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Dezembro, 2006
Passo Fundo, RS

Avaliação preliminar de genótipos de trigo para tolerância a seca em condições de safrinha

O estresse hídrico, na região do Cerrado, pode acontecer no início do estabelecimento da cultura, com influência direta no estande final de plantas e, conseqüentemente, no rendimento de grãos, bem como em fases mais sensíveis da cultura, como florescimento e formação de grãos, principalmente nas semeaduras efetuadas mais tardiamente.

Os parâmetros fisiológicos já descritos em literatura, como avaliação de ácidos orgânicos que quelatam alumínio nas raízes através de coloração, teor de prolina nas folhas, elevado teor de clorofila no espigamento e seleção para resistência à seca pelo estresses osmóticos, relacionados com tolerância à seca, são consideráveis opções para discriminar diferenças entre genótipos susceptíveis e tolerantes em condições ambientais de estresse hídrico. Aqueles que melhor se correlacionarem com tolerância no ambiente de Cerrado, podem ser utilizados para a seleção definitiva de fontes de resistência e para fenotipagem dos cultivares recomendados para essa região.

Durante o período de safrinha em 2005 foram testados 152 genótipos no sítio experimental de Planaltina-DF. Esses genótipos foram testados em um ensaio com três épocas de semeadura, visando obter estresse hídrico em diferentes fases fenológicas. Todos os genótipos testados apresentaram rendimento inferior a cultivar Aliança em condições de estresse hídrico, que foi incluído em três tratamentos analisados de forma independente (Tabela 1).

O status de água foi avaliado medindo-se a precipitação natural, e o conteúdo de água no solo (Fig. 2) pelo método gravimétrico, comparado com a curva de retenção de água no solo (Fig. 3). A curva característica de retenção de água desse solo indica conteúdo de água de 0,49 (cm3/cm3) na condição de capacidade de campo (8 kPa) e 0,24 (cm3/cm3) na condição de ponto de murcha permanente (1.500 kPa) indicando uma capacidade de retenção de água de 13%. Esses solos, apesar de argilosos são considerados de baixa retenção de água, pois retêm em média cerca de 1 a 1,2 mm de água por centímetro de solo. Isso determina a necessidade de irrigações (ou chuvas) freqüentes para manter a camada superficial do solo, ocupada pelo sistema radicular, com umidade adequada ao desenvolvimento de trigo. Nessas áreas, trigo normalmente requer para o desenvolvimento ideal, irrigações (ou chuva) em intervalo de 3 a 5 dias.

Considerando o conteúdo crítico de água no solo observado na Figura 3, a data de emergência, e a evolução fenológica do trigo ao longo do ciclo, pode-se determinar que nas três épocas de semeadura, o estresse hídrico ocorreu inicialmente no perfiliamento e predominantemente durante o enchimento de grãos (Fig. 2).

O principal critério para seleção dos melhores genótipos foi o rendimento, sob condições de estresse hídrico. Como critérios secundários, foram utilizados a precocidade, embora estas características sejam dependentes considerando que materiais tardios não logram chegar à fase de enchimento de grãos devido á falta de água na fase final do ciclo. Todos os genótipos testados nesses ensaios tiveram performance inferior à testemunha Aliança, sob condições de seca. Pode-se observar na Figura 4, que alguns genótipos foram incapazes de finalizar o ciclo devido à falta de água, principalmente no plantio de terceira época.

Em Santo Antônio de Goiás, no ano de 2005, a partir do mês de abril houve ocorrência de apenas quatro precipitações pluviométricas até a colheita do experimento (uma com volume total de aproximadamente 55 mm e as outras três com volumes inferiores a 20 mm). A semeadura de primeira época recebeu estresse durante o período de enchimento de grãos (Figuras 5 , 6 e 7).

