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Dezembro, 2010
Passo Fundo, RS

Introdução

A Semeadura Direta ou o Plantio Direto, introduzido no Brasil no fim dos anos 1960 (BORGES, 1993) como um simples método alternativo de preparo de solo, conduzido sob o modelo de produção estruturado pelas culturas trigo/soja, a partir de meados da década de 1980, recebeu a denominação, genuinamente brasileira, de Sistema Plantio Direto, passando a ser conceituado como um complexo de tecnologias destinado à exploração de sistemas agrícolas produtivos (DENARDIN et al., 2001). Nos preceitos desse complexo de tecnologias, além da restrição à mobilização de solo apenas na linha de semeadura e à manutenção dos resíduos culturais na superfície do solo, foram considerados essenciais a diversificação de espécies, via rotação e/ou consorciação de culturas, e a cobertura permanente do solo, seja com plantas vivas, seja com restos culturais (DENARDIN et al., 2001). No início dos anos 2000, foi adicionado a esse complexo tecnológico o processo colher-semear, que corresponde ao emprego de tecnologias orientadas à minimização do intervalo de tempo entre a colheita de uma cultura e a semeadura da cultura subsequente (DENARDIN et al., 2007).

Esse processo de intensificação da rotação e/ou da consorciação de culturas procura imprimir no Sistema Plantio Direto a propriedade de reproduzir no sistema agrícola produtivo fluxos de adição e decomposição de fitomassa semelhantes aos observados nos ecossistemas, em que o aporte de material orgânico ao solo, a decomposição do material orgânico adicionado ao solo e a absorção de nutrientes pelas plantas são processos simultâneos, contínuos e permanentes (SALTON et al., 2005; DENARDIN et al., 2007, 2008b; BAYER; MIELNICZUK, 2008; VEZZANI; MIELNICZUK, 2009). Como resultantes primordiais desses processos, destacam-se: minimização de perdas de nutrientes por volatilização, lixiviação, erosão de sólidos e escoamento superficial de solutos; e melhoria da estrutura do solo, pela ação biológica na decomposição do material orgânico aportado ao solo (DENARDIN; KOCHHANN, 2006). Sob essa amplitude conceitual, a adoção do Sistema Plantio Direto assume relevância como ferramenta de valor inestimável à Agricultura Conservacionista, objetivando expressar o potencial genético das espécies cultivadas mediante a maximização do fator ambiente e do fator solo, sem, contudo, degradá-los (DENARDIN et al., 2007, 2010).

Após cerca de 25 anos desde a adoção do Sistema Plantio Direto na região de clima subtropical úmido do Brasil, denota-se, como problema de frequência comprometedora à estabilidade da produção agrícola, frustrações de safra motivadas por déficit hídrico mesmo quando da ocorrência de períodos inferiores a 10 dias sem chuva (DENARDIN et al., 2008a). Esse problema está associado à acentuada estratificação do solo na camada de 0 a 20 cm quanto à estrutura e à distribuição dos nutrientes das plantas (ARAUJO et al., 2004; CAVALCANTE et al., 2007; DENARDIN et al., 2009).

As razões para o surgimento dessas formas de degradação do solo são atribuídas por Denardin et al. (2008a) ao descumprimento de alguns preceitos fundamentais da Agricultura Conservacionista na implementação do Sistema Plantio Direto. Nesse sentido, além do tráfego indiscriminado de máquinas e implementos agrícolas na lavoura, do manejo inadequado do sistema integração lavoura-pecuária, do uso de semeadoras equipadas exclusivamente com discos para abrir os sulcos de semeadura, da fertilização do solo recorrentemente em superfície ou na camada de 0 a 5 cm, da excessiva calagem, tanto em dose quanto em frequência de aplicação, de escarificações esporádicas do solo sob justificativas mal fundamentadas e da ausência de práticas mecânicas para manejo de enxurrada, destaca-se a incipiente rotação de culturas, com produção de fitomassa em quantidade, qualidade e frequência aquém da demanda biológica do solo.

Na região de clima subtropical úmido do Brasil, essa carência de rotação de culturas é de difícil quantificação. Contudo, dos 14 milhões de hectares cultivados na safra de verão com soja (Glycine max (L.) Merr.) e milho (Zea mays L.), apenas 2,6 milhões de hectares são cultivados na safra de inverno com trigo (Triticum aestivum L.), aveia branca (Avena sativa L.), cevada (Hordeum vulgare L.), triticale (X Triticosecale Wittmack) e centeio (Secale cereale L.) (ESTADOS@..., 2009a, 2009b, 2009c). Nos 11,4 milhões de hectares restantes, sem dados estatísticos, infere-se que sejam, em parte, cultivados com pastagens anuais de inverno, em parte, com adubos verdes e, em parte, mantidos em pousio vegetado, com emergência espontânea de aveia preta (Avena strigosa L.) e azevém (Lolium multiflorum Lam.). Em ambas as situações, é possível afirmar que, apenas as áreas cultivadas com modelos de produção que contemplam a cultura de milho recebem material orgânico em quantidade e em qualidade requerida pela atividade biológica do solo, para manter e/ou elevar a fertilidade do solo. A emergência de fertilidade em solos agrícolas depende, essencialmente, da quantidade, da qualidade e da frequência de aporte de material orgânico ao solo (SALTON et al., 2005; DENARDIN; KOCHHANN, 2006; BAYER; MIELNICZUK, 2008; VEZZANI; MIELNICZUK, 2009). Portanto, nos principais solos dessa região do país, é perceptível que na camada superficial, aproximadamente de 0 a 5 cm, há condição plenamente favorável ao desenvolvimento de raízes, porém na camada subsuperficial, de 5 a 20 cm, evidencia-se intensa compactação de solo, resultante do aumento da densidade do solo e da resistência do solo à penetração e da redução da porosidade do solo e da permeabilidade do solo ao ar e à água (DENARDIN et al., 2009; DRESCHER et al., 2010a, 2010b). A associação desses fatores tem sido causa de concentração de raízes na camada superficial do solo de 0 a 5 cm de profundidade (DENARDIN et al., 2009) e, consequentemente, de manifestação precoce de déficit hídrico das espécies cultivadas, mesmo em períodos curtos sem chuva (DENARDIN et al., 2008a).

