Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento

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ISSN 1517-4964
Dezembro, 2006
Passo Fundo, RS

Foto: Maria da Glória Trindade

Danos causados por Magnaporthe grisea em trigo
Maria da Glória Trindade1, Marcello Marques Honório Siqueira2, Hosana Luz Moreira da Silva3 e Anne Sitarama Prabhu4

Introdução

O trigo é uma cultura que apresenta grande potencial para integração nos sistemas produtivos da região do Cerrado brasileiro. Entretanto, é uma planta exótica e, por isso, sensível a inúmeros estresses bióticos e abióticos nesta região produtora. No cerrado, são obstáculos ao seu cultivo: os baixos níveis de zinco e fósforo, a elevada acidez do solo, os elevados teores de alumínio trocável, o estresse hídrico e a ocorrência de doenças fúngicas. Dentre as principais doenças fúngicas, destaca-se a brusone que é causada pelo fungo Magnaporthe grisea (Herbert) Barr. [anamorph Pyricularia grisea (Cooke) Sacc.]. Essa é a doença mais recente detectada em trigo no Brasil, e foi primeiramente identificada em 1985 no Estado do Paraná.

Os danos em rendimento de grãos ocasionados por doenças estão entre os fatores que mais têm contribuído para a limitação de rendimento da triticultura brasileira. Informações sobre a brusone do trigo são escassas e constituem uma necessidade primordial para o desenvolvimento de métodos integrados de controle da doença. Os danos ocasionados por este fitopatógeno na produção de grãos dependem basicamente do momento de infecção com relação ao desenvolvimento ontogênico da espiga e do local de penetração do fungo, que pode ocorrer em qualquer local do ráquis afetando a espiga inteira ou parte dela, cujo estrangulamento impede a passagem de nutrientes e, conseqüentemente, há diminuição do tamanho do grão. Os grãos danificados pela doença são não aproveitáveis para comercialização e utilização na alimentação humana. Estimativas de danos em produtividade baseadas no nível de injúria (função de dano) podem ser acessadas de duas formas: quantificando a relação entre o nível de injúria e os danos em produtividade em experimentos controlados em que o nível de injúria é manipulado e o correspondente dano em produtividade é medido; e pela quantificação dos mecanismos de injúria escalonados em condições de campo através de modelos de simulação.

O presente trabalho objetivou avaliar a influência da incidência de brusone na espiga, com relação ao ponto de penetração, nos componentes de rendimento do trigo e sua implicação para o controle da brusone em campo.

Materiais e Métodos

Obtenção da função de danos

Dois genótipos de trigo, altamente suscetíveis com ciclos semelhantes de 50 dias até o espigamento, linhagens PF 023649 e PF 020122, foram selecionados para avaliação de danos causados por brusone na espiga sob condições naturais de infecção em campo. Os genótipos foram semeados em 08/03/2005 em parcelas experimentais de 5 linhas de 6,0 m, com espaçamento de 0,20 m entre linhas, em três repetições na fazenda Capivara da Embrapa Arroz e Feijão (latitude 16º28’S, longitude 49º17’ e altitude de 824 m), situada no município de Santo Antônio de Goiás. Os dados climáticos observados durante o período de condução do experimento estão ilustrados na Figura 1. O solo da área experimental é classificado como Latossolo Vermelho distrófico, de textura argilosa. De cada genótipo selecionou-se espigas, amostrando 5 classes de severidade de brusone, variando entre 0, 25, 50, 75 e 100%, dependendo do ponto de penetração do fungo na espiga. A escala utilizada para avaliação dos sintomas na espiga está apresentada na Figura 2. Em cada classe amostrou-se 25 espigas, num total de 125 espigas para cada genótipo.

As espigas selecionadas foram marcadas em campo de acordo com a classe de sintomas na fase de grão leitoso, estádio 75 Zadoks (Zadoks et al., 1974), em que os sintomas são melhor visualizados em campo. Na maturação, foram colhidas e trilhadas separadamente, tomando-se as seguintes variáveis: tamanho da espiga em centímetros (TE), número de espiguetas por espiga (NE), número de espiguetas cheias por espiga (NEC), número de espiguetas vazias por espiga (NEV), número de grãos normais por espiga (NGN), número de grãos danificados por espiga (NGD) e peso de grãos por espiga (PG). Considerando-se a produção média de 1,5 perfilhos/planta e uma população total de 300 plantas.m-2, estimou-se a produtividade de grãos (PE) para cada genótipo dentro de cada classe de severidade de brusone na espiga.

