na III Reunião da Comissão Brasileira de Pesquisa de Trigo e Triticale, alguns desses produtos teriam demonstrado eficiência de até 90% (Reunião..., 2009). Entretanto, de acordo com o que se tem observado em campo, o controle obtido com a aplicação destes produtos pode variar de 30% a 50% dependendo da cultivar, do manejo da cultura e, principalmente, das condições climáticas (Goulart, 2005).

O controle cultural tem como objetivo a utilização de práticas de manejo, tais como atraso da época de semeadura e manejo da irrigação, a fim de reduzir o risco de incidência da doença. Lavouras que são implantadas no início da época de recomendação, geralmente, são as mais atingidas no caso de incidência da doença. No caso de cultivos de trigo irrigado e ocorrendo temperatura elevada próximo ao espigamento da cultura, a frequência de irrigação deve ser reduzida.

A brusone do trigo, talvez, seja uma das doenças que mais necessite um manejo integrado para obtenção de controle satisfatório. Os elementos climáticos predisponentes são determinantes na evolução da doença e o uso de resistência genética ainda é restrito a poucas cultivares com nível moderado de resistência, como é o caso das cultivares BR 18-Terena (Sousa, 2002) e BRS 229 (Brunetta et al., 2006). Na safra de 2004, no Mato Grosso do Sul, a cultivar BR 18-Terena apresentou menos de 30% de espigas infectadas, enquanto que as demais cultivares avaliadas apresentaram mais de 80% de espigas infectadas (Goulart, 2005).

Giberela

A giberela ou fusariose da espiga causada por Gibberela zeae (Schw.) é, atualmente, uma das mais importantes doenças da cultura do trigo no mundo. Frequentes epidemias têm sido observadas nos últimos anos em diversas regiões, promovendo reduções da produtividade e da qualidade dos grãos. No Brasil, o patossistema tem sido estudado há mais de três décadas. Estudos recentes indicam que a doença, que se apresentava na forma de epidemias leves e esporádicas, alcançou o status de principal doença nas regiões tritícolas brasileiras do Sul do país, onde causa, com frequência, impactos econômicos.

A qualidade do trigo é afetada, sobretudo, com o acúmulo de micotoxinas nos grãos infectados por Fusarium spp., as quais podem apresentar efeitos tóxicos aos seres humanos e animais.

Há consenso que o florescimento é o estádio mais sensível à infecção e isso está relacionado ao fato de que é na ocasião da extrusão das anteras que tem início o processo de infecção. Neste momento, a infecção prejudica diretamente a produtividade da lavoura, pois os grãos, quando produzidos, apresentam-se com tamanho reduzido, danificados e chochos. Infecções que eventualmente ocorram tardiamente durante a fase de enchimento de grãos teriam menor, ou nenhum, impacto na produtividade. Os grãos produzidos seriam assim mais difíceis de serem eliminados dos lotes, contribuindo para aumentar os níveis finais de micotoxinas. Se, de fato, a janela de suscetibilidade, especialmente para a contaminação, se estende até estádios avançados do desenvolvimento de grãos, será preciso então considerar estratégias integradas de controle para proteger as espigas de trigo por semanas, e não por apenas alguns dias após o florescimento.

A giberela é descrita como uma doença de clima quente e úmido, de modo que a umidade e a temperatura são os principais fatores que influenciam a ocorrência e a severidade de epidemias desta doença. A temperatura ótima para infecção situa-se entre 20 e 30ºC.

No que se refere ao controle químico de giberela em trigo, as Indicações Técnicas da Comissão Brasileira de Pesquisa de Trigo e Triticale apresentam condições bastante específicas de dose dos produtos e regiões de indicação de uso. Tais informações foram sumarizadas na Tabela 1.

Dentre as medidas atualmente empregadas para o controle da giberela, tem-se constatado que nenhuma tática isolada de manejo é eficiente para minimizar as perdas, pois embora exista alguma resistência genética, esta é insuficiente para evitar níveis epidêmicos. Além disso, a eficiência de fungicidas é fortemente dependente do momento e da qualidade da aplicação. O manejo da doença que busque a maior eficiência deve considerar o uso de estratégias múltiplas e integradas.

Causas para a elevada intensidade de brusone e de giberela na safra 2009

Especificamente quanto à safra 2009, as condições de clima foram extremamente favoráveis à ocorrência da brusone. Tais condições explicam em parte a severidade dessa doença, este ano, desde o norte do Paraná até a região do Distrito Federal. Aliado às condições favoráveis nos primeiros meses da cultura do trigo, na região dos Cerrados, a maior parte do trigo é cultivada sob condições irrigadas através do uso de pivô central, o que contribuiu para manter o ambiente favorável à doença.