O rendimento obtido no experimento foi baixo em função da semeadura tardia. Adicionalmente, a incidência de doenças fúngicas, como brusone (Magnaporthe grisea), mascarou o efeito da seca, uma vez que a testemunha resistente para seca, cultivar Aliança, é susceptível à brusone não alcançando nível de rendimento desejado nesse ensaio. Esses fatores afetaram principalmente o estande de plantas redundando em rendimentos mais baixos. Houve, no entanto, diferenças altamente significativas entre os genótipos a 5% de probabilidade para o teste F para a variável rendimento. Os genótipos mais produtivos (PF 040010 e PF 040014) dão um indicativo de apresentarem razoável nível de tolerância para seca e brusone, respectivamente. Diferenças altamente significativas também foram detectadas para as variáveis ciclo, nota de parcela e peso hectolítrico. Para o peso hectolítrico, a cultivar Aliança apresentou o melhor resultado entre todos os genótipos. Para as variáveis altura de plantas, tamanho de espiga e peso de mil grãos, não foram detectadas diferenças significativas entre os genótipos.

Experimentos em condições de campo sob irrigação, com controle de estresse hídrico em trigo

Em 2005, um experimento preliminar foi conduzido no período de inverno, com controle total da água, utilizando o sistema denominado line source que cria gradientes de umidade (Fig. 8), no sítio de Planaltina-DF. Esse experimento objetivou testar a metodologia para monitoramento de estresse, caracterizar genótipos conhecidos e testar o melhor esquema experimental a ser adotado.

Esse experimento consistiu de vários níveis de lâmina de água sob irrigação utilizando-se poucos genótipos de comportamento conhecido para testar e adequar a metodologia, bem como controlar os erros experimentais. Um total de 270 mm de água foi aplicado em aproximadamente 120 dias de ciclo de trigo no tratamento sem estresse e diferenças no nível de água foram observadas à direita e esquerda do sistema de irrigação (Fig. 8). O estresse hídrico foi aplicado no início do perfilhamento. Com 270 mm de lâmina de água durante o ciclo, foi possível obter rendimento superior a 2.000 kg/ha no melhor tratamento de nível de água sob irrigação. Os melhores genótipos, cultivares Aliança e Embrapa 21, em condições de estresse hídrico no período de safrinha, também apresentaram o melhor desempenho durante o período de inverno em sistema com diferentes níveis de água. Estes resultados asseguram que a seleção para tolerância à seca durante o período de inverno utilizando essa metodologia pode ser útil no programa de melhoramento objetivando o cultivo de safrinha (Fig. 9).

O estresse hídrico foi aplicado no início do período de perfilhamento (Fig. 10). Nesse experimento o estresse hídrico foi determinado medindo-se a quantidade de água aplicada nos oito níveis de irrigação e o conteúdo de água no solo, para comparação com a curva de retenção de água no solo obtida na Figura 3. Avaliação visual permitiu reconhecer alguns genótipos tolerantes e sensíveis à seca,como pode ser observado nas figuras 11 e 12, mas que para o genótipo Aliança, uma avaliação visual não seria suficiente (Fig. 13).

Paralelamente, será realizada uma triagem destes materiais para tolerância ao alumínio, "in vitro", utilizando metodologia baseada no padrão de coloração de raízes com corante hematoxilina em presença deste elemento em solução nutritiva (Fig. 14), onde o genótipo da direita, deve ser mais tolerante ao Al.. Em geral, entre genótipos ou cultivares de uma mesma espécie, para uma mesma concentração de Al na solução, quanto maior a sua absorção e acumulação nos tecidos, mais fortemente a raiz é colorida com a hematoxilina, indicando a sensibilidade relativa do material.

Cada genótipo neste trabalho será classificado para tolerância ao Al+++ em grupos de acordo com o padrão de coloração da zona apical.