As técnicas tradicionalmente empregadas para mitigar a compactação do solo, como aração e escarificação, são de efeito efêmero, com duração, até mesmo, inferior ao período de uma safra agrícola (FAGANELLO et al., 2009; DRESCHER et al., 2010a, 2010b). Em adição, essas práticas, por preconizarem mobilizações de solo, contrapõem-se aos preceitos do Sistema Plantio Direto e, por esta razão, são refutadas, demandando inovações tecnológicas para a solução do problema. Portanto, com base na teoria de que a quantidade, a qualidade e a frequência de aporte de material orgânico ao solo constituem fatores determinantes da melhoria estrutural do solo, a mitigação da compactação do solo presente na camada de 5 a 20 cm de profundidade, está associada ao aumento do aporte de fitomassa ao solo mediante a intensificação da rotação e/ou consorciação de culturas e a adoção do processo tecnológico colher-semear.

Na região de clima tropical do Brasil, o problema de degradação estrutural do solo está sendo amenizado com a implementação do Sistema Santa Fé (KLUTHCOUSKI et al., 2004) ou milho safrinha-braquiária (CECCON, 2008), estruturado por rotação e consorciação de culturas produtoras de grãos e forragem. Esse sistema é caracterizado pelo cultivo de três safras por ano agrícola em uma mesma gleba de terra, com apenas duas operações de semeadura, em razão da consorciação do milho safrinha com braquiária (Brachiaria spp.), cultivados imediatamente em sequência à colheita da soja. Destacam-se como vantagens desse sistema: instituição do processo colher-semear, que suprime períodos de entressafra agrícola; manutenção do solo permanentemente coberto com plantas vivas e/ou mortas durante todo o ano; adição permanente de material orgânico ao solo, mesmo no período de intenso déficit hídrico, em quantidade acima de o que a biologia do solo potencialmente decompõe anualmente; e geração de benefícios de natureza econômica, decorrentes da diversidade de formas de exploração do estabelecimento rural, que valoriza a integração lavoura-pecuária com pastagem no período de déficit hídrico. Os resultados gerados pelo Sistema Santa Fé ou consórcio milho safrinha-braquiária, portanto, além de inferirem que a braquiária constitui opção de destaque entre as espécies cultivadas com potencial para promover melhorias à estrutura do solo, em razão da quantidade, qualidade e distribuição de fitomassa, principalmente, radicular que adiciona ao solo, assume relevância de cunho econômico por viabilizar produção animal no período de déficit hídrico, como a terceira safra agrícola anual (KLUTHCOUSKI; AIDAR, 2003; KLUTHCOUSKI et al., 2004; CECCON, 2008).

Na região de clima subtropical úmido do Brasil, caracterizada pela distribuição de chuvas ao longo de todos os meses do ano e ocorrência de geadas no inverno, não é possível reproduzir ou adotar literalmente o Sistema Santa Fé ou o consórcio milho safrinha-braquiária, como modelo representativo do processo tecnológico colher-semear, para solucionar os problemas de degradação do solo decorrentes da incipiente rotação de culturas, com produção de fitomassa em quantidade, qualidade e frequência aquém da demanda biológica do solo. A ampliação da área cultivada com espécies produtoras de grãos na safra agrícola de inverno, de 2,6 para 14 milhões hectares, objetivando atender aos preceitos do Sistema Plantio Direto e da Agricultura Conservacionista, não constitui alternativa dependente exclusivamente de solução tecnológica. O aumento da produção e da diversificação de grãos produzidos na safra agrícola de inverno está na dependência de mercado, subsidiado por logística apropriada para recebimento, armazenamento, segregação, processamento e transporte destes grãos. Por sua vez, a integração lavoura-pecuária, com ênfase para a pecuária leiteira, é percebida como o sistema de produção de maior potencial para viabilizar, economicamente, a intensificação e a diversificação de modelos de produção, pois nessa região do país, ao mesmo tempo em que há mercado seguro para o leite, há carência de pastagem no período que transcorre a safra agrícola de verão - em média de novembro a maio -, com os animais sendo alimentados com feno e concentrados que encerram custos sensivelmente mais elevados do que as pastagens.

Nesse contexto, este estudo teve por objetivo avaliar a viabilidade do consórcio milho-braquiária, como um modelo intensivo de produção de grãos e pastagem, com possibilidade de permitir até três safras agrícolas por ano em uma mesma gleba de terra.


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