Estas condições, elevada umidade e longos períodos de molhamento foliar e de espiga, associadas a temperatura em torno de 25oC, tornam o ambiente favorável ao patógeno. Quando essas condições climáticas são reunidas por ocasião do espigamento do trigo, e havendo grande pressão de inóculo, a eficiência do uso de fungicidas é reduzida.

O SISALERT é uma plataforma multi-modelo que coleta dados meteorológicos obtidos de estações automáticas e de prognósticos de tempo; processa as informações por diversos modelos epidemiológicos, simples ou complexos, para a simulação e alertas de risco de epidemias; e distribui a informação de risco para os usuários. Com os dados observados, o sistema fornece informações sobre o comportamento passado ou recente da doença. Com dados de prognósticos meteorológicos é possível a predição antecipada do risco de uma epidemia (SISALERT, 2009).

No ano de 2009, o módulo trigo do SISALERT foi preparado para simular o risco de epidemias de brusone e giberela para as diferentes regiões onde o trigo é cultivado no Brasil. Os dois modelos foram eficientes em capturar o grau de alto risco de epidemias destas doenças nas regiões tritícolas localizadas acima do paralelo 24 S, abrangendo os estados do Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, onde o trigo é cultivado sem irrigação. O grau de alto risco foi observado para aquelas lavouras onde o espigamento ocorreu a partir da última semana do mês de junho. Na Figura 2 , observa-se que para a localidade de Marechal Cândido Rondon, por exemplo, a condição foi extremamente favorável à esporulação e disseminação do fungo M. grisea, causador da brusone do trigo. O modelo de simulação contabiliza o número de horas de umidade relativa acima de 93% e a temperatura, para estimar a esporulação do fungo e o vento para a disseminação.

Já no norte do Paraná, a situação foi diferente. O período seco no início do ano levou ao atraso da semeadura na região, e após a emergência das plantas, o total de chuva para a região de Londrina foi sempre crescente. Nessas condições, o controle químico ficou bastante comprometido no período de espigamento, o que também favoreceu o desenvolvimento da doença. Somado às condições climáticas desfavoráveis, a entrada de máquinas para a realização de medidas de controle preventivo das doenças no momento oportuno foi dificultada.

Ainda, no que se refere ao norte do Paraná, não é apenas a brusone que tem causado grandes perdas nas lavouras. Dados preliminares (Tabela 2) de levantamento de doenças na região, em 2009, indicam que as condições climáticas citadas acima contribuíram também para a grande incidência de giberela, além de outras doenças como manchas foliares e mancha da gluma.

Foram realizadas coletas de materiais, em amostras de um metro quadrado, em lavouras nas localidades de Cascavel, Campo Mourão, Maringá e Londrina, entre os dias 26 e 28 de agosto de 2009 (Fig. 3). Foi observada incidência de brusone variando de 1% a 27% do total de espigas amostradas. Já para a giberela, a incidência de espigas infectadas variou de 3% a 43% em relação ao total de espigas coletadas (Tabela 2). Estes dados foram confirmados em análises realizadas em laboratório. Além disso, cerca de 14% das amostras analisadas, provenientes de Cascavel, apresentavam sintomas de outras doenças de espiga que não eram brusone ou giberela. Os sintomas observados nestas amostras eram semelhantes aos de mancha da gluma, doença causada por Stagonospora nodorum. No momento, estão sendo realizados os isolamentos a partir dos sinais fúngicos identificados. Tal procedimento permitirá a identificação inequívoca do agente causal. Estes resultados corroboram com informações provenientes do SISALERT.

Considerando-se a data de espigamento de 7 de agosto de 2009 da cultura de trigo, na localidade de Maringá-PR, o risco de ocorrência de epidemias foi considerado alto para giberela e moderado para brusone (Fig. 4).

Conclusões

Diante do exposto, conclui-se que havendo condições climáticas (de temperatura e umidade) favoráveis, sob alta pressão de inóculo, os produtos indicados para controle destas doenças têm baixa eficiência. Estas condições reunidas propiciaram as situações de epidemia de brusone e de giberela observadas nos estados do Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, na safra 2009.


1 Pesquisador, Embrapa Trigo, Caixa Postal 451, CEP 99001-970 Passo Fundo, RS, gtorres@cnpt.embrapa.br, fsantana@cnpt.embrapa.br, mauricio@cnpt.embrapa.br, soesilva@cnpt.embrapa.br.


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