O método de perfilhos únicos (Shtienberg et al., 1990) e o modelo de ponto crítico foram utilizados para estimar os danos nos componentes de rendimento de trigo. Vários modelos podem ser utilizados para estimar danos de doenças em plantas, sendo um deles o de ponto crítico. Segundo Bergamin Filho & Amorim (1996), no modelo de ponto crítico é possível identificar um determinado estádio de desenvolvimento do hospedeiro no qual a intensidade de doença presente está correlacionada com o dano futuro. Esse modelo, por ser simples, tem aplicação prática para estimar os danos que uma doença causa no hospedeiro em função do estádio de desenvolvimento fenológico e da intensidade da moléstia (Reis et al., 2002).

Para a análise de regressão foi utilizada a porcentagem de infecção na espiga como variável independente e o componente de rendimento como variável dependente. Este procedimento tem a finalidade de avaliar a relação entre uma variável explicativa (independente) e a dependente, segundo o modelo Polinomial – Linear ŷ = a-bx.

O potencial de dano no rendimento, para cada componente, foi estimado com base nesta equação, ŷ = a-bx, onde ‘a’ representou o componente de rendimento na ausência de doença e ‘b’ o coeficiente de regressão da taxa de redução ou aumento do componente de rendimento com uma unidade de aumento da doença. O dano em cada componente foi calculado com a seguinte fórmula: Dano (%) = (a-ŷ)100/a, onde ‘a’ representou o componente de rendimento sem doença, e ŷ o componente de rendimento estimado pela equação.

Resultados e Discussão

Avaliação do potencial de danos causados por Magnaporthe grisea em trigo

O dano causado por doenças é definido como o decréscimo quantitativo no rendimento de uma cultura resultante da injúria causada por uma ou várias espécies de patógeno (Savary et al., 2006). Embora estimativas de dano no rendimento raramente representem relevância como critério prático em programas de melhoramento para resistência a doenças, um bom entendimento dos mecanismos que determinam os danos no rendimento pode ajudar na caracterização dos atributos que conferem a tolerância e a resistência nas culturas e subsidiar programas de melhoramento. A redução observada no tamanho do grão e, conseqüentemente, no rendimento total da cultura foi bastante intensa à medida que houve aumento no nível de infecção de brusone nas espigas de trigo. A Figura 3 mostra a intensidade dos sintomas nos grãos nas diferentes classes de severidade de brusone nas espigas de trigo avaliadas nesse experimento.

A Tabela 1 resume a análise de variância e apresenta os valores de F e significância para as respectivas fontes de variação para as variáveis: tamanho da espiga (TE), número total de espiguetas (NTE), número de espiguetas cheias (NEC), número de espiguetas vazias (NEV), número de grãos normais (NGN), número de grãos danificados (NGD), peso de grãos por espiga (PGE) e rendimento estimado (PE).

Conforme Tabela 2, todos os caracteres avaliados foram significativamente influenciados pela ocorrência da brusone, com exceção do tamanho da espiga e do número de espiguetas por espigas, que são caracteres dependentes do genótipo, do manejo e do ambiente. O nível de severidade de brusone na espiga influenciou significativamente as variáveis relacionadas com o enchimento de grãos e, conseqüentemente, o rendimento.

O número de espiguetas cheias, o número de grãos normais, o peso de grãos por espiga e o rendimento estimado diminuíram significativamente com o aumento da severidade de brusone na espiga. Esses componentes podem apresentar danos potenciais de 31,52; 92,44; 69,36 e 69,66, respectivamente, na máxima ocorrência de brusone na espiga. Para os componentes, número de espiguetas vazias e número de grãos danificados, os danos potenciais foram de 29,32 e 97,06. Logicamente, os níveis de danos observados diretamente nos grãos são maiores que no nível de espiguetas, uma vez que dependendo do momento de infecção ocorre a formação de grãos ocorrendo posteriormente a deformação do mesmo pela falta de nutrientes. A observação de espiguetas vazias ocorre quando a penetração do fungo se dá antes da formação do grão, apresentando, portanto, menor probabilidade de danos, embora com maior influência no rendimento de grãos. O genótipo PF 020122 caracteriza-se por apresentar um maior tamanho de espiga e, conseqüentemente, um maior número total de espiguetas em relação ao genótipo PF 023649. Observou-se também decréscimo linear no número de espiguetas cheias, grãos normais e produtividade estimada de grãos em função do aumento da severidade de brusone na espiga, independente do genótipo. Esse comportamento tem sido observado em outros estudos com brusone. Em Mato Grosso do Sul, o peso de grãos de espigas sadias foi em média de 68,8 g/m² enquanto que das espigas com brusone foi de 35,4 g/m² demonstrando a ação danosa desse fungo na formação dos grãos (Goulart & Paiva, 2000).