Identificação de marcadores morfológicos relacionados com a resistência à seca em genótipos de trigo

Para a identificação de parâmetros morfológicos associados com a resistência à seca, bem como avaliar a expressão fenotípica desses caracteres, foi conduzido um experimento em casa de vegetação com controle de estresse na Embrapa Arroz e Feijão, em Santo Antônio de Goiás. Utilizou-se latossolo coletado em área típica sob vegetação de Cerrado. A correção do solo foi feita nos primeiros 20 cm do recipiente sendo que abaixo de 20 cm foi utilizado solo da camada subsuperficial. As unidades experimentais foram colunas de solo, acondicionadas em tubos de PVC de 20 cm de diâmetro e 100 cm de altura (Fig. 15). Os níveis hídricos, com e sem estresse hídrico após o florescimento, constituíram as parcelas e genótipos que vêm apresentando considerável resistência à seca (Aliança e Embrapa 21), dois genótipos de comportamento conhecido nas condições de safrinha (BR 18 e BH 1146) e um genótipo reconhecidamente sensível ao estresse hídrico (BRS 264), as subparcelas. Esse experimento objetivou testar a metodologia quanto à eficiência em discriminar os melhores genótipos em condições de estresse hídrico. Estes genótipos foram submetidos a condições adequadas de umidade no solo, 0,035 Kpa a 15 cm de profundidade, até o início da floração, quando foram submetidos aos dois tratamentos hídricos: 1) manutenção das condições hídricas adequadas na fase inicial e 2) aplicação de um estresse hídrico até o fim do ciclo da cultura, com a reposição diária de aproximadamente 50% da água evapotranspirada, monitorada através de balança. Aos 22 dias após o início do estresse no trigo, foram avaliados os seguintes componentes agronômicos: número total de folhas no colmo principal, número de folhas mortas no colmo principal, número de folhas vivas no colmo principal, comprimento e largura da folha bandeira, altura de planta, número de perfilhos e número de perfilhos mortos.

Durante o ciclo total da cultura foram aplicados respectivamente 46.895,00 mililitros de água no tratamento normal e 17.563,75 mililitros no tratamento sob estresse, conforme perda de água observada no período com base no genótipo testemunha cultivar Aliança. O tratamento com estresse hídrico teve início 40 dias após a semeadura no genótipo mais precoce BRS 264, no início do período de florescimento, coincidindo o início do estresse com essa fase de desenvolvimento para os demais genótipos. Nos meses de agosto e setembro, a reposição de água atingiu os maiores níveis em função do aumento de temperatura e da radiação solar e de uma redução na umidade relativa do ar com conseqüente influência na evapotranspiração nesse período do ano.

O estresse hídrico influenciou significativamente várias variáveis relacionadas com a sobrevivência e com o potencial produtivo nos genótipos de trigo. No tratamento com estresse os genótipos apresentaram menor número de folhas no colmo principal, maior número de folhas mortas no colmo principal, menor número de folhas vivas no colmo principal com estreitamento da folha bandeira, plantas mais baixas e com menor número de perfilhos, menor número de grãos e de menor peso e menor quantidade de matéria seca na parte aérea. As variáveis comprimento da folha bandeira, comprimento de espiga e aristas não apresentaram diferenças significativas entre os tratamentos com e sem estresse detectando diferenças altamente significativas apenas entre os genótipos. Houve diferenças altamente significativas entre os genótipos para todas as variáveis avaliadas e a interação genótipo x nível de suplementação hídrica foi significativa para as variáveis folhas mortas no colmo principal, folhas vivas no colmo principal, altura de planta e peso de grão. Para essas variáveis, foi feita a decomposição genótipos x nível de suplementação hídrica para comparação de médias dentre e entre os dois tipos de tratamentos. Para as variáveis relacionadas ao sistema radicular não houve diferenças entre os níveis de suplementação hídrica, embora as cultivares BH 1146 e Aliança tenham apresentado os maiores valores para matéria seca e verde de raiz, diferindo estatisticamente das demais cultivares. Essas variáveis, juntamente com a matéria orgânica, apresentaram uma resposta quadrática com o aumento na profundidade do perfil na coluna, em função da maior concentração de raízes na área agricultável no perfil do solo e do acúmulo da matéria lixiviada no anel inferior das colunas.

A cultivar Aliança destacou-se como o genótipo mais tolerante ao estresse hídrico não apresentando diferenças significativas entre o peso de grãos por espiga no tratamento com suplementação normal de água e no tratamento com estresse hídrico. Outros resultados obtidos em campo também indicam essa cultivar como o genótipo mais tolerante ao estresse hídrico dentre os recomendados para a região do Cerrado no sistema de sequeiro. A cultivar Embrapa 21 apresentou, proporcionalmente, a maior redução no peso de grãos no tratamento com estresse, seguido da cultivar BR 18. Esses dois genótipos, embora recomendados para cultivo em condições de sequeiro, apresentam grande sensibilidade ao estresse hídrico causando elevadas perdas em produtividade nos plantios tardios com ocorrência de veranico.

Os genótipos avaliados nesse experimento foram classificados como sensíveis ao estresse hídrico e nenhum genótipo apresentou comportamento superior à média da testemunha tolerante, cultivar Aliança.

Implicações para o melhoramento de trigo visando a região tritícola do Brasil Central

A partir de 2006 serão conduzidos rotineiramente experimentos em campo e em casa de vegetação, intercalados por fenotipagens in vitro, que fornecerão novos genótipos para cada semeadura. A identificação da(s) melhor(es) metodologia(s) de fenotipagem e a seleção de genótipos serão concomitantes a estes testes. Com isso pretende-se abreviar o processo para que, sejam iniciados os cruzamentos para o dialelo inicial da seleção recorrente e outros métodos de melhoramento para obtenção de cultivares de trigo em um prazo mais curto como Retrocruzamentos e Método da Semente Única. Caso sejam identificados genótipos elites e pré-existentes no programa de melhoramentro da Embrapa, estes poderão fazer parte diretamente dos experimentos de Valor de Cultivo e Uso (VCU), que visam indicar novos materiais no mercado, o que proporcionaria maior rapidez no sentido de proporcionar que os resultados alcancem o produtor rural em menor período de tempo. Com estes materiais, podem ser planejadas parcelas de observações para dias de campo, objetivando a divulgação desses resultados.

Este trabalho de fenotipagem é parte inicial e importante de um trabalho amplo de melhoramento de trigo, que poderá contribuir para a viabilização da cultura sob regime de sequeiro no Cerrado, com conseqüente diversificação do agronegócio da região. Serão testadas e classificadas metodologias de fenotipagem que mais se correlacionem com tolerância à seca no Cerrado e serão identificados genótipos para pronta utilização em programas de melhoramento para trigo de sequeiro.

A utilização futura de Seleção Recorrente terá como principal objetivo concentrar genes favoráveis para adaptação de trigo na semeadura de sequeiro no Cerrado, proporcionando populações bem caracterizadas e com elevada expressão de resistência à seca para o desenvolvimento de linhagens. O sucesso de um programa de melhoramento que tenha como estratégia seleção recorrente, depende fortemente da escolha correta dos materiais que comporão o dialelo inicial, objetivando assegurar ampla variabilidade genética e máxima expressão dos caracteres relacionados com resistência à seca.

A disponibilização de fontes de tolerância à seca devidamente caracterizada para as condições de Cerrado potencializa a geração de novos cultivares de trigo adequadas às necessidades dos produtores dessa região tritícola. Espera-se que o conhecimento proporcionado, facilite a aplicação de métodos de melhoramento genético de trigo para a região, principalmente no que diz respeito à seleção de parentais para cruzamentos e geração de variabilidade. A tolerância à seca, é uma característica fundamental a ser considerada no lançamento de novas cultivares de trigo para o cultivo de safrinha nesta região. Adicionalmente, os resultados obtidos contribuirão para subsidiar uma agricultura sustentável na região do Cerrado e para a abertura de novas fronteiras do conhecimento científico em áreas prioritárias para a agricultura brasileira.


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