Esses dados reforçam antigas observações que já enfatizavam a gravidade da brusone para a triticultura brasileira. Além disso, tem sido notória a grande suscetibilidade apresentada pelas cultivares por ocasião do florescimento e formação de grãos, em que o dano no rendimento é ainda maior. Outra questão é a dificuldade de conseguir cultivares resistentes, uma vez que o fungo se notabiliza por quebrar a resistência pouco mais de dois anos após a introdução dessas sementes no mercado. Os fungicidas não se mostram eficientes considerando-se a relação custo/benefício, sem contar que do ponto de vista ambiental não é a melhor opção. Desta forma, a determinação dos danos causados pela brusone deve ser o primeiro passo para um programa bem elaborado de melhoramento genético e desenvolvimento de cultivares resistentes. Nesse trabalho, observa-se pela Figura 1 que as condições climáticas prevalecentes durante a fase de desenvolvimento da cultura no campo, foram extremamente favoráveis para a ocorrência de brusone na espiga, uma vez que resultados obtidos em testes de inoculação conduzidos em casa-de-vegetação mostram que a esporulação abundante de Magnaporthe grisea está condicionada a condições de ambiente com umidade relativa igual ou superior a 95% e temperatura ao redor de 28°C.

Os danos em rendimento causados por brusone em trigo são bastante acentuados tornando os grãos não aproveitáveis para a comercialização e consumo humano (Figura 3). O dano no peso de grãos por espiga pode atingir níveis da ordem de 61,92%, em média, considerando uma porcentagem de infecção de 100%, que ocorre quando a severidade de brusone envolve a espiga inteira.

Entretanto, para efeito de prevenção de epidemias em lavouras deve-se buscar a combinação de dados sobre danos avaliados em amplas regiões geográficas durante vários anos, que proporcionam informações sobre a ocorrência das doenças, com dados obtidos em experimentos controlados, que fornecem informações detalhadas sobre o impacto da doença em termos de danos quantitativos.

Considerações Finais

A severidade de brusone na espiga influencia negativamente o rendimento de grãos de forma linear. O número de grãos normais de trigo e o número de espiguetas cheias diminuem com o aumento da porcentagem de infecção da espiga. O número de grãos danificados e o número de espiguetas vazias aumentam com o aumento da porcentagem de infecção da espiga. Os danos de rendimento encontrados neste trabalho estão de acordo com dados de outros experimentos conduzidos com a mesma cultura em diferentes regiões geográficas do Brasil. Embora a parte da espiga afetada pelo patógeno seja fator importante na avaliação de danos, o momento da infecção também tem influência marcante como fator complementar para um diagnóstico correto. Esses dados podem subsidiar a elaboração de um modelo para previsão de danos em lavouras.


1 Engenheira Agrônoma, M.Sc. em Genética e Melhoramento de plantas, Embrapa Trigo, C.P. 451, Rod. BR 285, Km 294, 99001-970, Passo Fundo, RS, e-mail: mgloria@cnpaf.embrapa.br;
2 Biólogo, Universidade Estadual de Goiás. Av. Anhanguera, 1420-St. Vila Nova, CEP: 74705-010, Goiânia-Goiás. E-mail: biologomarcello@yahoo.com.br;
3 Bióloga, Universidade Estadual de Goiás. Av. Anhanguera, 1420-St. Vila Nova, CEP: 74705-010, Goiânia-Goiás. E-mail: hosanaluzsilva@yahoo.com.br;
4 Biólogo, D.Sc. em Fitopatologia, Embrapa Arroz e Feijão, C.P. 179, 75375-000, Santo Antônio de Goiás, GO, e-mail: prabhu@cnpaf.embrapa.br.

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